Mercados voltaram a subestimar o problema da inflação, dizem gestores

A alta de preços pode ser um risco ainda alto

(Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo)
(Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo)

Aumento de juros nas economias globais, guerra na Europa e escala das tensões políticas entre China e Estados Unidos. Se a cena local carrega por si só inúmeras incertezas, o cenário mundial de fato não está muito diferente. No fundo de ambos os horizontes, porém, há uma mesma variável que castiga os países e intriga as autoridades monetárias e os mercados em todo o mundo: a inflação.

“É um fenômeno global que, na nossa opinião, ainda tem muita incerteza contratada e, consequentemente, muito trabalho para ser feito pelos bancos centrais e por ações coordenadas dos governos”, reconhece Thiago Mendez, sócio e gestor de renda fixa da Bahia Asset Management, no evento Expert XP 2022.

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Em termos de investimentos, Mendez destaca que as determinantes do preço dos ativos agora são o que vai acontecer com a inflação global e o que vai ser feito em termos de política monetária para resolver o tema. Para o profissional, porém, apesar de a alta de preços ser um risco ainda alto no mundo, a sensação é a de que os mercados voltaram a duvidar da capacidade de a inflação surpreender.

“Eu não quero apostar contra os bancos centrais, mas o mercado está atribuindo um custo baixo em termos de risco inflacionário. A luta não acabou e ainda vamos ver rodadas de dados de inflação altos e respostas de autoridades monetárias no mundo desenvolvido”, ressalta o gestor.

Ele lembra que foi na virada do ano que o problema da inflação ficou mais latente, período marcado também pela adoção de um tom mais duro nos discursos dos membros dos bancos centrais. “De lá para cá, as condições financeiras começaram a apertar e, há pouco mais de um mês, parece que a situação já mudou um pouco. Os preços das commodities caíram e as inflações implícitas (expectativa de inflação à frente) também recuaram, principalmente nos Estados Unidos”, continua.

Embora a perspectiva de uma inflação “mais calma” pareça dominar o sentimento dos mercados, Mendez enfatiza que a trajetória de queda vai ser lenta, sobretudo nos itens inerciais, aqueles mais ligados ao ciclo econômico. “Estamos vendo um mercado de trabalho apertado em vários países e, ao mesmo tempo, uma inflação muito alta. De um mês para cá a avaliação é a de que o mercado voltou a subestimar o problema inflacionário”, admite o sócio da Bahia Asset.

Mariana Dreux, gestora macro da Truxt Investimentos, fez jus às falas de Mendez durante painel da Expert XP 2022 e reconhece a inflação como preocupação número um para as economias e os mercados. Mas ela vai além e acrescenta uma segunda variável: a divergência de crescimento entre os Estados Unidos e outros países.

A gestora lembra que a espiral inflacionária começou antes da crise de covid-19 e da guerra na Ucrânia, com um processo de desglobalização decorrente da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, que desencadeou na implementação de várias tarifas. “Esse acontecimento tem efeito altista na inflação no médio e longo prazo”, afirma.

Outro problema foi a questão da migração para a energia verde, que provocou décadas de baixo investimento em fontes de energia. “O processo normal é o preço da commodity subir, a produção aumentar e isso regular o preço até que ele comece a cair mais à frente, mas a falta de investimento em um momento de choque no preço de energia gerou um desequilíbrio e contribuiu para a disparada da inflação”, explica a gestora.

Logo depois, com a pandemia, os estímulos monetários e fiscais lançados pelas autoridades monetárias e pelos governos nas economias do mundo e, principalmente, dos Estados Unidos alimentaram ainda mais a escalada de preços. Não fosse o bastante, veio a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e causou uma nova pernada de preços de commodities, o que pressionou mais a inflação.

Agora, com a crise sanitária em situação controlada, o cenário de muitos estímulos e juro ainda baixo em alguns países tem sustentado a inflação. “A questão é que estamos mudando o foco só no choque de commodities e na inflação de bens para uma inflação muito centrada no setor de serviços”, defende Mariana.

Ainda na visão da gestora, o mercado de trabalho apertado no mundo inteiro demanda ainda mais esforço monetário e tempo para solucionar o problema. No entanto, para ela, o que parece é que os mercados estão achando que a inflação vai ser resolvida quase que “naturalmente”.

“O mercado está atribuindo um preço muito baixo de aumento de juros nas curvas e a impressão é a de que tem que ser mais alto. Eu acredito que o banco central americano vai subir os juros bem mais que os 100 bps que tem na curva deste ano”.

No que diz respeito à divergência de crescimento entre os países, Mariana acredita que a competição por juros mais altos nas economias e o cenário mais adverso de menor liquidez vai trazer implicações no dólar para países emergentes. “Aumenta a visão pessimista de que juros mais altos no mundo desenvolvido vai continuar fortalecendo o dólar contra outras moedas”, pontua.

Em relação ao Brasil, que foi um dos países a sair na frente no processo de aperto monetário e viu a sua taxa de juros ir para 13,75% na decisão de ontem do banco central, a gestora acredita que o mercado ainda pode se decepcionar por acreditar em um fim do ciclo de alta dos juros.

“Os elementos que me levariam a imaginar que ao final de um ciclo de alta é preciso se posicionar para um ciclo de relaxamento ainda não estão presentes no cenário atual. Não vimos alívio na inflação corrente ainda, apesar do alívio de impostos que afetou os números cheios. No entanto, os qualitativos, como de serviços e medidas de núcleo, ainda seguem muito pressionados”, argumenta.

O segundo ponto, destaca, são as expectativas de inflação que, em geral, costumam se estabilizar quando chega ao fim do ciclo. “Mas temos visto no boletim Focus que as projeções continuam subindo. Para o ano que vem, o relatório aponta para uma inflação de 5,33%, enquanto a meta é de 3,25%”, exemplifica Mariana.

Por fim, outra questão é o estado da atividade econômica. Ainda que o banco central brasileiro tenha subido muito os juros, ainda não há sinais de desaceleração da economia. E por quê?

Enquanto a política monetária está tentando frear a economia, a política fiscal não para de acelerar a atividade, que em agosto deve ficar ainda mais quente com os auxílios e a desoneração de impostos de combustíveis, energia e comunicação.

“Essas medidas atuam na direção contrária do banco central. Se o preço subiu muito, o ideal é diminuir o consumo para o preço voltar a um nível estável. Mas, a partir do momento que começa a diminuir o imposto, a demanda vai continuar forte, então permanece o vetor de aceleração da inflação”, finaliza a gestora ao dizer que esses três elementos fazem acreditar que a aposta do mercado em um suposto fim de ciclo de alta de juros no Brasil pode ir por água abaixo mais à frente.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.

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