Baixa convicção nos modelos do banco central dos EUA põe em xeque a economia global
Em que pese a dialética natural dos mercados, não é comum as opiniões oscilarem de um extremo ao outro tão abruptamente. O que está acontecendo?
Estes últimos meses têm sido interessantes e particularmente desafiadores para os investidores.
Num espaço muito curto de tempo, a narrativa dos mercados globais passou de “hard landing”, quando praticamente o consenso dos analistas e economistas previa uma inevitável recessão da economia norte-americana, para um cenário de “soft landing” onde o impacto da política monetária restritiva seria leve, para até poucos dias atrás uma narrativa de “no landing”, que refletiria um ambiente benigno em que a inflação seria domada naturalmente sem a necessidade de aumentos de juros, além daqueles já precificados pelas curvas e a economia continuaria crescendo apoiada num mercado de trabalho sólido e consumo resiliente.
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Os dados mais recentes colocaram em dúvida essa tese mais benigna, e embora ainda não tenham cunhado o termo para a nova narrativa que está se formando, não me surpreenderia se fosse algo mais para “flying blind”.
Narrativas são tentativas de resumir o sentimento e cenário dominantes dos investidores e, consequentemente, identificar a direção mais provável dos preços no curto e médio prazos. Vários fatores impactam os preços dos ativos o tempo todo, portanto filtrar o que é mais relevante ajuda a separar o joio do trigo.
No entanto, em que pese a dialética natural dos mercados, não é comum as opiniões oscilarem de um extremo ao outro tão abruptamente.
Ambientes Táticos
Uma das maiores dificuldades dos investidores em ambientes voláteis é ter flexibilidade e a mente aberta para alterar a configuração para o modo tático.
Quando comecei a jogar xadrez, ainda garoto, meu forte era o jogo tático. À medida que fui ganhando experiência, passei a adotar um estilo mais posicional. Esse é um percurso normal na evolução do estilo de um grande mestre.
O jogo posicional oferece menores riscos, foca no longo prazo, tem a paciência para aproveitar as pequenas oportunidades que vão surgindo no meio do caminho e é extremamente eficiente contra uma oposição mais fraca. Digamos que é um caminho mais tranquilo para a geração de alfa, termo usado para descrever a capacidade de um investimento render lucros acima do esperado no mercado.
Mas essa transição para o jogo posicional, estratégico, não significa que ele evita o jogo tático. Quem define se a partida vai tomar um rumo mais estratégico ou tático não é o jogador, mas sim a posição. Em algumas situações, o correto é entrar nas complicações.
O jogo tático exige mais do jogador. Há dois desafios: o primeiro é identificar e calcular com precisão as possíveis alternativas mais à frente, e o segundo, talvez mais difícil, avaliar corretamente os diferentes cenários resultantes. Posições complexas oferecem muitas alternativas que podem levar a posições totalmente diferentes em poucos lances.
A característica, portanto, de um ambiente tático não é a ausência de fundamentos estratégicos que direcionam a decisão dos jogadores, mas sim a constante alteração dos elementos estruturais e conjunturais da posição, que força a constantes revisões, inclusive do plano estratégico.
Como ganhar neste ambiente
Não importa se o mercado está em alta ou em baixa, sempre é possível tomar boas decisões de investimento. No entanto, bear markets são mais complexos, pois para ganhar na tendência de baixa é preciso estar vendido. E os ralis podem ser muito violentos, não sendo raros movimentos superiores a 20%.
Considerações técnicas passam a ter um peso relevante, tais como o posicionamento dos investidores, nível de alavancagem, fluxos de capitais, rebalanceamento de fundos de pensão, correlações de ativos, fundos quantitativos, mercados de derivativos etc. Todos esses fatores e players estão impactando os preços e são difíceis de serem mapeados.
Ou seja, as narrativas podem mudar impulsionadas por um comportamento de preços que não foi causado por aquilo que essa nova narrativa sustenta. É bem provável que tenhamos presenciado um desses casos. Aumentou a liquidez, preços subiram, quem estava vendido teve que reduzir risco, o que fez os preços subirem mais, e o mercado passou a acreditar na narrativa de “no landing”.
Este ambiente exige muito do investidor. É preciso estar atento e procurar aproveitar oportunidades de movimentos extremos, sem perder de vista o pano de fundo estratégico, os fundamentos. Ao mesmo tempo é preciso ter a humildade de saber que a chance de você estar errado é naturalmente maior nesses momentos. Não acredite em tudo que você lê, confie na sua análise e, principalmente, opere com posições menores.
Apertem os Cintos
Quando a visibilidade é baixa e os instrumentos de voo não funcionam, diz-se que estamos voando às cegas. A conotação de uma eventual narrativa na linha de “flying blind” é muito negativa e sugere um desastre iminente, o que não parece ser o caso. Mas não chega a ser totalmente sem cabimento.
Que a visibilidade é baixa, isso já sabemos. O problema é que os instrumentos de voo do piloto (no caso, o Fed) não estão funcionando como deveriam. Se os próprios membros do Fed reconhecem que seus modelos para medir inflação não são suficientemente bons, não podemos contar com um pouso por instrumentos. Assim, o jeito é seguir voando.
O maior problema de voar às cegas é que o que era um cenário ruim – “hard landing” – pode se tornar em algo pior ainda, um “crash”. Mas também pode ser que a tempestade passe e fique tudo bem. Qual o resultado? Ninguém sabe.
O que se sabe é que devemos ajustar nossas configurações. No jogo tático, temos que entrar nas complicações e manter o alerta ligado. O investidor precisa ter flexibilidade, agilidade e uma mente aberta. É um ambiente interessante para trading, mas o risco pode ser extremo. Se as suas habilidades táticas não são superiores, não há vergonha nenhuma em ter uma postura cautelosa. Não é hora para ser herói.