Juros nos EUA, China e falas de Lula: o que explica a saída de R$ 21,2 bi da bolsa em 2024
No trimestre atual, se esse cenário permanecer, o mercado de ações do país caminha para colher o pior desempenho para o período desde 2020
Os investidores estrangeiros já retiraram R$ 21,2 bilhões da bolsa de valores desde o começo de 2024.
No trimestre atual, se esse cenário permanecer, o mercado de ações do país caminha para colher o pior desempenho para o período, desde 2020, quando a economia global começou a ser chacoalhada pela pandemia da Covid-19 e a saída de recursos somou R$ 64,3 bilhões.
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Em 2024, são dois os grandes vetores que explicam esse comportamento dos investidores internacionais.
O mais importante tem a ver com o cenário externo e as mudanças na expectativa do mercado para o rumo das taxas de juros nos Estados Unidos.
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Em menor grau, pesam também as tentativas mais claras do governo brasileiro de interferência na economia.
Perfil dos investidores
Na virada do ano, os investidores se mostraram otimistas e chegaram a prever seis cortes nas taxas de juros dos Estados Unidos.
Mas esse cenário foi sendo abandonado conforme os números divulgados apontavam para uma economia mais forte do que o esperado, o que indica um caminho mais difícil para o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) levar a inflação para a meta de 2%.
Na quarta-feira, 20, o Fed reforçou que o seu plano de voo é mais modesto.
O banco central dos Estados Unidos manteve as taxas de juros no intervalo de 5,25% a 5,50% e sinalizou que devem ser realizados três cortes neste ano.
Juros mais altos nos EUA tendem a atrair recursos aplicados em mercados emergentes, considerados mais arriscados, como é o caso do Brasil.
“Houve uma mudança muito abrupta das expectativas de corte das taxas de juros nos Estados Unidos. E foi uma mudança guiada por um otimismo com os EUA”, afirma Marcela Rocha, economista-chefe da Principal Claritas.
Economia resiliente nos EUA
De fato, os números dos Estados Unidos mostram uma economia bastante resiliente.
O próprio Fed aumentou a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano deste ano de 1,4% para 2,1%.
A mediana para núcleo do índice de preços de gastos com consumo (PCE) subiu de 2,4% para 2,6%.
“Desde o início do ano até agora, o que estamos vendo é o mercado reprecificando os juros nos Estados Unidos”, diz Gabriela Joubert, estrategista-chefe do Banco Inter.
Com a mudança de rumo nos Estados Unidos, a bolsa brasileira passou a enfrentar uma espécie de ressaca.
No fim de 2023, quando havia a expectativa por um ciclo maior de queda de juros nos EUA, os mercados emergentes receberam uma enxurrada de recursos de fora.
Em novembro e dezembro, a entrada de recursos foi de R$ 21 bilhões e R$ 17,5 bilhões, respectivamente.
“Além da dúvida do corte dos juros, os EUA estão muito atrativos. É uma economia crescendo, uma economia forte. Uma das coisas que explicam é simplesmente o comparativo: por qual razão o investidor vai tomar risco se os EUA estão com uma conjuntura favorável”, afirma Marcela.
A volta do estrangeiro para a bolsa brasileira, portanto, vai depender dos sinais da economia dos EUA e, consequentemente, das expectativas para os juros norte-americanos.
Por ora, descontadas as oscilações diárias, como a entrada de quase R$ 3 bilhões em 15 de março, os analistas dizem que o cenário segue o mesmo do observado até agora.
Efeito China
Outro fator internacional que tem influenciado o desempenho do investidor estrangeiro na bolsa é a dificuldade de a China conseguir acelerar o crescimento do PIB.
A economia chinesa é uma grande compradora de produtos básicos do Brasil, e o mercado acionário brasileiro é bastante influenciado pelo comportamento dos preços das commodities no mercado internacional.
Considerada um dos motores da economia global, a China tem lidado com um cenário mais complicado na economia, lidando com uma crise imobiliária.
No início do mês, o governo chinês definiu a meta de crescimento econômico de cerca de 5% para 2024, a mesma do ano anterior.
O número pode ser considerado otimista quando se compara com a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), que projeta um avanço do PIB de 4,2% neste ano.
“Como a China passa por essa situação de desaceleração e preocupações com o cenário econômico de médio prazo, existe um ponto de interrogação, de preocupação ligado a ativos mais relacionados às commodities”, afirma Silvio Campos Neto, economista e sócio da consultoria Tendências.
Incerteza local
As recentes incertezas com o rumo da economia local também podem explicar parte da saída de recursos do mercado de ações brasileiros.
Nos últimos meses, as tentativas do governo Lula de intervir na Vale e Petrobras, duas gigantes nacionais, ampliaram uma dúvida e preocupação dos investidores com o risco de um governo mais intervencionista.
Esse tipo de preocupação existe desde o início do terceiro mandato de Lula.
Há uma dúvida se o governo vai ser mais pragmático na condução da política econômica, como nos primeiros anos do petista, ou se haverá um descuido com as contas públicas e o governo atuará com a mão mais pesada nos rumos da economia.
“O que a gente vê é um cenário de bolsa capengando, sem ímpeto e sem fôlego”, afirma Campos Neto, da Tendências.
“E, olhando o comportamento de capitais estrangeiros, há uma saída bastante forte. Talvez tenha um pouco de realização de lucro, depois dos ganhos do ano passado, mas, talvez, os investidores comecem a farejar alguns sinais mais problemáticos da agenda econômica interna.”
Um termômetro desse medo pode ser lido na pesquisa Genial/Quaest, que foi divulgada na quarta-feira (20), com participantes do mercado financeiro.
O levantamento mostrou que metade dos entrevistados aponta o intervencionismo como o maior risco para o governo Lula.
É a principal preocupação.
Na sequência, estão o estouro da meta fiscal (23%) e a perda da popularidade do presidente (19%).
No caso da Petrobras, por exemplo, o governo suspendeu o pagamento dos dividendos extraordinários, o que frustrou os investidores. No dia seguinte ao anúncio, em 8 de março, R$ 1,8 bilhão de recursos de estrangeiros deixaram a Bolsa.
Em valor de mercado, a companhia perdeu cerca de R$ 56,6 bilhões desde a decisão envolvendo os dividendos, de acordo com cálculos de Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria.
Em 2024, a queda acumulada é de R$ 25,1 bilhões.
“Até os dados de fevereiro e começo de março, a saída do investidor internacional era relacionada ao cenário global”, diz Marcela, da Principal Claritas.
“Só que, desde 8 de março, o primeiro dia depois da decisão da Petrobras em não distribuir os dividendos extraordinários, ficamos numa dúvida se essa continuidade de saída do estrangeiro também está relacionada com dúvidas sobre o cenário interno.”
Na Vale, o governo atuou para emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no comando da companhia no lugar de Eduardo Bartolomeo.
O conselho de administração da mineradora decidiu renovar o mandato do executivo até 31 de dezembro.
Ele deveria sair em maio.
A mineradora contratou uma companhia de recursos humanos para ajudar na sucessão.
A sucessão tumultuada e a queda do preço do minério de ferro no mercado internacional já levaram a Vale a perder R$ 70,1 bilhões em valor de mercado neste ano.
“Houve mais ruído do governo neste início de ano do que em 2023, mas a nossa visão é de que faz parte do jogo. O cenário que a gente vê não se caracteriza por uma guinada grande da política ou que será (um governo) muito mais intervencionista”, diz Paulo Abreu, sócio e gestor da Mantaro Capital.
“Tem esses momentos de mais ruídos, mas que costumam ser seguidos de mais calmaria no governo Lula.”
No ano passado, o Ibovespa (principal índice da Bolsa brasileira) se valorizou 22,28%.
Em 2024, a queda acumulada é de 5,33%.
Com informações do Estadão Conteúdo