ITCMD sobre fatos geradores com elemento de conexão com o exterior e emenda constitucional 132/2023

Estados e Distrito Federal não poderiam ter editado leis locais instituindo impostos de transmissão causa mortis, mesmo diante da omissão do legislador nacional sobre a matéria; entenda

Fachada do Supremo Tribunal Federal - Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF
Fachada do Supremo Tribunal Federal - Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF

Em fevereiro de 2021, o STF julgou o Recurso Extraordinário 851.108, em que decidiu pela inconstitucionalidade de lei estadual que prevê a incidência do ITCMD (Imposto de transmissão causa mortis e doação) sobre fatos geradores com elemento de conexão com o exterior, nos termos do art. 155, §1º, III, da Constituição Federal.

Em termos gerais, o STF se posicionou no sentido de que os Estados e Distrito Federal não podem legislar supletivamente diante da ausência da lei complementar exigida pela Constituição Federal, que deveria ter sido editada em âmbito nacional pelo Congresso Federal.

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Assim, nas seguintes hipóteses, o ITCMD não poderia ser cobrado pelos Estados e Distrito Federal, enquanto não houvesse a mencionada lei complementar para definir a competência tributária das unidades federativas:

(i) doação: se o doador tiver domicílio ou residência no exterior; ou

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(ii) sucessão: se o falecido possuía bens no exterior, era residente ou domiciliado no exterior ou teve seu inventário processado no exterior.

Entretanto, a produção de efeitos da decisão do STF foi modulada, de forma a atingir somente fatos geradores ocorridos após a publicação do acórdão, bem como aqueles que foram objeto de ações judiciais não transitadas em julgado em que se discute:

(i) perante qual Estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, a fim de evitar a ocorrência de bitributação; e

(ii) a validade de cobrança do ITCMD que não foi pago anteriormente.

Reforçando o entendimento firmado no Recurso Extraordinário 851.108, o assunto foi objeto do Tema de Repercussão Geral 825: “É vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, §1º, II, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

Ou seja, mesmo diante da omissão do legislador nacional sobre a matéria, os Estados e Distrito Federal não poderiam ter editado leis locais instituindo tal cobrança com base na competência legislativa concorrente.

Somente seria possível a instituição do ITCMD nessas hipóteses a partir da edição da lei complementar pelo Congresso Nacional ou de uma alteração constitucional, que modificasse tal condição, o que veio a ocorrer com a Emenda Constitucional 132/2023.

Ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade

Em linha com o entendimento que estava sendo consolidado no STF, a fim de evitar que os Estados continuassem efetuando a cobrança, a Procuradoria Geral da República ajuizou Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra as leis de diversos Estados:

AcreADI 6.829ParáADI 6.819
AlagoasADI 6.828ParaíbaADI 6.822
AmapáADI 6.837ParanáADI 6.818
AmazôniaADI 6.836PernambucoADI 6.817
BahiaADI 6.835PiauíADI 6.827
CearaADI 6.834Rio de JaneiroADI 6.826
Espirito SantoADI 6.832Rio Grande do SulADI 6.825
GoiásADI 6.831RondôniaADI 6.824
MaranhãoADI 6.821Santa CatarinaADI 6.823
Mato GrossoADI 6.838São PauloADI 6.830
Mato Grosso do SulADI 6.840TocantinsADI 6.820
Minas GeraisADI 6.839

No julgamento das referidas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, o STF declarou a inconstitucionalidade das leis estaduais editadas em desconformidade com o entendimento proferido no Recurso Extraordinário 851.108.

Nesse mesmo contexto, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 67 teve por objeto a demora do Congresso Nacional em editar a lei complementar para estabelecer normas gerais definidoras do tributo.

Assim, os Ministros do STF fixaram o prazo de 12 meses a contar da data da publicação da ata de julgamento, em junho de 2022, para tal edição, o que não ocorreu. Contudo, em face dessa omissão, acabou sobrevindo a Emenda Constitucional 132/2023 ao final do ano passado, que, dentre outros aspectos, alterou regras em relação ao ITCMD.

Emenda constitucional 132/2023

A Proposta de Emenda Constitucional 45/2019, promulgada como Emenda Constitucional 132/2023, supre temporariamente a inconstitucionalidade formal apontada pelo STF, conforme exposto acima, e define o Estado competente para exigência do ITCMD em situações com elemento de conexão com o exterior até que a matéria seja regulamentada por lei complementar.

Em termos gerais, da leitura do artigo 16 da Emenda Constitucional 132/23, infere-se que o legislador constituinte pretendeu possibilitar a cobrança do ITCMD enquanto não for editada lei complementar, nos seguintes termos:

Vale ressaltar que, além dos impactos relativos ao ITCMD no Brasil, podem existir impactos no exterior a depender da jurisdição onde o bem ou as partes estão localizados, sendo importante contar com auxílio de assessores externos nos respectivos países.

Constitucionalidade superveniente

Em termos gerais, não se admite a constitucionalidade superveniente no ordenamento jurídico brasileiro. Vale dizer que a constitucionalidade superveniente consiste na situação em que uma norma não encontra fundamento de validade no texto constitucional vigente no instante da sua introdução no sistema, mas, em virtude de uma modificação da Constituição Federal, tem sua compatibilidade atestada posteriormente, como se o vício inerente à norma no momento da sua edição pudesse ser corrigido.

No caso em questão, aplicando-se a constitucionalidade superveniente, após a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, os Estados e o Distrito Federal poderiam passar a cobrar o ITCMD sobre fatos geradores com elemento de conexão com o exterior, vez que suas respectivas leis já dispõem por tal incidência e não foram propriamente revogadas, mas tão apenas declaradas inconstitucionais.

Por outro lado, ao não aplicar a constitucionalidade superveniente, a norma que nasce inconstitucional não poderia adquirir constitucionalidade posteriormente de forma automática. Dessa forma, os Estados deveriam editar novas leis para dispor sobre o ITCMD incidente sobre tais fatos geradores, em consonância com a nova disposição constitucional.

O STF já teve a oportunidade de enfrentar o tema, se posicionando, na maioria dos casos, pela impossibilidade da ocorrência da constitucionalidade superveniente. Porém, em outros casos, já flexibilizou o tema, de forma que poderia haver judicialização no caso do ITCMD. Alguns exemplos estão abaixo:

Por fim, outro debate seria em relação à aplicabilidade dos princípios da anterioridade de exercício e nonagesimal. Isso porque a Emenda Constitucional 132/2023 não revoga nem cria exceções aos princípios, e as novas regras poderiam ser interpretadas como criação de um novo fato gerador do ITCMD sobre transmissões com elemento de conexão com o exterior, de forma a serem aplicáveis tais princípios.

Por outro lado, sob o argumento de não constituir nova instituição de tributo, uma vez que a previsão já existia na Constituição Federal, estando somente condicionada à lei complementar, os Estados e o Distrito Federal poderiam tentar afastar a aplicação de tais princípios.

Conclusão

Tendo em vista todas as discussões aqui dispostas, talvez o cenário mais conservador, considerando o ordenamento jurídico brasileiro, seria o afastamento da constitucionalidade superveniente, somado à aplicação dos princípios da anterioridade de exercício e nonagesimal.

Assim, a título exemplificativo, no caso de uma lei estadual publicada em 01/04/2024 dispondo sobre o ITCMD incidente sobre fatos geradores com elemento de conexão com o exterior, as novas cobranças somente poderiam ser realizadas a partir de 01/01/2025.

Isso se deve ao fato de que, pela jurisprudência majoritária, a constitucionalidade superveniente não é aceita no Brasil, dado que, em regra, uma norma que nasce inconstitucional não pode adquirir constitucionalidade posteriormente de forma automática.

Além disso, em caso de tratar-se de instituição de tributo, deveriam ser observados os princípios da anterioridade. De toda forma, não excluímos a possibilidade de haver entendimentos divergentes, dado que o STF já flexibilizou tal assunto ao analisar o ICMS na importação de bens por não contribuinte em sede do Tema de Repercussão Geral 1.094.

Vale dizer que casos de Estados em que não foi ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade podem ser mais questionáveis, de forma a serem intentadas cobranças antes da edição de nova lei estadual para prever a incidência sobre fatos geradores com elemento de conexão com o exterior.

De toda forma, ressaltamos que o disposto aqui é uma análise meramente para fins educacionais e não caracteriza opinião legal. Pode haver risco de judicialização do tema, sendo importante a consulta a assessores externos para análise do caso concreto.

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