Bancos vão cortar crédito a frigorífico ligado a desmate

As medidas deixam de lado, por ora, os pecuaristas - peça relevante para coibir a chamada 'lavagem de gado'

Foto: Ernesto de Souza/Editora Globo
Foto: Ernesto de Souza/Editora Globo

Em um movimento inédito, os bancos brasileiros querem criar uma regra para controlar o risco de desmatamento da Floresta Amazônica pela cadeia de carne bovina. As medidas em discussão na Federação Brasileira de Bancos (Febraban) miram apenas nos frigoríficos e ignoram os pecuaristas, atores também relevantes para coibir a “lavagem de gado”.

O Valor teve acesso à minuta de uma normativa que está em debate na Febraban. O documento, que ainda precisa passar por algumas instâncias para se tornar uma medida de autorregulação, lista as regras que os frigoríficos terão que cumprir para acessar crédito no sistema bancário. Se a medida de fato sair do papel, a indústria de carne será a primeira a ter uma regulação dos bancos voltada à Amazônia.

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A principal meta foi estipulada para dezembro de 2025. Se quiserem obter crédito nos bancos depois disso, os frigoríficos terão de garantir que não compram gado — direta ou indiretamente — de áreas de desmatamento ilegal. Hoje, o fornecedor indireto (aquele que vende bezerros ou boi magro) é o principal gargalo para o monitoramento do gado na Amazônia.

Procurada pela reportagem, a federação confirmou as discussões sobre o assunto. A intenção é que a normativa seja aprovada ainda em 2022. Nesta quinta-feira, o comitê de ESG da Febraban se reúne e vai discutir a normativa. Para entrar em vigor, o documento terá de passar também pelo comitê e conselho de autorregulação, o que ainda pode provocar alterações no texto, disse ao Valor o diretor de sustentabilidade da Febraban, Amaury Oliva.

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Por enquanto, apenas os bancos estão envolvidos nas discussões da norma, mas atores da pecuária ainda poderão ser consultados na fase final. “A ideia é ter primeiro pactuado entre os bancos para depois ter o diálogo”, argumentou o diretor.

Criadores fora da discussão

O texto em discussão, no entanto, já despertou algumas críticas. À reportagem, uma fonte que acompanha o caso disse que as regras só vão estipular medidas que os principais frigoríficos já adotam ou estão no caminho para cumprir. A ausência dos criadores de gado do debate impede uma discussão sobre o acesso ao sistema bancário que pecuaristas que operam em área desmatada ainda têm.

“Como o banco garante que não abre conta para o desmatador?”, indagou uma fonte, acrescentando que a regra deveria ir muito além do crédito, passando pela relação dos bancos com esses clientes. “O desmatador deveria ser marginalizado do sistema bancário”, sugeriu a mesma fonte.

Questionado sobre a ausência de regras para pecuaristas na normativa, Oliva disse que os frigoríficos foram escolhidos como os primeiros porque formam um elo mais organizado da cadeia e já contam com alguns protocolos em direção ao controle do desmatamento ilegal na Amazônia. “É um setor de relativa concentração e os grandes frigoríficos já têm protocolo”, disse.

Ele também destacou que o Banco Central conta, desde o ano passado, com a Resolução 140, que impede a concessão de crédito rural a empreendimentos que estejam em áreas de conservação, não tenham o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou estejam em áreas embargadas pelo Ibama. A própria Febraban já contava com a restrição de crédito nesse sentido desde 2014, independentemente do bioma, disse Oliva.

Compromissos e metas

Na prática, as metas da normativa são as mesmas das duas maiores indústrias de carne. Maior frigorífico do país, a JBS assumiu o compromisso de, a partir de 2025, só comprar gado dos pecuaristas que estiverem cadastrados na Plataforma Pecuária. A tecnologia, em blockchain, determina a abertura dos fornecedores indiretos de cada pecuarista. A Marfrig também colocou em 2025 o prazo para monitorar 100% dos indiretos no bioma amazônico.

Terceira maior indústria de carne bovina do país, a Minerva conta com prazo mais dilatado, até 2030, para monitorar 100% dos indiretos, mas vem trabalhando em parceria com a Visipec para já acompanhar os indiretos e realiza testes com a uma tecnologia da National Wildlife Federation (NWF). De acordo com a empresa, os resultados desses testes mostram um índice de conformidade de 99,7% — a amostra continha 2,8 mil fornecedores indiretos e 1,7 mil diretos.

Se os grandes frigoríficos listados em bolsa já trabalhavam nesse sentido antes da Febraban, também é fato que a normativa pode acelerar a transformação dos médios frigoríficos. Numa atividade intensa em capital de giro, o acesso a crédito é vital para a existência do negócio.

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