Diferença entre juro curto e longo cresce após Copom
Comportamento do mercado de juros se mantém no foco das atenções dos investidores, em especial pela inclinação negativa na curva de juros
Desde que se tornou mais claro, em outubro, que a política monetária partiria rumo a um terreno muito contracionista, o comportamento do mercado de juros se mantém no foco das atenções dos investidores e analistas de mercado, em especial pela inclinação negativa na curva de juros – ou seja, as taxas de curto prazo estão em níveis mais altos do que as de longo prazo, o que não é usual. Essa distância tem aumentado e, após a decisão do Copom do Banco Central na semana passada, a inversão da curva de juros se mostrou ainda mais profunda.
“Em períodos com muitos riscos, em especial os de natureza fiscal, e aumento de incerteza, a curva tende a ficar mais positivamente inclinada [com uma diferença maior entre os juros longos e os mais curtos]”, observa o chefe de renda fixa da Santander Asset Management, Cal Constantino. “O que me chama atenção neste momento é o mercado concentrar as suas atenções todas na política monetária.”
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Nos últimos dias, de fato, houve forte descompressão de prêmio de risco em todos vencimentos dos contratos de juros, mas em especial nas taxas longas. Se, no início de novembro, o DI para janeiro de 2027 projetava uma taxa de 12,57%, no fechamento de sexta-feira o juro estava em 10,33%.
Constantino acredita que a curva pode demorar um pouco mais para voltar a exibir uma inclinação positiva, tendo em vista, em especial, a postura “bem agressiva” do BC para conter a inflação. “O ritmo de 1,5 ponto por reunião é bastante intenso e tende a continuar. Vemos alguma melhora nos indicadores de inflação, mas eles ainda estão em patamar bastante elevado. A tendência é continuarmos a trabalhar com uma curva de juros negativamente inclinada”, avalia.
Desde a decisão do Copom, o processo de inversão da curva acentuou ainda mais e, na visão do estrategista Erick Martinez, do Barclays, as pressões de “flatening” (ou “achatamento”, uma diferença menor entre os juros longos e os curtos) da curva “podem persistir no curto prazo”. Ele lembra que, antes da reunião, o mercado havia embarcado em uma tese de que o Copom poderia ser mais suave em sua decisão diante de dados mais fracos de atividade econômica.
Nesse ambiente de curva de juros invertida, a Santander Asset, que já vinha adotando postura bem defensiva, reduziu ainda mais suas posições. “De um mês para cá, reduzimos ainda mais o nosso risco alocado. Apesar do dado de inflação mais fraco de sexta-feira, ainda é muito cedo para comemorar. Diante de tudo isso, nossa expectativa é trabalhar com risco baixo”, afirma Constantino.
Se, em novembro, a AZ Quest se favoreceu de posições que miravam uma menor diferença entre os juros longos e curtos, agora a gestora já desfez essa aposta. “Estamos observando o tema do ‘overkill’ e os impactos não só na inflação, mas também na atividade, que já está desacelerando, mesmo ainda sem sentir os efeitos da alta de juros. Parte desse ‘overkill’ já foi dado. Não acho trivial essa perspectiva de que a Selic vá para 12%. Por isso não temos mais posição em um ‘flattening’ da curva”, diz André Kitahara, gestor da AZ Quest.
Ele nota que a intensificação da inversão da curva de juros após a decisão do Copom foi um movimento “totalmente racional” diante do discurso mais duro da autoridade monetária, ao prometer mais uma alta de 1,5 ponto na Selic em fevereiro e falar que pretende ancorar as expectativas de inflação. “Isso passou a impressão de que a taxa de juros vai permanecer alta durante algum tempo e acaba promovendo um ‘flattening’ da curva”, nota Kitahara. “Vamos continuar a ter taxas de juros altas durante um período mais longo. Não só as nominais, mas também as reais.”
Dados da Renascença mostram que, após a decisão do Copom, também a curva de juros reais passou a mostrar inclinação negativa. Enquanto a taxa da NTN-B para maio de 2023 disparou de 5,07% na quarta-feira para 5,44% na sexta-feira, a taxa da NTN-B para maio de 2045 caiu de 5,17% para 5,15%.
Para Júlio Fernandes, sócio e gestor macro da XP Asset Management, o achatamento da curva de juros reais se deu diante da disparada das taxas de curto prazo, que refletiram o avanço das taxas nominais em meio à perspectiva de um Copom mais agressivo.
Ao avaliar o processo de achatamento da curva de juros, ele diz acreditar que o movimento está perto do limite. Para ele, os juros longos não têm mais um espaço significativo de queda, dado que há uma persistência das incertezas fiscais e que só haverá uma definição sobre a trajetória das contas públicas após as eleições de 2022.
“Não conseguimos imaginar as taxas longas a termo caindo muito abaixo de 10%, em um ambiente em que a Selic deve permanecer elevada e em que há indefinições fiscais e políticas.” Fernandes acredita que a aposta em um aumento de inclinação da curva só deve ganhar mais força a partir do momento em que os agentes tiverem clareza de que o período mais crítico do aperto monetário já passou.
“Chegaremos a um ponto em que, se o fiscal piorar com as incertezas que temos pela frente, a parte longa da curva vai subir. E, se a inflação surpreender para baixo, a curta vai cair mais do que a longa”, emenda o gestor. “Então, teremos um aumento de inclinação pelo bem, ou seja, pela melhora dos dados econômicos, ou pelo mal, que é a possibilidade de aumento do risco fiscal. Não vai ser agora, mas em algum momento, a curva voltará a inclinar”, diz o gestor da XP Asset.