Taxa Selic: BC está muito perto de terminar o ciclo, afirma Itaú Asset
Para Thomas Wu, Copom pode optar pela convergência da inflação em prazo maior, mas terá de manter taxas altas por mais tempo
É válida uma estratégia do Banco Central que priorize manter a Selic em um nível ao redor de 13% por mais tempo em vez de levar a taxa básica de juros para patamares ainda mais restritivos. O economista-chefe da Itaú Asset Management, Thomas Wu, defende que o processo de convergência da inflação para a meta “seja uma maratona, e não uma corrida de cem metros”, dados os juros nos níveis atuais.
Alinhado ao mercado, Wu projeta uma alta de 1 ponto na Selic na decisão de hoje do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC e mais 0,5 ponto em junho, o que deixaria a taxa em 13,25% no fim do ciclo. “Talvez possa subir em agosto, mas não é 0,5 ponto a mais que mudará a totalidade da estratégia dele. O BC está muito perto de parar”, afirma o economista, que já passou pela Verde Asset e foi professor na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.
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Em entrevista ao Valor, sua primeira desde que chegou à Itaú Asset, em janeiro, Wu aponta que subir os juros a um nível muito mais restritivo pode não ser vantajoso para fazer a inflação convergir à meta em 2023 se isso anular a noção mais geral de bem-estar que ela, em última instância, deve representar. “O que ele [BC] precisa deixar bem claro é que só vai cortar os juros quando a inflação começar a cair”, diz Wu, embora reconheça que a escolha “pela consistência” tem desafios.
O BC começou a dar indicações, em março, de que deseja encerrar o ciclo de alta de juros. Como o senhor tem visto essa estratégia?
Qualquer problema tem três variáveis: seu tamanho; a dose do remédio; e o tempo de duração do tratamento. O juro já está restritivo, a nossa taxa neutra não é de dois dígitos, embora exista uma imprecisão de como estimar o juro real neutro. Se olharmos a taxa de juros nominal de 360 dias e subtrairmos a expectativa de inflação do Focus de 12 meses à frente e a taxa neutra que o BC estima, chegamos mais ou menos a um aperto semelhante ao que foi feito em 2015 e 2016. Qual o tamanho do problema? A cada mês nós descobrimos que a distância entre a inflação e a meta é maior. O BC, então, poderia manter o horizonte relevante fixo e, se descobrir que o problema é maior, aumentar a dose do remédio e ir para [uma Selic de] 14%, 15%, 16%. Mas, como Banco Central, ele também tem o direito de fazer outra coisa. Se desconfiar de que a dose do remédio começa a ter mais efeitos colaterais, ele pode pensar que ela já está no tamanho ideal e pode esticar o horizonte. Ele vai chegar lá, mas vai demorar mais.
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O BC está próximo, então, de encerrar o ciclo?
Como estratégia, o BC está muito perto de terminar. Ele pode dar 1 ponto na próxima e, talvez, 0,5 ponto em junho. Talvez possa subir em agosto, mas não é 0,5 ponto a mais que mudará a totalidade da estratégia dele. Na estimativa dos modelos dele, a taxa de juros já está em território restritivo. O que ele precisa deixar bem claro é que só vai cortar os juros quando a inflação começar a cair. É uma estratégia pela consistência, que não joga a dose do remédio lá no alto. Grosso modo, acho válida, embora tenha seus desafios. Nada é fácil.
Quais são esses desafios?
Parar de subir os juros enquanto a inflação subjacente continua em alta. A comunicação tem que ser muito bem feita e é preciso falar que está parando [de subir a Selic], mas não porque está abandonando. O risco dessa estratégia é algumas pessoas interpretarem que ele não está fazendo o que precisa e as expectativas desancorarem um pouco mais.
As expectativas de inflação para 2023 já estão bastante afastadas do centro da meta.
Nós trabalhamos com uma inflação acima da meta no ano que vem. Temos 8,1% neste ano e 4,6% em 2023. Isso quer dizer que achamos que o BC não vai fazer o seu trabalho? Não, longe disso. O problema de inflação é global. A inflação está alta e acelerando no mundo inteiro, e o Brasil é um dos poucos países onde o juro, hoje, está em território restritivo. Eu não tenho inflação [projetada] na meta no ano que vem porque não acho que é necessário jogar essa taxa de juro em um nível que a convergência aconteça em 2023. Nas minhas estimativas, a taxa necessária para isso traria mais malefícios do que benefícios. Você ancoraria a inflação, levaria para a meta, mas a meta, em um contexto geral, indica um crescimento mais sustentável de longo prazo. Se você leva isso ao pé da letra e eleva os juros para levar a inflação à meta no ano que vem, talvez esse conceito mais geral de crescimento sustentável comece a ficar mais para trás.
Grandes bancos centrais também começam a apertar suas políticas. Isso não ajuda a conter um pouco a inflação global?
Todos os bancos centrais, exceto o do Japão, estão dizendo que vão começar a fazer algum tipo de aperto monetário, cada um em um ‘timing’ diferente do seu ciclo. Uma recessão vem? Eu acho que ela vem da mesma forma que a gente tem certeza de que o inverno vem. Não quer dizer que eu estou superpessimista, mas você não combate a inflação sem segurar a demanda agregada. No momento, o problema maior é que essa inflação ainda está acelerando. Grande parte tem a ver, sim, com uma demanda muito forte nos Estados Unidos.
Qual a projeção da gestora para os juros americanos?
Essa taxa [de juros] terminal ao redor de 3% que apareceu no gráfico de pontos da última reunião do Fomc [Comitê Federal de Mercado Aberto] me parece baixa. Para uma taxa de terminal estar em território restritivo nos EUA, o risco é ela ser acima de 4%.
E aqui no Brasil, o sr. vê indícios de inflação de demanda?
Estamos com uma difusão muito elevada, o número de produtos rodando a uma taxa alta é grande, vai além de alimentos. Quando você vê algo desse tipo, imagina que tem um componente comum de demanda. O juro está restritivo, a inadimplência de pessoa física está subindo, mas o consumo está forte e acho que vai demorar para desinflacionar. Sobre o mercado de trabalho, não está uma maravilha, mas está resiliente, não está enfraquecendo.
É o efeito dessa política monetária à frente que justifica a projeção da Itaú Asset para o PIB passar de 0,8% em 2022 para 0,2% em 2023?
Sim, com uma grande incerteza ao redor, mas a gente acha que esses efeitos serão maiores em 2023. Vai ser um ano difícil, porque já vamos sentir o aperto de juros com mais força na atividade, só que eu não sei se a inflação subjacente já vai estar dando sinais claros de que está sendo encaminhada para a meta. Temos 9,25% [de Selic no fim de 2023], mas com viés de alta.
O câmbio voltou a ficar bastante volátil nos últimos dias. Com qual perspectiva trabalham?
Olhando a estratégia do BC, de um ciclo de aperto que começou em março do ano passado, para fazer uma ancoragem de inflação ali por 2024, a importância do câmbio no modelo não é, necessariamente, de rodar na data de corte do Copom e ver quanto deu. O Fed [Federal Reserve] começou a ficar mais agressivo em relação à subida de juros a partir de [de 2021] e, em geral, quando um banco central tão importante como o americano fica mais agressivo, ativos considerados mais arriscados perdem valor. O câmbio acaba sofrendo, mas não foi o que aconteceu até pouquíssimo tempo atrás. Foi uma surpresa, mas, agora, a gente consegue entender que uma das alterações mais relevantes deste ano, depois que todas essas questões cíclicas passarem, é que o mundo mudou estruturalmente no começo de 2022 com o conflito [na Ucrânia]. Tirando toda a questão trágica, focamos para entender o que muda mesmo com o fim da guerra e percebemos que a relevância do Brasil e dos ativos brasileiros nos portfólios mundiais aumentou. Estruturalmente, acho que o Brasil vai receber mais fluxo ao longo dos próximos anos em média. Lógico, tem muita coisa acontecendo agora, como o “lockdown” na China, o Fed subindo juros, o conflito… Olhando para o fim deste ano, tínhamos, até a semana retrasada, mais confiança de que seria uma trajetória de apreciação [do real ante o dólar]. Agora, estamos discutindo quatro subida de 50 [pontos-base nos juros americanos], está começando a ficar um pouco mais tenso, então, existe o risco de esse ano ser ruim, em um contexto estrutural em que a importância do Brasil aumentou.