Campos Neto se despede do Copom: como foram os quase 6 anos à frente do Banco Central?

Presidente do BC teve mandato marcado pelo combate à inflação após a pandemia e pela presença no noticiário nos governos Bolsonaro e Lula

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Na noite desta quarta-feira (11), o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciará a decisão da sua reunião, que deve ser de um novo aumento expressivo na taxa Selic. Será a última votação sob a gestão de Roberto Campos Neto, que deixa o cargo de presidente do Banco Central no próximo dia 31 de dezembro.

Nomeado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em fevereiro de 2019, Campos Neto se despede do cargo após 5 anos e 10 meses carregando marcas importantes. Afinal de contas, ele foi o primeiro presidente de um BC autônomo, além de ter combatido a inflação decorrente da pandemia e por ser sido, por vontade própria ou não, um personagem constante do noticiário político.

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“O Banco Central foi bem sucedido em trazer a inflação de volta à normalidade após a pandemia. Por outro lado, os últimos dois anos, por conta da diferença política com o presidente Lula, foram de divergências políticas afloradas”, opina Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, à Inteligência Financeira.

Foi durante a gestão de Campos Neto, também, que o Banco Central lançou o Pix em 2020. Rapidamente o sistema, que já vinha sendo desenvolvido na gestão anterior, se transformou em uma das modalidades de pagamento mais usadas no país. Outras inovações, como o Pix parcelado, automático ou por aproximação, também entraram no radar da gestão do BC.

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Como a gestão de Campos Neto lidou com os juros e a inflação?

Em fevereiro de 2019, quando Roberto Campos Neto tomou posse à frente do BC, a inflação acumulada em 12 meses era de 3,89%, de acordo com o IBGE. A taxa básica de juros, por sua vez, era de 6,50% ao ano.

Nos primeiros 2 anos do economista como presidente do banco a taxa de juros ainda cairia mais, até chegar ao mínimo de 2% ao ano, que perdurou entre agosto de 2020 e março de 2021.

Para Sérgio Vale, o desafio da gestão de Campos Neto na condução do BC veio com a pandemia. O Brasil viu a disparada dos preços entre 2021 e 2022. O IPCA acumulado em 12 meses chegou a ser, em abril de 2022, de 12,13%.

Entre as causas estavão os impactos da covid-19, as políticas adotadas para resolver a crise sanitária e os conflitos internacionais, em especial a invasão da Ucrânia pela Rússia. Diante da inflação em alta, o Brasil subiu, e subiu rápido, as taxas de juros.

A Selic que estava, como dissemos, em 2% no começo de 2021, chegou a 13,75% em agosto de 2022. De acordo com Sérgio Vale, o recuo da inflação, que voltou a caber na meta em 2023, se tornou um motivo de orgulho para a gestão de Campos Neto.

“Ele foi bem sucedido pelos números em si. É uma inflação que chegou a 12% e no ano passado ficou abaixo do teto da meta. Nós conseguimos desinflacionar a economia, e o que é mais difícil, conseguimos sem provocar uma recessão. É um cenário de sucesso”, avalia o economista.

Campos Neto: primeiro presidente após autonomia do BC

O papel que se espera de um presidente do BC no que diz respeito à política, defende Sérgio Vale, é de discrição. O economista cita como exemplos dessa conduta Ilan Goldfajn, antecessor de Campos Neto, e Henrique Meirelles.

Roberto Campos Neto viveu uma situação inédita a partir de 2023: ser presidente do BC diante de um presidente da República que não o indicou. Mais ainda, que deixou claro que não aprovava seu trabalho.

Isso foi possível porque, em 2021, Jair Bolsonaro sancionou a lei da autonomia do Banco Central. A regra estabeleceu essa autonomia através de um mandato, que não coincide com o mandato do presidente.

Os defensores da proposta, como o próprio Campos Neto, argumentam que o mandato dá autonomia ao presidente da BC, que pode tomar decisões necessárias mesmo que elas contrariem o interesse dos políticos no poder no momento.

Por outro lado, críticos veem uma restrição do poder do presidente de ditar os rumos da política econômica. Para Sérgio Vale, esse é um momento de adaptação para todos os envolvidos. Ele lembra também que a regra não vale apenas para o presidente. Ou seja, também para os diretores que compõem o Copom, cujos mandatos vão se encerrando ao longo do tempo.

O economista acredita que a autonomia se provará uma boa decisão, mas que a primeira reação dos políticos foi escolher nomes próximos. Isso uma vez que eles não poderiam trocá-los, o que pode ter levado a uma certa “politização”.

“Talvez você tenha aumentado a politização do comitê, com um incentivo para que o presidente escolha alguém muito próximo”, diz o especialista.

Ele, no entanto, vê como positiva essa combinação dos mandatos com a alternância de poder, que resulte em comitês mais plurais. “O BC vai ter um pouco mais de arejamento, de discussão, de debate”.

Campos Neto, Lula e Bolsonaro

Sérgio Vale afirma que a presença de Roberto Campos Neto como um personagem político se deve às divergências contra ele manifestadas pelo presidente Lula, mas não só. Dessa maneira, na visão do especialista, também pelas posições do atual chefe do BC.

Por exemplo, a escolha de ter ido votar nas eleições de 2022 com uma camiseta da Seleção Brasileira, um gesto interpretado por parte da opinião pública como apoio a Bolsonaro. “As divergências políticas foram muitas vezes trazidas pelo próprio Campos Neto. Seja ao votar com a camisa amarela, seja ao se encontrar com muitos políticos”, argumenta.

Em agosto de 2023, em entrevista ao “Conversa com Bial” (Globo), Campos Neto disse se arrepender. “Era uma coisa mais do mundo privado do que do mundo público. Obviamente, hoje, pensando, eu não teria feito isso, né? Pensando em hoje”, afirmou, argumentando que não pensou na associação com Bolsonaro ao escolher a camiseta amarela.

Por outro lado, o presidente Lula não se furtou de criticar o chefe do BC pelos juros altos em diversas oportunidades. Em julho, Roberto Campos Neto disse que era preciso “sair da narrativa do BC político” e defendeu seu trabalho argumentando que o pico da taxa de juros ocorreu enquanto Jair Bolsonaro tentava se reeleger, o que não aconteceu.

Para Sérgio Vale, a presença do BC dentro da pauta política é prejudicial. “Os ruídos causados pelas falas, discursos e debates mais atrapalham do que ajudam”, defende o economista-chefe da MB Associados.

Olhos se voltam para Galípolo

A decisão desta quarta-feira sobre os juros é um fim informal da gestão de Campos Neto. O economista ainda terá mais 20 dias de mandato no Banco Central. Contudo, na prática, os olhos já estarão voltados para a gestão do sucessor Gabriel Galípolo.

Junto com o novo presidente, tomarão posse três novos diretores do Banco Central, também sob a indicação do governo Lula. Um para o lugar do próprio Galípolo e outros dois para substituir diretores que vieram da gestão Bolsonaro e também verão seus mandatos chegar ao fim.

A expectativa do mercado é que o próximo presidente do BC e os diretores do Copom deem sequência ao aumento dos juros. De acordo com o último boletim Focus, a expectativa é de que a Selic encerre 2025 em 13,50% ao ano, mas há quem preveja mais.

As atitudes de Galípolo diante de possíveis queixas de Lula e seus ministros serão acompanhadas de perto, afirma Sérgio Vale.

“Eu imagino que o Galípolo vai seguir esse perfil do Campos Neto e se manter próximo da política. Mas estamos nesse caminho da retomada da alta dos juros e isso vai ser um teste. Não vejo como ele não precise levar os juros para 14% ou 15%”, prevê.

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