Real digital deve trazer mais independência a cliente de banco
Rodada do Lift, o laboratório de inovações financeiras e tecnológicas do BC, traz nove projetos para a viabilização da divisa oficial brasileira na versão “tokenizada"
O real digital, moeda virtual em estudo pelo Banco Central (BC), já atrai participantes com a aposta de ampliar a gama de serviços ao público e descentralizar a vida financeira dos clientes, reduzindo o poder dos bancos sobre eles. Anunciada na quinta-feira passada, a nova rodada do Lift, o laboratório de inovações financeiras e tecnológicas do BC, traz nove projetos para a viabilização da divisa oficial brasileira na versão “tokenizada”.
Diretor-executivo do Grupo 2TM/Mercado Bitcoin, uma das instituições participantes do Lift, Ronaldo Faria diz que transformar o real em uma CBDC (moeda digital do Banco Central, na sigla em inglês) abrirá um mundo de possibilidades fora da infraestrutura dos bancos. Isso porque, neste formato, a moeda poderá ser guardada pelas pessoas diretamente em carteiras digitais, em vez de ficar numa conta corrente dentro de uma instituição bancária. “Com o real digital basta ter uma ‘wallet’ [carteira digital] e você pode fazer transferências diretas para outras carteiras. O ecossistema fica muito mais simples”, afirma.
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Também deve se tornar mais fácil comprar ativos digitais como NFTs, sigla em inglês para tokens não fungíveis, aqueles ativos digitais cuja autenticidade é certificada por sua inscrição em algum sistema de blockchain (tecnologia que registra informações de forma descentralizada). “Em uma moeda que nasceu no blockchain, a pessoa que quiser comprar ativos digitais o fará diretamente. Para comprar um NFT você precisava de ethereum [plataforma], agora só vai precisar ter real”, afirma.
Isso não significa que os bancos estejam fora do jogo. Faria admite que, em um primeiro momento, no entanto, seriam eles os responsáveis por oferecer o serviço de criação dessas carteiras digitais aos seus clientes.
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Segundo Marcos Viriato, CEO da Parfin – uma fintech que conecta investidores institucionais ao mercado cripto – bancos e fintechs poderão oferecer carteiras digitais a seus clientes e promover um acesso muito maior a instrumentos de finanças descentralizadas, conforme o modelo que o BC está desenhando. Ele cita como exemplo a possibilidade de conectar de forma mais ampla investidores com dinheiro parado e pessoas que precisam de empréstimos. “Se você tem dinheiro sobrando, a instituição financeira vai te pagar CDI, mas em um ‘pool’ descentralizado há quem queira pagar CDI+2%, casando a oferta e a demanda de forma mais completa.”
Os bancos tradicionais também veem oportunidades. Outro selecionado para o Lift do real digital, o Santander respondeu ao Valor que seu projeto visa aperfeiçoar o processo de transferência de ativos, principalmente na compra e venda de veículos e imóveis entre pessoas físicas. O objetivo é aumentar a eficiência das transações, já que o reconhecimento de firma e a transferência da propriedade estariam garantidos pela utilização de tokens via “smart contract”. “A utilização de smart contracts, desenvolvidos por meio de um CBDC, traz segurança ao processo de transferência da propriedade”, afirmou o banco.
O Santander declarou que é hoje uma das únicas instituições no Brasil a usar tecnologia blockchain na sua produção.
No Lift atual, o BC selecionou as nove instituições para que elas desenvolvessem soluções em quatro eixos necessários para que a moeda seja viabilizada: entrega contra pagamento (DvP, na sigla em inglês), pagamento contra pagamento (PvP), internet das coisas e finanças descentralizadas (DeFi).
O Mercado Bitcoin foi selecionado para prover as soluções de DvP, garantindo que não haverá descasamento entre a entrega do ativo e o pagamento. Para isso, a corretora fez uma parceria com o CPQD para trazer o conceito de carteiras identificadas com autenticação por QR Code e com a ClearSale para validação.
Além do Mercado Bitcoin e do Santander, Aave, Febraban, Giesecke & Devrient, Itaú, Tecban, VERT e Visa também tiveram projetos selecionados pelo BC.
Ao Valor, a Febraban afirmou que o real digital representa uma quebra de paradigma, uma vez que todo o arcabouço vigente para liquidação de ativos nos mercados financeiro e de capitais passa hoje pelos sistemas de transferência de reservas, em um modelo centralizado e limitado por grades de horários.
De acordo com a Febraban, a entidade contou com o auxílio de bancos associados para elaborar um estudo que explorou três visões para apresentar ao BC: “(i) estudos dos desenvolvimentos recentes das moedas digitais através de outros reguladores – visão mundo, (ii) o entendimento da tecnologia necessária para desenvolver produtos desta natureza e as suas complexidades, (iii) assim como, a estruturação do tema com as proposições de atuação pela a Febraban”.
Já a bandeira de cartões Visa disse que a solução apresentada ao Banco Central está alinhada à missão de “de conectar o mundo através de uma rede de pagamento inovadora, segura e confiável, que permite que pessoas, empresas e economias prosperem”.
O Itaú, por sua vez, comentou que a proposta selecionada pelo BC é um projeto do banco com a B3 e em parceria com a R3 – companhia dona da plataforma de blockchain Corda. “Trata-se de um caso de uso de interoperabilidade entre o Brasil e a Colômbia de pagamentos em CBDCs. As empresas trabalharão com CBDCs emitidas pelos órgãos reguladores dos dois países para testar o pagamento entre fronteiras”, informou.
Já a Tecban aponta que desenvolverá uma solução tecnológica para resolver conflitos de confiança entre o comércio (digital e/ou físico) com o seu consumidor por meio de uma conta de garantia vinculada a contratos inteligentes.
A Aave não havia respondido ao pedido de posicionamento até o fechamento. Representantes do Giesecke & Devrient e da VERT não foram localizados.