Marcos Mendes: herança do governo Bolsonaro na economia é ‘complicada’
Marcos Mendes explica que governo Bolsonaro oscilou na responsabilidade fiscal; Pedro Malan, ex-Fazenda, mantém expectativa sobre governo Lula
O governo Bolsonaro deixou uma herança “complicada” para o novo governo Lula, segundo o economista e consultor econômico do Senado Federal, Marcos Mendes. Conforme ele, a administração derrotada nas urnas pendeu para o lado da irresponsabilidade fiscal, ao mesmo tempo em que fez avanços na área.
Mendes, ao lado do ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, discursaram no 17º SIAC, congresso organizado pela Acrefi (Associação Nacional de Empresas de Crédito, Financiamento e Investimento).
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Por um lado, a administração de Guedes fez um bom saneamento das despesas do BNDES, viabilizou privatizações e concessões — gerando caixa —, e usou o teto de gastos para segurar o avanço do salário mínimo e folha de pagamento dos funcionários públicos, avalia Mendes. Do outro, houve o furo do teto de gastos, além de terceirização de gastos ao Congresso. O desenho do Auxílio Brasil é avaliado pelo economista como equivocado, já que o projeto da equipe econômica de Guedes aumentou custos do benefício sem buscar mais fontes de receita.
‘Não se deve colocar nada fora do teto’, diz Mendes
Ainda de acordo com Mendes, o gasto de R$ 175 bilhões fora do teto para custear o Bolsa Família, previsto na PEC de Transição, “é um erro”.
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Além do gasto com o Auxílio Brasil, a minuta do projeto prevê pelo menos uma despesa de pelo menos mais R$ 23 bilhões fora do teto para o ano que vem.
“Não deve se colocar nada fora do teto. Você pode aumentar e, portanto, aumentar a despesa. Mas uma vez fora do teto, o gasto vai ter espaço para crescer sem limite”, comentou Mendes.
Por isso, para ele, não importa o debate sobre o prazo em que o gasto se manterá fora do teto, uma vez que “caso ela seja aprovada com um limite, esse limite será estendido por mais tempo”. Na terça-feira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que a falta a retirada permanente do benefício social do teto de gastos “não encontra ressonância no Congresso”.
Saída é PEC de Transição com waiver menor
Segundo gráficos apresentados por Mendes, caso a PEC seja aprovada no texto atual, isso pode gerar um prejuízo de R$ 160 bilhões para os cofres públicos, o que equivale a 2,6% do PIB — ou todo o crescimento estimado em produtividade previsto para 2022.
O economista traçou dois cenários de aprovação da PEC de Transição. No caso de o governo aprovar a medida como quer, com gastos de R$ 230 acima do teto, a dívida pode saltar para 103% acima do PIB. “A definição do aumento da despesa em 2023 pode ter consequências graves de médio e longo prazo, sinalizando a perda de sustentabilidade do nosso regime fiscal”, mostrou Borges
Mendes acredita que o gasto extraordinário pressiona as despesas públicas que já estão previstas dentro do próprio teto.
Mas a saída está em um waiver menor. No caso de uma PEC com despesa de R$ 90 bilhões, a nova administração pode ganhar mais tempo para negociar reforma tributária ou novas regras fiscais. Se o texto passar com esse valor, a dívida pode ter uma trajetória estável de 88% do PIB.
Outro problema da PEC, conforme Mendes, é o trecho em que o governo prevê o aumento de investimentos com limite de 6% do excesso de arrecadação. “Não há que se falar em excesso de arrecadação quando você tem déficit no Orçamento, porque esse mecanismo só é possível quando tem dinheiro sobrando, algo que não existe no momento”, disse.
Pedro Malan avalia cenário externo
“Começamos mal a terceira década do século XXI”, disse ao abrir seu discurso. O economista expressou preocupação com o cenário internacional a ser enfrentado pela economia brasileira no ano que vem. Os principais fatores que agravam a situação no exterior são a ‘desglobalização’ — países mais fechados a nações não consideradas ‘aliadas — e a incerteza global. “A invasão russa da Ucrânia aumentou muito o grau de insegurança nos investimentos globais”, afirmou o ex-ministro.
Malan também afirmou que os bancos centrais e tesouros de todo mundo reagiram mais rápido ao aumento da inflação, o que acelerou os temores de recessão global na economia. O único que delongou o aumento da taxa de juros foi o Fed (Federal Reserve), tentando manter a inflação dentro da meta de 2%.
“Nem pessimista, nem otimista”, diz Malan
“Os países estão preocupados com sua segurança. Ambiental, militar, cibernética, contra endemias e pandemias. Temos os problemas de mudanças climática, transição energética, e eles dependem de um grau de cooperação multilateral e internacional”. Países como o Brasil, nesse caso, devem manter canais de comunicação abertos. “É preciso analisar o contexto econômico de cada país, ao olhar às vezes com admiração às respostas que países desenvolvidos têm com seus tesouros e bancos centrais. Nem todos podem seguir exatamente a mesma receita”, concluiu Malan.
Ao ser questionado sobre a pressão da PEC de Transição na dívida e o valor do waiver, Malan disse que “não comentaria eventos que estão acontecendo”.
O ex-ministro diz que não está “nem pessimista nem otimista” com a economia brasileira no ano que vem. “O cenário do Brasil e da América Latina são muito mais complexos para permitir essa divisão binária. Ficou muito claro que decidimos votar no segundo turno com expectativa de condução responsável da economia. Essa é minha expectativa.”