Brasil volta ao protagonismo em Davos, prevê Trabuco

Presidente do conselho do Bradesco mostra otimismo com o país, questão fiscal, gastos sociais e política econômica do novo governo

Trabuco: “A proposta do governo é de distensão, com maior compreensão dos que pensam diferente, a convivência dos contrários; isso é democracia, né?” — Foto: Carol Carquejeiro/Valor
Trabuco: “A proposta do governo é de distensão, com maior compreensão dos que pensam diferente, a convivência dos contrários; isso é democracia, né?” — Foto: Carol Carquejeiro/Valor

O Brasil voltará ao centro de discussões importantes no Fórum Econômico Mundial em 2023, com uma agenda econômica e ambiental mais relevantes com o novo governo. “O Brasil terá um protagonismo maior este ano [nos debates]”, diz Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho de administração do Bradesco.

Para Trabuco, há um novo frescor nas relações políticas e institucionais e, principalmente, nas relações internacionais. “A gente está vendo que a proposta do governo Lula é de distensão, com maior compreensão nas pessoas que pensam diferente. A convivência dos contrários. Isso é democracia, né?”

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No passado recente, as posições antagônicas do governo anterior, sobretudo em relação às discussões ambientais e políticas internacionais tiraram o Brasil do foco das discussões globais, segundo o executivo.

Presente na posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Trabuco lamenta os atos golpistas do dia 8 de janeiro e diz que a relação entre os Três Poderes da República está se fortalecendo desde então. “O presidente Lula foi eleito, diplomado e empossado. Agora é trabalhar.”

“Os atos foram lamentáveis e devem ser repudiados e investigados, como tem sido feito. Não há defesa para o que aconteceu. A relação das instituições tem mitigado o risco de crescimento da radicalização, o que leva a uma possibilidade maior de entendimento político.”

O executivo vê um comprometimento grande do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), com a responsabilidade fiscal e acredita que o pacote anunciado na semana passada é um primeiro passo neste sentido.

Para ele, a credibilidade de Marina Silva (Rede) nas questões ambientais colocará a ministra do Meio Ambiente no centro das atenções em Davos.

A combinação da responsabilidade fiscal e social deverá ser a tônica do novo governo. “Não podemos deixar de reconhecer que o Brasil tem um déficit social grande. Um olhar para essa questão social é muito importante e deve ser prioridade. Isso faz o governo ter um planejamento de longo prazo. Não é uma questão e outra. São as duas coisas ao mesmo tempo.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Quais suas expectativas para o Brasil este ano nos debates econômicos e políticos em Davos?

Luiz Carlos Trabuco Cappi: O Brasil vai ter um protagonismo maior neste fórum. Nos últimos anos esse protagonismo foi menor. E vejo três motivos para a maior relevância do país este ano. Primeiro, pela importância econômica do Brasil. A segunda razão é pelo novo olhar em relação ao meio ambiente e, principalmente, pelas expectativas com o novo governo.

Valor: Por quê?

Trabuco: Tem um novo frescor nas relações políticas e institucionais e, principalmente, nas relações internacionais. A gente está vendo que a proposta do governo Lula é de distensão, com maior compreensão nas pessoas que pensam diferente. A convivência dos contrários. Isso é democracia, né?

Valor: Por que o Brasil ficou fora do foco nos últimos anos das discussões internacionais?

Trabuco: Digamos que houve muitas posições antagônicas com relação, sobretudo, aos princípios ambientais, sociais e de governança (ESG, em inglês), que virou uma tendência no mundo. Nós ficamos muito divergentes nessa onda em relação ao meio ambiente, nas relações internacionais. Então, essa normalização da política internacional dá condições ao Brasil de ter um melhor diálogo a partir agora.

Valor: O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou na semana passada seu primeiro pacote econômico. Qual é a sua avaliação?

Trabuco: O Brasil tem vantagens comparativas muito evidentes em relação a outras economias. Nós temos vantagens competitivas do mesmo porte. O tamanho do agronegócio sustentável e da matriz de energia limpa coloca o país em vantagem. O mercado internacional e local acompanha com muita atenção os novos passos da política econômica brasileira, e este apoio vai aumentar à medida que as propostas passem a ter consistência na âncora fiscal, por exemplo, e no bom encaminhamento da reforma tributária, que são duas peças importantes de avaliação. É lógico que a reforma tributária vai discutir com muita profundidade a questão federativa. E o que importa é que a proposta tem de ser real, crível e ter um propósito que o ministro Haddad tem colocado. Nesta semana, o Haddad reafirmou o compromisso fiscal e passou uma mensagem de confiança numa postura realista, buscando receitas extraordinárias, tendo como alvo despesas menores que o previsto e até a reoneração de determinados impostos que visa a aumentar o volume da arrecadação. É lógico que o Haddad tem um direcionador próprio de senso de urgência, que ele estabeleceu para o governo.

Valor: Com o Bernard Appy na equipe econômica, o senhor acredita que a reforma ganhe tração para ser aprovada este ano?

Trabuco: Nós temos de ter uma visão pragmática. O Bernard Appy tem trabalhado há muitos anos por uma reforma tributária que será feita no gerúndio. Ou seja, vai sendo feita. Há dificuldades concretas pelas disputas entre Estados produtores e consumidores, mas acho que a expansão da consciência da necessidade da simplificação tributária coloca a proposta do Appy entre a mais viável. Simplificando a estrutura de arrecadação, se azeita o ambiente de negócios neutralizando perdas dos entes federativos, entre Estados e municípios. Essa oportunidade não pode ser perdida. Temos de lembrar que o Congresso está com muita consciência dessa necessidade.

Valor: Especialistas ainda estão céticos em relação ao pacote econômico anunciado pelo ministro da Fazenda na semana passada…

Trabuco: Evidente que nós precisamos de ambições. Não basta ter uma meta. O movimento de estabelecer o montante [de R$ 243 bilhões, entre receitas e corte de gastos] foi muito bem aceito e merece conhecimento de que é um excelente começo.

Valor: Como o senhor vê a relação do Congresso com o Lula este ano, sobretudo depois dos atos golpistas do dia 8 de janeiro?

Trabuco: Essa uma questão muito importante porque contextualiza a política e a economia. O presidente Lula foi eleito, diplomado e empossado. Agora é trabalhar. Os atos foram lamentáveis e devem ser repudiados e investigados, como tem sido feitos. O que eu destacaria é que a relação entre os Três Poderes da República está se fortalecendo. Não há defesa sobre o que aconteceu. A relação das instituições tem mitigado o risco de crescimento da radicalização, o que leva a uma possibilidade de maior entendimento político. Esse fortalecimento do diálogo que sucedeu a esses episódios lamentáveis dá ao governo um bom trânsito com o Congresso.

Valor: O presidente Lula ficou mais fortalecido?

Trabuco: Com a ameaça à democracia, que assustou todo mundo, Lula é uma liderança que tem as condições para dar um clima de pacificação ao país.

Valor: Qual sua avaliação dos ministros indicados por Lula?

Trabuco: O novo governo é formado por ministérios amplos com capacidade de trabalho muito grande. Estive na posse do presidente e de vários ministros. Dá para se observar a firmeza de propósito e a vontade deles de fazer algo diferente dentro do processo democrático.

Valor: Como o senhor acha que deve ser o desdobramento dessas investigações, considerando a prisão do ex-ministro Anderson Torres e a inclusão do ex-presidente Jair Bolsonaro nas investigações?

Trabuco: O que aconteceu requer uma investigação e apuração e as instituições, ao meu ver, estão seguindo esse caminho.

Valor: Como o senhor avalia esse movimento de polarização e como essas discussões devem ser tratadas em Davos?

Trabuco: Depois de participar tantos anos das reuniões em Davos, sobre diferentes temas, fiquei pensando que palavras deverão ser um direcional para Davos este ano. Acho que é vencer crises. Quais crises? Nós tivemos a pandemia, estamos com a guerra na Ucrânia que desorganizou muito das cadeias alimentares do mundo e aí tivemos movimento inflacionário mundial. Temos um novo olhar da globalização, com a reorganização das cadeias produtivas. Além disso, temos agora essa desconfiança com o ambiente democrático. O mundo agora quer ser ESG, que não só serve para as empresas, mas também para os Estados. Acho que esse novo olhar nos leva a tentar vencer essas crises. Temos de sair desse quarto escuro que a gente acabou entrando por conta desses vários episódios que citei. Temos de buscar um mundo mais sustentável, inclusivo e menos inflacionário. A inflação penaliza o mundo todo e as políticas monetárias mais arrochadas podem levar à recessão global. A gente vai ter nesse ano de 2023 a construção de novos direcionadores. Não podemos perder uma década.

Valor: Como o senhor vê o cenário econômico para o Brasil?

Trabuco: O Banco Central brasileiro foi extremamente diligente, com um bom direcionamento da política monetária. Agora há um desejo generalizado no Brasil e no mundo para que as taxas de juros caiam porque é importante para a retomada econômica e dos investimentos. Temos de tomar medidas fiscais de longo prazo. Por isso, acho que trabalhar para a redução das taxas de juros é uma prioridade. Nós precisamos de uma âncora fiscal de longo prazo. É preciso dizer que os gastos fiscais foram essenciais para enfrentar a crise pós-pandemia. Agora precisamos buscar um caminho funcional mais realista para manter coeficiente fiscal sem desprezar déficits sociais que nós temos e que já estão endereçados.

Valor: Haddad ainda não deu sinais como serão os direcionamentos da ancoragem fiscal.

Trabuco: A agenda do ministério da Fazenda nos mostra esse primeiro movimento que é positivo. Acredito que a discussão fiscal está na agenda do governo. Temos de aguardar.

Valor: Como o senhor avalia que o governo possa equilibrar a agenda fiscal e social?

Trabuco: A compatibilização da responsabilidade fiscal e social é o grande desafio dos governos, do Brasil em particular. Não podemos deixar de reconhecer que o Brasil tem um déficit social grande por várias décadas. Um olhar para essa questão social é muito importante e é prioridade. Isso faz o governo ter um planejamento de longo prazo. Fortalecer a democracia, fazer essa distensão, vai criar políticas de inclusão social mais adequada. Não é uma questão e outra. São as duas coisas ao mesmo tempo. Tem de ter uma visão holística dessa questão.

Valor: E como o senhor vê as discussões sobre mudanças climáticas e meio ambiente do novo governo em Davos?

Trabuco: Ao falar da Marina, eu diria que ela tem credibilidade e cria uma expectativa de virada na política ambiental brasileira. Ela tem prestígio e coerência. Eu tenho certeza que ela será uma das estrelas de Davos. O Brasil tem, eu diria, um ovo de Colombo, que é o combate ao desmatamento, às políticas de equilíbrio ecológico. O mundo reconhece que o Brasil pode ser uma referência nessas questões. E temos tecnologia para isso. Neste tema, nós estamos ganhando e vamos ter respeitabilidade maior. Somos um player relevante nessas questões ambientais e deveremos ser referência global.

Valor: O senhor tem conversado com investidores globais?

Trabuco: Tenho conversado e eles têm uma visão positiva em razão da rápida e firme resposta das instituições em relação ao que aconteceu no dia 8 de janeiro. Na sequência disso, vai depender da capacidade [de o país] absorver impactos e expectativas de que o Brasil tenha condições de ser um país protagonista no mundo. E podemos ver isso, com essa abertura da China, que pode ser um dos motores da economia mundial. Mas os desafios são grandes.

Valor: Como Lula deve estimular a indústria?

Trabuco: Com a nomeação do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) para Indústria e Comércio, é uma boa sinalização de que o Brasil precisa se reindustrializar e rever as cadeias produtivas. E, em qualquer questão da economia, o Estado não vai conseguir resolver sozinho todos os problemas do país, assim como os mercados também não conseguem. Então, é preciso que o governo tenha um papel na solução de problemas onde o mercado não é capaz. Nesta questão, temos de ter pragmatismo e objetividade. Estado e mercados vão construir juntos possibilidades de crescimento econômico.

Valor: Há receio do mercado financeiro e de parte do empresariado de que Lula seja mais intervencionista, reeditando o governo de Dilma Rousseff. Como o senhor avalia isso?

Trabuco: Acho que o Lula é mais pragmático. O Estado mais forte que seja não consegue resolver todos os problemas do país. Os mercados também não conseguem resolver todas as contradições. É nesta combinação que se cria um ambiente de tranquilidade para se olhar para frente.

Valor: O senhor não teme um governo intervencionista?

Trabuco: Não acredito que o governo vá repetir situações que não deram resultados.

Valor: Como o Bradesco está neste contexto? Há perspectivas positivas para expansão em 2023?

Trabuco: O PIB potencial é maior que os resultados que temos apresentado. Acho que o desafio do crescimento é o que o país terá nos próximos anos. Nós do Bradesco somos otimistas com a nova fase do Brasil e temos a nossa estratégia de ser um banco brasileiro por excelência, que atua em todas as regiões do país. Estamos muito confiantes. Compramos um banco na Flórida para atender o corporate, o private, mas nosso foco é o Brasil e onde dedicamos boa parte do nosso trabalho.

Por Mônica Scaramuzzo

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