Investidor reduz fatia de renda variável da carteira. O que fazer em 2023?
Com a forte oscilação dos mercados e a taxa básica de juros da economia em 13,75% ao ano, os brasileiros diminuíram a fatia de renda variável da carteira
A debandada de dinheiro dos fundos de ações e multimercados continuou em 2022. Com a forte oscilação dos mercados e a taxa básica de juros da economia em 13,75% ao ano, os brasileiros diminuíram a fatia de renda variável da carteira e aumentaram a de renda fixa, com o combo de segurança e bom rendimento. A expectativa de boa parte do mercado é que a fuga dos ativos de maior risco siga em 2023, mas alguns afirmam que ela pode diminuir.
Os fundos de investimentos acumularam resgate líquido de R$ 25,7 bilhões em 2022, até novembro, conforme a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Receba no seu e-mail a Calculadora de Aposentadoria 1-3-6-9® e descubra quanto você precisa juntar para se aposentar sem depender do INSS
As categorias de multimercados, ações e ETFs (fundos negociados em bolsa que acompanham um índice) registraram retirada líquida de R$ 83,7 bilhões, R$ 66,1 bilhões e R$ 1,1 bilhão neste ano, nessa ordem. Já a classe de renda fixa teve aportes líquidos de R$ 74,5 bilhões no mesmo período.
Oscilação dos mercados
Nem o bom desempenho dos fundos multimercados, ao contrário do que entregaram os fundos de ações, foi suficiente para manter os investidores. A debandada continuou porque as pessoas seguiram assustadas com a alta oscilação que os mercados enfrentaram ao longo do ano.
Uma das causas mais importantes de volatilidade nos mercados foi a desconfiança de o governo gastar além do que pode, o que diminui a credibilidade do Brasil para investimentos e aumenta a chance da taxa básica de juros da economia demorar mais para cair ou até subir.
Tanto Jair Bolsonaro quanto Luiz Inácio Lula da Silva colocaram em xeque o teto de gastos e, após a eleição, Lula passou mensagens negativas, na análise do mercado financeiro, que aumentaram a percepção de risco fiscal.
Ritmo de baixa da Selic
“O Banco Central já alcançou o nível de taxa de juros que acha necessário para frear a inflação. Agora, o que deve determinar o ritmo de baixa da Selic é o que o governo de Lula vai fazer para arrefecer a desconfiança em relação ao equilíbrio das contas públicas”, afirma Pedro Rudge, vice-presidente da Anbima e sócio-fundador da gestora de fundos Leblon Equities.
Na análise dele, boa parte da migração das categorias de ações e multimercados para a renda fixa já aconteceu e ela deve diminuir de ritmo, à medida que o governo eleito botar em prática os seus planos. Contudo, em sua avaliação, esse movimento só deve ser revertido de fato quando estiver claro para os investidores quando a Selic começará a cair.
“Ainda estamos no meio da tempestade, com um componente emocional causado pela incerteza muito relevante impactando as expectativas. Nesses períodos de aversão a risco maior, o mercado se distancia da racionalidade”, afirma.
No exterior: recessões econômicas
Outro motivo importante de oscilação nos mercados que contribuiu para a fuga nas classes de ações e multimercados foi a mudança nas mensagens passadas pelos bancos centrais das grandes economias, que entenderam tardiamente que era necessário aumentar juros para combater a inflação. Agora, a expectativa é que essas elevações causem recessões econômicas nesses países, o que pode impactar as ações brasileiras.
O ambiente externo ainda contou com a guerra na Ucrânia, gerando ainda mais pressão sobre a inflação, e a política de covid-zero na China, impactando a cadeia de suprimentos e o crescimento da segunda maior economia do mundo.
“Foi um ano bem mais difícil do que esperávamos. Diferente do que imaginávamos, não houve arrefecimento da inflação e estabilização das taxas de juros no mundo, que poderiam ajudar o fluxo negativo dos fundos multimercados e de ações desacelerar”, afirma Marc Forster, presidente da Western Asset. “Pelo contrário, houve fatores novos que colaboraram para esse movimento”, diz.
Taxa de juro real
Ele acha que a migração entre os fundos ainda vai demorar para ser revertida. “É difícil esperar que haja uma reversão muito forte desse movimento em 2023”, afirma. “A taxa de juros continuará alta, especialmente a real, que desconta a inflação, e os brasileiros seguirão com bastante motivo para direcionar grande parte dos investimentos para a renda fixa. Está muito fácil não correr risco”, diz.
Alexandre Costa, analista de investimentos da Empiricus, concorda. “Enquanto o juro real continuar em dois dígitos, o ambiente continuará impossível para os ativos de risco. Esperamos um ano bem difícil para os investimentos de renda variável em geral, por causa da Selic, que deve continuar alta por mais tempo”, afirma.
Apesar de acumularem aporte líquido em 2022, até os fundos de renda fixa registraram resgate líquido durante três meses consecutivos, em setembro, outubro e novembro. Com a expectativa de que a Selic não deve cair tão cedo, o dinheiro foi para títulos de renda fixa pós-fixados (que acompanham o rendimento da Selic ou da inflação), alguns isentos de Imposto de Renda, conforme especialistas. As pessoas e as empresas ainda usaram o recurso para pagar despesas e dívidas, com o crédito mais caro.
“Às vezes o brasileiro tenta ser um investidor de longo prazo, mas é obrigado a resgatar porque tem despesas não planejadas para pagar. A imprevisibilidade da economia do Brasil e da vida dos brasileiros, somada à falta de planejamento financeiro, faz com que os investidores precisem ser excessivamente conservadores e dar passos atrás”, afirma Rodrigo Sgavioli, chefe de alocação e fundos da XP.
Ele é mais otimista em relação aos aportes na categoria de ações em 2023, porque acredita que a bolsa brasileira chamará a atenção em comparação às bolsas estrangeiras, que sofrerão mais com as recessões em seus países.
O que dizem os gestores
“Acho que os fundos de ações podem ter um ano com captação mais positiva. Caso o Brasil não ande por um caminho de deterioração econômica e fiscal grande, as ações brasileiras continuarão baratas em relação ao resto do mundo, os estrangeiros seguirão investindo no país e os gestores locais, agora no olho do furacão, ficarão mais animados”, diz.
Contudo, Sgavioli acrescenta que, se os estrangeiros começarem a perceber que a agenda econômica e fiscal não melhora, o dinheiro continuará sendo resgatado dos fundos de ações.
Já em relação à classe de multimercados, o chefe de alocação e fundos da XP é mais moderado. “Acredito que a captação dos fundos multimercados deve andar de lado, porque os brasileiros entendem menos o que esses produtos fazem e têm menos paciência. Eles deram rendimento muito bom neste ano, e nem assim captaram”, afirma.
Marcelo Mattos, gestor da Inter Asset, acha que muitos brasileiros fizeram aplicações financeiras baseadas apenas na Selic e não no seu perfil de risco em anos de taxas de juros mais baixas, o que contribui para a debandada dos fundos de renda variável.
“Os investidores aumentaram demasiadamente o risco do portfólio. Em um movimento contrário mais forte no Brasil e no mundo, as pessoas mal acostumadas e mal assessoradas acabaram se assustando e começaram a resgatar”, afirma.
Ela acha que a fuga das classes de ações e multimercados continuará no curto prazo, mas pode desacelerar caso as expectativas dos investidores mudem. “O mercado cria narrativas, mas ainda tem muita história para acontecer”, diz.