Entenda os efeitos da MP que taxa fundos exclusivos e o PL das offshores
Alíquota de IR sobre fundos dos ‘super-ricos’ varia de 15% a 20%. No caso das offshores, tributação vai de 0% a 22,5%
O governo editou nesta segunda-feira (28/8) uma medida provisória que prevê a aplicação de alíquotas de 15% a 20% de Imposto de Renda sobre os rendimentos dos fundos exclusivos, conhecidos como fundos fechados ou dos “super-ricos”.
Além disso, o governo enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei para tributar o capital de residentes brasileiros aplicado em paraísos fiscais (offshores e trusts) com alíquotas progressivas que vão de 0% a 22,5%.
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A MP 1.184/2023 foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na mesma cerimônia em que sancionou a nova política de reajustes do salário mínimo e a nova faixa de isenção do Imposto de Renda, que passou para R$ 2.112, com desconto automático de R$ 528 para quem recebe até dois salários mínimos (R$ 2.640) seja incluído no grupo isento.
Modelo atual e mudanças
No modelo atual, os fundos exclusivos são tributados pelo Imposto de Renda apenas no resgate da cota. Agora, a cobrança será realizada duas vezes por ano, no chamado come-cotas. Por meio de nota, o Ministério da Fazenda explicou que, como regra, esses fundos serão tributados a uma alíquota de 15%.
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A exceção é para os fundos de curto prazo (de 180 a 360 dias), que terão alíquota de 20%. Quem optar por antecipar o recolhimento do tributo para 2023 será tributado a uma alíquota de 10%.
O Ministério da Fazenda informou que se, antes da tributação periódica, houver amortização, resgate ou alienação (venda) de cotas, ou distribuição de rendimentos, haverá incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
Neste caso, informou o órgão, será aplicada uma alíquota complementar até que sejam atingidas aquelas estabelecidas na legislação para investimentos financeiros, que variam de 22,5% a 15% de acordo com o prazo da aplicação.
Quando a mudança de fundos passa a valer?
As novas regras produzem efeitos a partir de 2024. A exceção é para os contribuintes que optarem por antecipar para 2023 o recolhimento do tributo, pagando alíquota de 10%.
Neste caso, as mudanças produzem efeitos imediatamente.
O efeito também é imediato em outros dois casos: para dispositivos que afastam a observância das datas da tributação periódica (último dia útil de maio e novembro), em caso de fundos que já previam em seu regulamento a sua extinção ou liquidação até 30/11/24, e para dispositivos que afastam o IRRF na fusão, cisão incorporação ou transformação ocorrida até 31/12/23 em hipóteses específicas.
O secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, comentou o tema no evento de abertura do Fórum Internacional Tributário (FIT), promovido pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e pelo Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional).
Appy defendeu que o que existe hoje é uma situação em que os fundos fechados têm diferimento da tributação até o momento da amortização das cotas, enquanto os fundos abertos estão sujeitos a tributação duas vezes ao ano, no regime de come-cotas.
“Não há razão pela qual um fundo de pessoa de alta renda tem um benefício que um fundo de baixa renda não tem. A ideia é ter tratamento isonômico entre fundos fechados exclusivos e abertos, e isso está sendo feito nessa MP”, afirmou.
Arrecadação de R$ 24 bilhões
Os fundos exclusivos possuem um único cotista. É preciso investir no mínimo R$ 10 milhões e o custo para a manutenção da aplicação é de R$ 150 mil por ano. Segundo o governo federal, há 2,5 mil brasileiros com recursos aplicados nesses fundos. O estoque é de R$ 756,8 bilhões em aplicações, o que representa 12,3% dos fundos no Brasil.
Apenas com os fundos exclusivos, segundo o Palácio do Planalto, a previsão do governo é arrecadar R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026. O Ministério da Fazenda detalhou os números: a estimativa é de arrecadação de R$ 3,21 bilhões em 2023; R$ 13,28 bilhões em 2024; R$ 3,51 bilhões em 2025; e R$ 3,86 bilhões em 2026.
Para o advogado Diogo de Andrade Figueiredo, sócio do escritório Schneider, Pugliese, as alterações anunciadas pelo governo vão na direção de impedir o diferimento, ou seja, o adiamento da tributação sobre a renda das aplicações.
Do ponto de vista econômico, explica, é como se o governo emprestasse recursos (no caso, o tributo ainda não pago) a juro zero aos contribuintes. A seu ver, tributar os fundos exclusivos é uma evolução, na medida em que aproxima as suas regras das dos fundos abertos.
No entanto, Fiqueiredo critica o fato de a MP tributar pela nova regra o estoque de lucros, ou seja, o lucro acumulado até agora nesses fundos.
“A tributação dos fundos fechados pode ser uma alternativa para o governo ampliar a arrecadação, mas as regras elaboradas pelo governo deveriam ter respeitado o estoque de rendimento auferido até este ano, o qual deveria permanecer sem qualquer tipo de tributação enquanto não distribuído”, diz.
Offshores e trusts
No caso do PL das Offshores e Trusts, o governo propôs uma tributação anual dos rendimentos de capital aplicado no exterior com alíquotas que variam de 0% a 22,5%. No modelo atual, esse capital é tributado apenas quando é resgatado e remetido ao Brasil.
Em 30 de abril, o governo publicou a MP 1.171/2023, com a mesma variação proposta agora para as alíquotas. No entanto, após um acerto com o presidente da Câmara, Arthur Lira, o governo decidiu encaminhar um projeto de lei para substituir a medida provisória.
Por meio das trusts, o dono do patrimônio repassa os seus bens para uma terceira pessoa administrar, reduzindo o pagamento de tributos e facilitando o planejamento sucessório.
A MP prevê a possibilidade de o contribuinte atualizar o valor de seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023 e tributar o ganho de capital pela alíquota de 10%, em lugar dos 15% previstos na legislação vigente.
Análise do especialista
Para Figueiredo, do escritório Schneider, Pugliese, a tributação das offshores é importante, entre outros motivos, porque o Brasil já possuía regras de tributação anual e automática de tributação de controladas estrangeiras de pessoas jurídicas, mas não de pessoas físicas.
A seu ver, porém, as alterações abrem espaço para judicialização. Isso porque, no Brasil, a renda das pessoas físicas é tributada considerando o regime de caixa, isto é, do efetivo recebimento de recursos. Com a regra proposta, de tributação anual dos rendimentos, o governo passa a tributar um valor que ainda não é um efetivo recebimento, ou seja, a que o contribuinte ainda não tem acesso. “A questão é saber se essa alteração ofende o regime de caixa aplicado às pessoas físicas. Esse tema exige debate e pode ser alvo de judicialização”, afirma o advogado.
Cristiane Bonfanti, editora-assistente de Tributos do JOTA em Brasília e Gabriel Shinohara, repórter na cobertura do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em Brasília.