Chegamos a um ‘turning point’ na economia? – Parte 2
Ainda é cedo para mudarmos taticamente as carteiras de investimentos. Entenda por quê
No post da semana passada, escrevi acerca das minhas dúvidas quanto ao momento de investimentos nos EUA atualmente. De forma muito resumida: após os eventos de turbulência no mercado bancário, vimos as expectativas de juros (medidas pelas curvas de juros americanas) apontarem para menores aumentos olhando à frente, e isso repercutiu em um bom momento para ativos de risco no curto prazo.
O rendimento (yield) do título de 2 anos do governo americano saiu dos 5,08% (atingidos em 8 de março) para 3,79% (no fechamento de 5 abril). Já os juros de 10 anos encerraram em 3,31%, após terem atingido 4,09% na máxima do início de março. E isso repercutiu nos índices de ações, com o S&P 500 acumulando alta de mais de 6% desde 13 de março.
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Teríamos chegado a um momento de inflexão na alocação de ativos?
Ora, se a economia desacelera, a inflação cede e os juros caem, parece lógico então que chegamos naquele momento em que passa a ser interessante correr o risco de bolsa?
Você pode pular para a conclusão, mas antes deixe-me adicionar alguns ‘updates’ dessa última semana acerca dessa questão macro.
Novos sinais
Além dos sinais que comentei na semana passada acerca de uma economia que desacelera e pode assim “aceitar” juros menores em algum momento, tivemos dados do mercado de trabalho que vieram aquém do esperado pelo mercado. Por exemplo, houve a criação de postos de trabalho no setor privado (ADP) e a geração de novas ofertas de emprego (JOLTs), mas em ambos os casos os dados mostraram a desaceleração do mercado de trabaho.
Os dados de março para a geração de novas vagas de trabalho, medidos pelo Payroll, apontaram para uma desaceleração na criação de vagas nos EUA, diante das 311 mil vagas abertas em fevereiro e das 504 mil novas vagas de janeiro. Algo normal e esperado, haja visto todos os anúncios de demissões que temos assistido recentemente.
Não sabemos ainda se haverá ou não recessão, mas é normal que em momentos de recessão a taxa de desemprego suba.
Outro sinal foi dado pelo PMI (Purchasing Managers Index) abaixo do esperado, também divulgado nessa semana que passou. O PMI é um indicador importante que mede a atividade da economia e mostrou o menor nível de atividade na indústria em 3 anos.
O PMI pode ser “quebrado” em diferentes subíndices. Um deles se refere aos pedidos (backlog) que existem hoje nas fábricas e a sua relação com a inflação esperada. Ou seja, PMI fraco e baixos pedidos nas fábricas apontam para menos inflação à frente.
Em suma, mais indicadores que caíram como música para o coro da percepção nos EUA de redução ou menores taxas de juros à frente.
Meu problema
Ora, se a economia desacelera, a inflação cede e os juros caem, parece lógico então que chegamos naquele momento em que passa a ser interessante correr o risco de bolsa?
Essa é uma boa pergunta, a qual tenho me feito nos últimos dias. Mas meu problema ou receio em afirmar que chegamos a um ‘turning point‘ se devem a três pontos:
- As quedas de lucros máximos que aconteceram em recessões foram significativamente maiores do que os observados até agora. Em outras palavras, haveria mais espaço para quedas de lucros pelas empresas.
- Se considerarmos as expectativas de lucro por ação (EPS, na sigla em inglês) das empresas do S&P 500, mais uma vez, veremos que recessões causaram quedas maiores de lucros do que as que hoje são estimadas.
- O nível de “surpresa” das receitas de empresas de crescimento (growth), em sua maioria do segmento tech, guarda relação com o nível de ISM (também conhecido como PMI, um indicador que mede a atividade econômica). Dado que o ISM tem mostrado desaceleração e considerando que essa relação vista no passado permanece, haveria espaço para “surpresas” não muito agradáveis nas receitas das empresas nos próximos resultados.
Os ciclos e a história se repetem?
Quando olhamos os dados históricos sobre os momentos de recessão na economia americana, notamos que os pontos de inflexão do S&P 500 em outros momentos de crise se deu normalmente durante recessões, não antes delas, e também em momentos de elevado desemprego.
Não obstante, ao analisarmos as altas recentes da bolsa americana, vemos uma certa concentração nas 3 principais empresas do índice S&P 500. Entendo esta concentração como algo que nos conta sobre a economia como um todo. Diria que vejo como menos saudável uma alta concentrada apenas em poucas empresas.
É hora de mudar a carteira?
Como sempre, posso estar errado em minhas análises e percepções, as quais divido aqui com vocês. Mas, por ora, penso que ainda é cedo para mudarmos taticamente as carteiras de investimentos. Não me entendam mal, a economia americana vai bem. Desacelera, é verdade, algo normal. No entanto, penso que os preços das ações não estão refletindo tão bem essa perspectiva de desaceleração. Entendo que o movimento atual, decorrente dos juros, foi forte, mas carece de embasamento no cenário fundamental, e entendo que ainda pode ser cedo demais para especular sobre a queda de juros nos EUA.