Não dá para prever quando juro pode cair, diz Fernanda Guardado, diretora do BC

Banco Central quer ter confiança na convergência da inflação à meta

Fernanda Guardado: ‘Nós, no Banco Central, também queremos ter taxas de juros mais baixas de forma sustentável. Mas também queremos ter uma inflação baixa’ — Foto: Gesival Nogueira/Valor
Fernanda Guardado: ‘Nós, no Banco Central, também queremos ter taxas de juros mais baixas de forma sustentável. Mas também queremos ter uma inflação baixa’ — Foto: Gesival Nogueira/Valor

A diretora de assuntos internacionais do Banco Central, Fernanda Guardado, afirma que ainda não é possível antecipar quando será possível o início dos cortes da taxa básica de juros, atualmente em 13,75% ao ano. Os analistas econômicos do mercado preveem o começo do processo de distensão monetária a partir de novembro próximo

“Poderíamos pensar em cortes quando tivermos maior certeza do processo de convergência da inflação para a meta, quando tivermos maior confiança de que a inflação está evoluindo da maneira como esperamos”, disse a diretora do BC. “Mas não é possível antecipar isso agora.”

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Segundo Guardado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC está numa “cruzada” para combater a inflação, que ela avalia que se encontra num nível muito alto. “Basta notar que terminamos com a inflação em 5,8% em 2022, e o Banco Central projeta que vai terminar 2023 em 5,8%”, disse, em entrevista ao Valor. “Precisamos ter paciência, serenidade, com esse processo.”

Guardado, no ano passado, foi voto vencido na defesa de uma alta residual de juros, que levaria a Selic a 14% ao ano, porque tinha dúvidas sobre a evolução da capacidade ociosa da economia, tecnicamente conhecida como hiato do produto, uma força importante para baixar a inflação para a meta. Hoje, ela se diz mais confiante de que a ociosidade está caminhando da forma esperada. “Isso nos dá um pouco mais de conforto de que a nossa estratégia está surtindo efeito.”

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Ainda assim, o cenário para os juros traçado em fins de 2022, que abria uma possibilidade de um primeiro corte agora em junho, sofreu mudanças. O mercado de trabalho se mostrou resiliente e a inflação, mais persistente, em especial nos serviços. “Tivemos essa desancoragem das expectativas, que nesse ambiente aumenta o custo de desinflação.”

A diretora do BC, que é doutora em economia pela PUC-Rio, reconhece, por outro lado, o esforço da Fazenda na condução da política fiscal. “É importante reconhecer que, junto com a reoneração dos combustíveis, a publicação do arcabouço ainda em março reforça o compromisso do Ministério da Fazenda com o pacote que foi anunciado em janeiro”, disse. “Mas o arcabouço ainda tem um longo caminho de discussão no Congresso.”

Ela rebateu, na entrevista que segue, acusações de que o Copom tem sido muito conservador na política monetária. “Nós, no Banco Central, também queremos ter taxas de juros mais baixas de forma sustentável. Mas também queremos ter uma taxa de inflação baixa.”

Guardado também contesta acusações de que o Copom estaria agindo de forma política. “A interpretação de que o trabalho do Copom é político não é apenas factualmente errada, também é muito injusta”, afirma. “É injusta com as dezenas de servidores do BC que produzem as análises que subsidiam essas decisões.” Ela explica que a menção na ata do Copom de que o colegiado poderia aumentar os juros — que despertou reações de setores do governo petista — não é novidade e faz parte da comunicação desde setembro de 2022. “É uma forma de sinalizar que o BC não vai se eximir de fazer o que for necessário caso a situação se deteriore mais, e assim o exija.”

Valor: Muita gente se queixa de que o Brasil é o campeão de juros altos no mundo. Por que o Banco Central não baixa a Selic?

Fernanda Guardado: Entendo essa frustração. Nós, no Banco Central, também queremos ter taxas de juros mais baixas de forma sustentável. Mas também queremos ter uma taxa de inflação baixa. Nesse momento, o nosso foco está sendo combater o nível de inflação, que tem sido persistentemente alto há bastante tempo, e trazer a inflação em direção às metas que foram determinadas pelo Conselho Monetário Nacional [CMN]. A inflação muito alta é particularmente detrimental para as pessoas mais pobres. Um Banco Central autônomo é autônomo exatamente para poder tomar essas decisões que trazem um custo na economia no curto prazo, mas que vão garantir um resultado melhor e mais previsível no longo prazo.

Valor: Um dos argumentos contra os juros altos é que a inflação seria de oferta, mas o BC insiste que é de demanda. Onde ela está?

Guardado: Acho importante pensar como foi o filme desse processo inflacionário. Começou em 2020, por conta dos estímulos fiscais e monetários em todo o mundo, e também no Brasil. Isso gerou um impulso na demanda por bens. O setor de serviços ficou deprimido. Com o passar do tempo, vimos uma desaceleração no consumo de bens e um impulso na demanda por serviços. O setor de serviços tem sido o mais resiliente nos últimos trimestres. Quando eu vejo essa discussão entre demanda e oferta, eu me pergunto: qual demanda, de bens ou de serviços? Olhar só para o dado agregado de consumo talvez esconda um pouco o que está acontecendo por baixo. Não à toa, a inflação de serviços tem sido bastante resiliente. Terminou 2022 perto de 8%, e é bastante inercial. Só aos poucos vai acabar desacelerando.

Valor: Chamou muito a atenção o Copom ter dito na última reunião que, se a inflação não caminhar como esperado, poderia haver aumento de juro. O Banco Central está pensando nessa hipótese?

Guardado: Esse trecho está nos comunicados do Copom desde setembro de 2022. Não é uma novidade. É uma forma de sinalizar que o BC não vai se eximir de fazer o que for necessário caso a situação se deteriore mais, e assim o exija.

Nossa estratégia de desinflação é lenta, em observância ao objetivo secundário de suavizar o ciclo de atividade

Fernanda Guardado, diretora do BC

Valor: Quer dizer que existe de fato uma possibilidade de subir os juros? Há algum perigo no horizonte que justifique o alerta?

Guardado: Observamos uma moderação na atividade econômica e alguma desaceleração na inflação, que vão em linha com o cenário que tínhamos projetado no Copom. Entretanto, também observamos uma desancoragem das expectativas de inflação para os prazos mais longos. Esse é um desenvolvimento que acompanhamos com atenção, mas vamos observar a cada Copom todo o conjunto de informações disponíveis para então avaliar.

Valor: Os economistas consultados no boletim Focus preveem a primeira baixa de juro em novembro. Seria necessário esperar tanto, ou poderia baixar antes?

Guardado: Poderíamos pensar em cortes quando tivermos maior certeza do processo de convergência da inflação para a meta, quando tivermos maior confiança de que a inflação está evoluindo da maneira como esperamos. Mas não é possível antecipar isso agora. Quero reforçar que é a nossa cruzada combater esse nível de inflação, que segue muito alto. Basta notar que terminamos com a inflação em 5,8% em 2022, e o Banco Central projeta que vai terminar 2023 em 5,8%. Uma desinflação marginal inexistente, e com núcleos rodando ainda muito altos. Precisamos ter paciência, serenidade, com esse processo.

Valor: O Copom seguiu um roteiro de análise na última reunião, incluindo projeções de inflação, balanço de riscos, expectativas, ociosidade, núcleos e inflação de serviços. Qual é o mais importante para a decisão dos juros?

Guardado: O roteiro é esse mesmo. São todos muito importantes. Analisamos as expectativas, a evolução do balanço de riscos, a evolução da inflação de serviços, com um peso especial porque tem um caráter mais inercial e é muito ligada ao ciclo de demanda agregada e de atividade da economia de forma geral.

Valor: O que o Copom espera da evolução desses fatores?

Guardado: Na parte de núcleos e inflação de serviços, esperamos ver uma evolução que seja compatível com a projeção que divulgamos. E vamos avaliando se está compatível ou não, à medida que o tempo for passando. Sobre as expectativas, idealmente elas deveriam estar ancoradas nas metas que foram determinadas pelo CMN. De fato, estavam ancoradas até o final de 2022.

Valor: O presidente do BC, Roberto Campos Neto, queixou-se da politização da comunicação do Copom. O trabalho do Copom não acaba sendo um pouco político, já que quem decide tem as suas próprias visões subjetivas?

Guardado: A interpretação de que o trabalho do Copom é político não é apenas factualmente errada, também é muito injusta. É injusta com as dezenas de servidores do Banco Central que produzem as análises que subsidiam essas decisões. Temos diversos departamentos do Banco Central que estão envolvidos nesse processo de análises que culminam com a decisão do Copom. Os técnicos do Banco Central trazem análises bastante detalhadas do cenário internacional, da inflação doméstica, da atividade doméstica, do mercado de crédito. Tudo de forma muito detalhada e técnica. São essas análises que ajudam a subsidiar a nossa decisão. É uma decisão puramente técnica, que leva em consideração os aspectos técnicos e o conjunto de informações da economia, sempre mirando a
convergência da inflação para as metas determinadas pelo CMN.

Valor: A última projeção de inflação do Copom supera a meta, mesmo assumindo por hipótese que os juros não caiam. Isso quer dizer o aperto monetário é insuficiente?

Guardado: Apesar de a Selic estar em um patamar bastante alto — e há muitas críticas em torno do patamar — a nossa estratégia de desinflação é lenta. Isso ocorre em observância ao nosso objetivo secundário de suavizar os ciclos de atividade. Se fôssemos de fato mirar em convergir a inflação ainda em 2023, o nível da taxa de juros deveria ser muito mais alto. Na verdade, o que estamos projetando é essa trajetória de desinflação até o final de 2024. A desancoragem das expectativas aumenta o custo da desinflação. Então temos a situação em que essa taxa mais restritiva tenha que permanecer por um período maior para garantir a convergência da inflação.

Valor: No ano passado, a sra. foi dissidente num voto por uma pequena alta de juros porque estava em dúvida se a atividade iria se desacelerar e criar uma ociosidade na economia para fazer a inflação baixar. Como evoluiu sua visão?

Guardado: O que a gente observou foi uma revisão para cima no hiato calculado pelo Banco Central no final do ano passado, mas foi muito marginal. Naquele momento, havia um debate grande sobre o quão perto de zero o hiato estaria. De lá para cá, com a evolução da economia e pelo que indicam as nossas projeções, a direção do hiato é de alguma abertura nos próximos trimestres. Isso nos dá um pouco mais de conforto de que a nossa estratégia está surtindo efeito.

Valor: Naquele período, o Copom chegou a sinalizar a possibilidade de começar a cortar o juro a partir de junho. O que aconteceu para esse cenário ter mudado?

Guardado: De lá para cá, tivemos dados de atividade que, ainda que demonstrassem uma desaceleração no segundo semestre, tinham uma economia relativamente resiliente, em particular o mercado de trabalho. Continuamos a observar — e acho que isso ficou mais claro ao longo desse primeiro trimestre — que há ainda uma certa persistência na inflação. A inflação de serviços, nós temos dito isso já há alguns meses, é um grande foco de atenção do Copom, e ela continua rodando bastante alta. Claro, tivemos essa desancoragem das expectativas, que nesse ambiente aumenta o custo de desinflação. A interpretação de que o trabalho do Copom é político não é apenas factualmente
errada,também é muito injusta”

Valor: Uma crítica frequente às expectativas é que elas refletem a visão do mercado, que gostaria de juro alto. A crítica está certa?

Guardado: O Banco Central usa as expectativas nos seus modelos de acordo com as melhores práticas
internacionais. Elas são muito importantes porque servem como um farol, muitas vezes para agentes econômicos que não acompanham a inflação no detalhe, que muitas vezes não têm uma opinião muito bem formada sobre o que vai acontecer com a inflação. Sendo esse farol, muitas vezes vão balizar o que trabalhadores e empresas acreditam que vai acontecer com a inflação, se vai acelerar, se sai desacelerar, se vai estar na meta ou não, para embasar seus reajustes de preços e salários.

Valor: Uma das razões para a desancoragem das expectativas é que pode haver uma mudança na meta de inflação. Não caberia ao Banco Central apenas levar em conta que o governo está discutindo, de forma legítima, a meta?

Guardado: Importante reforçar que a meta é uma decisão do governo, o BC tem apenas um voto dentro do CMN. A nós cabe seguir a meta. O que notamos e colocamos na ata do Copom é que essa desancoragem aumenta o custo da desinflação que estamos tentando empreender. Decisões que permitam uma reancoragem das expectativas poderiam diminuir esse custo.

Valor: O Copom está dividido no seu diagnóstico sobre se a desaceleração do crédito é muito forte?

Guardado: Não. Acho importante enfatizar que acreditamos no princípio da separação. Nós observamos que a estratégia de juros está focada no nosso objetivo primário de manter a inflação em linha com as metas do CMN e temos vários instrumentos, de liquidez, macroprudenciais, que já foram inclusive usados no passado, para endereçar problemas no mercado de crédito bancário, caso eles venham a surgir. O que debatemos no Copom é um pouco mais o grau da desaceleração. Observa-se que em alguns segmentos há uma desaceleração um pouco mais forte desse nível de crédito. Mas o Banco Central está pronto e tem os instrumentos para agir caso surjam fricções relevantes.

Valor: O fato de alguns membros do Copom acharem que a desaceleração está muito mais forte em alguns segmentos não significa que a economia poderá recuar mais do que o previsto?

Guardado: Nossa percepção é que, por enquanto, de forma agregada, o crédito desacelera em nível compatível com a política monetária contracionista.

Valor: Qual é a sua visão sobre o arcabouço fiscal divulgado?

Guardado: É importante reconhecer que, junto com a reoneração dos combustíveis, a publicação do arcabouço ainda em março reforça o compromisso do Ministério da Fazenda com o pacote que foi anunciado em janeiro. Mas o arcabouço ainda tem um longo caminho de discussão no Congresso. Nós precisamos ter serenidade e paciência com esse processo que vai se desenrolar. Queria, entretanto, reforçar o que já escrevemos na ata, que não há relação mecânica entre a convergência da inflação e a apresentação do arcabouço. A convergência das expectativas em direção à meta é muito condicional ao comportamento das expectativas de inflação, da própria inflação corrente e dos preços de ativos.

Valor: O Copom tirou uma menção que fazia nas suas atas sobre o impacto da política fiscal na demanda agregada. Hoje, esse impulso fiscal é uma preocupação menor para o Copom?

Guardado: Na própria ata, escrevemos que essa decisão da reoneração dos combustíveis, que já estava inclusive incorporada no nosso cenário-base, foi de uma certa maneira uma boa etapa no sentido de diminuir eventuais políticas de sustentação para a demanda agregada.

Valor: Diante da crise bancária nos EUA e na Europa, o BC deveria ter uma ação mais cautelosa?

Guardado: Nos Estados Unidos e na Europa, os eventos recentes de estresse localizados em alguns bancos aumentaram um pouco os riscos em torno do cenário. Ao mesmo tempo, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, observou-se alguma resiliência de atividade, mas principalmente da inflação. Aumentou essa chance de termos persistência inflacionária mais duradoura. Por outro lado, com o cenário de estresse bancário, há o risco de uma desaceleração de crédito também mais forte lá. Como os bancos centrais resolveram lidar com isso? Usando o princípio da separação. Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa continua a haver um processo de subida de taxa de juros, e buscaram lidar com os problemas bancários, cada um a seu modo, usando outros mecanismos. No
Brasil, não notamos um impacto desse estresse internacional no sistema bancário.

Valor: Como está a preparação da presidência do Brasil no G20?

Guardado: Estamos bastante animados com a perspectiva de o Brasil sediar o G20 em 2024, e vemos também uma expectativa bastante grande dos demais membros do G20 com essa nossa presidência. Temos uma ótima interlocução com a Fazenda na organização desse evento.

Valor: Como está o apetite dos investidores em relação ao Brasil com a mudança do governo?

Guardado: Temos observado bastante interesse. O Brasil tem uma avaliação positiva da condução da política monetária. Há alguns questionamentos em temas mais estruturais. À medida que medidas importantes colocadas pela Fazenda evoluam, como o arcabouço [fiscal] e a reforma tributária, o interesse deve aumentar.

Por Alexa Ribeiro, do Valor Econômico
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