Milei conseguirá acabar com o BC na Argentina? O que acontece depois?

Para levar seu plano a cabo, presidente eleito terá que zerar um enorme déficit público, obter um grande apoio político no Congresso e atrair dezenas de bilhões de dólares

O presidente da Argentina, Javier Milei, fala com apoiadores após vencer o segundo turno das eleições. Foto: Natacha Pisarenko/Associated Press/Estadão Conteúdo
O presidente da Argentina, Javier Milei, fala com apoiadores após vencer o segundo turno das eleições. Foto: Natacha Pisarenko/Associated Press/Estadão Conteúdo

Até a eleição de Javier Milei, no último domingo, a extinção do Banco Central da Argentina não era um assunto levado muito a sério fora do país.

Com o economista ultraliberal se apressando a reafirmar sua promessa de campanha após o pleito, o fato deixou de ser visto apenas como um blefe eleitoral para virar uma fonte de curiosidade.

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Mas, afinal, por que Milei quer por fim à autoridade monetária local? Para economistas, a proposta tem a ver com a responsabilidade mais conhecida de um banco central. Isto é, a de emitir e controlar a circulação de moeda, para garantir estabilidade econômica.

É justamente isso o que o órgão não tem conseguido fazer, já que o país enfrenta um prolongado histórico de hiperinflação e crises econômicas.

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“A reputação do BC na Argentina foi destruída, com os governos peronistas desistindo do sistema de metas de inflação”, afirmou o economista-chefe do BV, Roberto Padovani.

Em vez disso, ponderou Padovani, o órgão tem sido usado para emitir moeda para financiar gasto público. Isso, então, acaba por retroalimentar a inflação, em vez de controlá-la.

“A visão do Milei é de que esse BC e nada é a mesma coisa, então não vale a pena ter”, acrescentou o economista.

Complementa a proposta do presidente eleito a substituição da moeda argentina, o peso, pelo dólar dos Estados Unidos. Hoje um dólar vale quase 1.000 pesos no câmbio paralelo.

Assim, não haverá mais um órgão decidindo a cada 45 dias sobre o que acontece com os juros, como ocorre atualmente no Brasil.

Em vez disso, a Argentina ficaria dependente da política monetária do Federal Reserve, ou Fed, a autoridade monetária dos EUA.

Milei promete que a Argentina teria um inflação similar à de países desenvolvidos a partir de 2025.

Música para os ouvidos num país em que, só nos nos últimos 12 meses até outubro, a inflação atingiu 142,7%. O dado é do órgão de estatísticas local, Indec.

Sem BC nem moeda

Embora surpreendente, a possível guinada do Banco Central da Argentina não seria um caso isolado.

De acordo com o órgão independente de dados World Population Review, ao menos 10 nações também não dispõem de uma autoridade monetária.

O grupo inclui Andorra, Kiribati, Ilhas Marshall, Mônaco, entre outros.

Adicionalmente, há nações como Panamá, Equador e Zimbábue que têm BC próprio, mas usam o dólar como moeda de reserva.

Vai conseguir?

Mas nenhum dos anteriores têm dimensões como as da Argentina, que apesar da prolongada crise econômica das últimas décadas, é membro do G20, grupo das maiores economias do mundo.

E os problemas são vários e proporcionais ao tamanho do país.

O primeiro deles é a base política, vital para Milei levar seu plano adiante.

Mas seu partido, o LLA, terá 38 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados, além 8 de 72 assentos no Senado no Congresso que assume em dezembro.

Outro entrave é o elevado gasto público. Hoje, o governo argentino se vale da inflação para custear seu elevado gasto público.

Se não mais tiver um BC que emite moeda, esse recurso desaparece. Em termos práticos, o governo não poderá mais ter déficit público.

Por isso, Milei também prometeu tirar as contas públicas do vermelho, o que significará cortar gastos da ordem de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) argentino, ou US$ 90 bilhões.

Uma quantia tão grande de recursos fora da economia representaria um enorme baque para o país, segundo economistas.

“O país teria uma recessão violenta”, disse Padovani.

Num relatório emitido nesta semana, a agência de classificação de risco S&P também elencou desafios como o fato de o país praticamente não ter reservas líquidas em dólares, nem acesso aos mercados internacionais.

Pelos cálculos do economista Roberto Luis Troster, para o presidente eleito conseguir executar seu plano com sucesso, precisaria atrair para o país cerca de US$ 50 bilhões.

Um possível caminho seria uma forte retomada da economia global, junto com a melhora das condições climáticas, que permitisse ao país, grande produtor de commodities agrícolas, atrair mais recursos por meio das exportações.

Se der certo o fim do Banco Central da Argentina….

Embora ainda não pareça factível num cenário breve, a ideia de mundo sem BC de Milei pode ter impactos positivos, inclusive para o Brasil, se for bem sucedida, dizem os economistas.

“Não é uma ideia tão louca”, disse Troster. “Mas precisa ter superávit fiscal e isso no momento parece apenas um sonho”.

Segundo ele, com a economia estabilizada, a Argentina poderia ser uma boa notícia inclusive para o Brasil, já que mais empresas se animariam a retomar negócios com o país vizinho.

Com a derrocada econômica, a Argentina, outrora a maior parceira comercial do país, também vem ficando para trás nos fluxos de comércio.

Segundo o Siscomex, órgão do Ministério da Indústria e Comércio Exterior, a fatia argentina nas exportações brasileiras caiu de 8% para 4,6% na última década.

No mesmo período, a participação do país vizinho nas importações do Brasil diminuiu de 7,3% para 4,8%.

Enquanto isso, a presença da China nas exportações subiu 10 pontos, para 27%, enquanto a das importações subiu de 15% para 22%.

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