Notas importadas, figuras repetidas e transporte até por navio: a operação de guerra para o lançamento do Real
País teve pouco mais de quatro meses para produzir, imprimir e fazer chegar em todo o Brasil as cédulas da nova moeda
O Brasil precisou acionar aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) e navios da Marinha para uma verdadeira operação de guerra em 1994. Não se tratava de nenhum conflito, mas sim do esforço coletivo para que todo o país estivesse abastecido de notas e moedas para o Dia D da implementação do Real, em 1º de julho de 1994.
“Em qualquer cidade do Brasil, por mais distante que fosse, na Amazônia ou em qualquer outra região, tinha que ter dinheiro emitido lá. Foram utilizados aviões da FAB e navios da Marinha para levar essa moeda a toda parte brasileira”, contou José Coelho Ferreira, ministro do Superior Tribunal Militar (STM) e ex-procurador-geral do Banco Central, em entrevista ao documentário “Uma História de Estabilidade”, lançado pelo BC em 2019.
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Essa é uma das facetas da megaoperação empreendida em pouco mais de quatro meses para permitir o lançamento da moeda que consolidava o Plano Real. O desafio dos técnicos era fazer acontecer o que as mentes que idealizaram o plano previram na MP 434, publicada em 28 de fevereiro.
O desafio era abastecer todo o país de uma nova moeda em um curto prazo, para permitir a transição da URV para o Real na data prevista. E não era apenas imprimir e distribuir, como se isso já fosse pouco trabalho. Era necessário ainda desenhar o novo padrão monetário, com tamanhos, desenhos e cores adequados.
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Deu certo.
Confira uma galeria sobre 1994 e o Plano Real
De acordo com o Banco Central, a autoridade monetária brasileira recebeu anos depois a visita dos seus pares do Banco Central Europeu (BCE), que estudaram o exemplo do Real como modelo para a implementação do euro no Velho Continente.
Figuras e formatos reaproveitados nas cédulas do Plano Real
Uma vez definido que o Brasil teria uma nova moeda, era preciso saber como ela seria. Qual formato teria, o que constaria impresso no papel. Por exemplo, se o país aproveitaria para homenagear grandes nomes da sua história. A conclusão foi a de que a ideia até era boa, mas não daria tempo.
“Era comum você homenagear pessoas e personagens, naquela época, mas pelo prazo exíguo que você tinha pra fazer optou-se pelos animais. Os animais não precisariam, por exemplo, de autorização das famílias para que figurassem”, afirmou João Sidney de Figueiredo Filho, ex-chefe do Departamento de Meio Circulante do BC, ao documentário citado acima.
Figueiredo Filho conta que optou-se por privilegiar formatos e imagens que já existiam. Por exemplo, a efígie da República utilizada nas cédulas do Real foi reaproveitada das notas de 200 cruzeiros e de 200 cruzados novos. Já estava desenhada e pronta para ser inserida na nova moeda brasileira.
Ao final, de acordo com o Banco Central, ficou definido o projeto gráfico em que as notas teriam cores distintas, a efígie da República e a imagem dos animais tipicamente brasileiros. “A escolha por animais presentes na fauna brasileira tinha o objetivo de promover a proteção da fauna e da flora brasileiras, além da preservação do meio ambiente”, afirma o BC.
Brasil importou dinheiro
Uma vez definido como seriam as cédulas da nova moeda, era a hora de imprimi-la. No Brasil, a responsabilidade por produzir e imprimir as cédulas é da Casa da Moeda. A organização do governo federal, no entanto, não teria capacidade fabril suficiente para imprimir toda a nova moeda a tempo da implementação do Plano Real.
Segundo o Banco Central, a Casa da Moeda ficou com a responsabilidade de imprimir as cédulas de R$ 1 e de R$ 100. Para os demais valores, o país precisou recorrer a fornecedores estrangeiros. A saber:
- Giese & Devrient GmbH, da Alemanha – Imprimiu 100 milhões de cédulas de R$ 5
- Thomas de la Rue and Company Limited, da Inglaterra – Imprimiu 120 milhões de cédulas de R$ 10
- François-Charles Oberture Fiduciaire, da França – Imprimiu 40 milhões de cédulas de R$ 50
Na época não existiam as notas de R$ 2 e de R$ 20. Ambas as cédulas começaram a circular em 2001.
940 milhões de cédulas e 688 milhões de moedas
Desenhadas e impressas, as notas agora precisavam ser entregues em todo o país. As principais remessas foram por via aérea ou terrestre. Tudo para alcançar a totalidade do Brasil, frequentemente retratado como um país de dimensões continentais.
De avião, foram 106 viagens. Dessa maneira, se transportou 906 milhões de cédulas, que totalizavam R$ 18,6 bilhões em valor de face. Ainda foram distribuídas por esse meio outras 252,9 milhões de moedas, que somavam R$ 89,6 milhões em valor de face.
O Banco Central contabiliza ainda os transportes terrestres. Aqui foram 37 viagens, que transportaram 34,8 milhões de cédulas (o equivalente a R$ 1,36 bilhão), além de 435,2 milhões de moedas, que representavam R$ 148 milhões.
A megaoperação terminou bem sucedida. Em 30 de junho de 1994, um dia antes da implementação do Real, 940 milhões de cédulas e 688 milhões de moedas já estavam nos postos finais.
No dia seguinte, a nova moeda começou a ser adotada e as instituições financeira passaram a recolher o que recebiam em cruzeiros reais. Em setembro, foi dado o ponto final na circulação dos cruzeiros reais, o Real virou oficialmente a nova e única moeda brasileira.
E o resto é história.