Como saber se os ‘games’ de recompensas dos bancos digitais valem a pena

Nubank e C6 Bank têm programas de pontos em que clientes precisam 'cumprir tarefas' para conseguir prêmios

- Ilustração: Marcelo Andreguetti
- Ilustração: Marcelo Andreguetti

A popularização dos bancos digitais permitiu o acesso de mais pessoas a produtos e serviços financeiros. Se há alguns anos era preciso um certo tempo de relacionamento com um banco para conquistar um cartão de crédito, por exemplo, hoje muita gente consegue um com poucos cliques em um aplicativo. Com isso, veio também a necessidade de fomentar a educação financeira. Assim, muitas fintechs e bancos que já nasceram no ambiente digital prometem ajudar seus clientes a se organizarem financeiramente e a terem acesso a mais produtos e serviços oferecidos por eles por meio de “jogos”. Mas, segundo especialistas (e os próprios usuários), essas ações e programas de recompensas têm pontos positivos e negativos.

O Nubank, o mais popular banco digital do Brasil, lançou em agosto deste ano o programa de benefício “Nunos”. Nele, são oferecidas recompensas para os clientes que cumprem tarefas atreladas à sua chamada “jornada financeira”. Segundo o banco, nessa primeira versão, para cada duas missões realizadas em um mês, o cliente desbloqueia um “baú com um prêmio surpresa”, e ao completar seis missões no período de um mês, é possível desbloquear um “super baú com uma recompensa ainda mais exclusiva”.

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As missões que o cliente deve cumprir são tarefas como usar o cartão de crédito ou débito, pagar boletos pelo aplicativo, fazer a portabilidade de salário para o Nubank, trazer dinheiro para sua conta por meio de transferências e investir o dinheiro pelo app. As recompensas, por sua vez, variam desde cupons na rede de delivery iFood até cupons de desconto para compras na loja digital Shopee. E, segundo especialistas, é aí que mora o perigo.

“A estratégia de ‘gamificação’ tem sido adotada por várias empresas. Por um lado tem a vantagem de trazer uma forma mais leve de ensinar ou apresentar algo. Mas, se o cliente começa a entrar toda hora e usa serviços que não usaria normalmente ou naquele momento só para cumprir as tarefas, os efeitos são menos positivos”, afirma Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV EAESP.

A especialista explica que as recompensas que estimulam ainda mais o consumo demandam cuidado. “Se o seu prêmio é um desconto em uma loja, isso pode incentivar um consumo desnecessário, o que não é bom para o cliente”, afirma.

O Nubank, por sua vez, afirma que o programa ainda está em fase de desenvolvimento. Portanto, outras recompensas podem ser incluídas. Além disso, existem prêmios como descontos em serviços de streaming e garrafinhas decoradas. “Em breve, haverá novidades de recompensas, mas serão anunciadas quando tivermos algo ainda mais avançado, após os feedbacks e insights que os clientes envolvidos nos testes irão nos dar. São os clientes do Nubank que vão ajudar a definir os próximos passos. Para esse projeto, mais do que nunca, é importante ter a visão dos clientes para aprendermos juntos e ‘cocriarmos’ esse novo programa”, afirma o banco em nota.

Antes do Nubank, no entanto, outro banco digital bastante conhecido lançou um programa parecido. O C6 Experience, do C6 Bank, foi criado com a intenção de apresentar aos clientes de forma divertida todos os serviços e produtos do banco, segundo Maxnaum Gutierrez, principal executivo de pessoa física, produtos e CRM da instituição.

Nele, as tarefas que os clientes devem cumprir garantem a eles uma medalha. Quando o usuário conquista três medalhas, ele chega ao primeiro nível do desafio e tem acesso a recompensas mais “básicas”. Quando ele conquista cinco medalhas, ele vai para o nível dois e as gratificações também melhoram. Ao desbloquear sete medalhas, ele atinge o chamado nível vip, que traz prêmios maiores.

As 11 tarefas não têm uma ordem específica e o cliente pode escolher cumprir as que fazem mais sentido para ele.

Os desafios são: se cadastrar no C6 Experience (portanto, todos que usam vão ter ao menos uma medalha); atingir um determinado valor gasto no cartão (que varia de acordo com o hábito de cada cliente); investir uma certa quantia (que também muda dependendo do usuário); usar o C6 Tag (adesivo automotivo para passar em pedágios); fazer uma recarga de celular pelo app; cadastrar contas em débito automático; indicar um amigo e ele abrir uma conta no C6; fazer a portabilidade do salário para o C6; cadastrar o CPF e celular como chaves pix no banco; fazer uma remessa de pelos menos US$ 100 para a conta global e fazer uma compra na C6 Store (loja virtual que traz produtos de parceiros a preços promocionais e outros itens, como cartões-presentes).

“Pensamos nessa quantidade de medalhas para atingir a todos os perfis de clientes. Se é alguem que não faz recarga de celular, por exemplo, ou não tem carro, não tem problema. Porque ele só precisa desbloquear sete tarefas para chegar ao nível VIP”, afirma Gutierrez.

As recompensas do C6 mudam de acordo com o número de tarefas cumpridas. No nível um, por exemplo, as recompensas são descontos em cursos da Ideia 9, empresa de educação virtual do mesmo grupo. Já no nível dois, o cliente pode ganhar pontos no programa Átomos (que podem ser trocados por descontos na fatura, pontos em programas de milhagens, compras na C6 Store, etc), 10 dias sem juros no cheque especial e até os chamados “mimos”, que são ações pontuais em que alguns clientes ganham ingressos para eventos, por exemplo. Já no nível vip, as recompensas são mais 350 pontos no Átomos, pontos dobrados no programa de milhagens TudoAzul e outros “mimos”.

Porém, segundo Gutierrez, é preciso manter as medalhas “acesas”, já que tanto as metas como os benefícios são mensais.

O estudante Hélder Falqueto, de 28 anos, é cliente do C6 e participa do C6 Experience. Ele conta que, por enquanto, fez poucos desbloqueios e, por isso, ainda não usufruiu dos benefícios. Mas a intenção é usá-los cada vez mais e concentrar sua vida financeira na instituição. Para ele, uma das vantagens do C6 e de seus programas de pontos são a praticidade. O gerente de projetos Júlio Souza, de 30 anos, também usa o programa. No entanto, até agora o benefício conquistado por ele foi o prazo de 10 dias sem juros no cheque especial. “Como eu não uso essa linha de crédito, não achei tão relevante”, afirma. Mas assim como o Nubank, o programa do C6 ainda terá evoluções, segundo Gutierrez.

Questionado se a “gamificação” do programa de recompensas pode influenciar negativamente no comportamento do cliente (o incentivando, por exemplo, a usar produtos incompatíveis com a vida financeira dele), o executivo afirma que não, justamente por não ser preciso desbloquear todas as tarefas para conseguir recompensas.

“A gente não quer que um cliente que não faz recarga de celular faça só pra ganhar medalha. Economicamente não é viável pra ele. Por isso, que no nosso programa, pra ser VIP só é preciso cumprir sete tarefas. Quatro, à escolha dele, ele não precisa fazer. Quando fizemos uma pesquisa de mercado para desenhar o programa vimos que o público de menor renda não necessariamente sabe tudo que tem no banco. Então, colocando isso em tarefas, é uma forma de apresentá-lo, a mostrar para ele que temos determinados serviços aqui também”, afirma.

Segundo Gutierrez, desde que o programa foi lançado, em março deste ano, foi percebida uma forte adesão e um engajamento maior dos participantes no banco. Ou seja, os clientes passam a concentrar mais sua vida financeira no C6 e, assim, ganham mais recompensas.

No caso do Nubank, a empresa afirma que a jornada financeira proposta pelo Nunos inclui o pagamento de contas e gastos, mas também guardar e investir dinheiro.

“Queremos tornar tudo isso mais divertido e interativo, garantindo que o cliente seja recompensado também. E sempre com o pilar de organização e educação financeira”, afirma o banco em nota. A companhia ainda destaca que além de recompensas como cupons e descontos, os clientes que cumprirem as missões podem desbloquear “cartas colecionáveis” que trazem conteúdos rápidos sobre finanças desenvolvidos junto com o NuEnsina, um programa educacional interativo focado em finanças dentro do nosso app. “Conteúdos exclusivos sobre educação financeira poderão ser acessados ao longo dessa jornada, com dicas de como se organizar financeiramente e de como investir o seu dinheiro, por exemplo”, afirma o banco.

A Credicard, que pertence ao Itaú, também apostou na “gamificação” para engajar seus clientes. Em 2020, a instituição anunciou o lançamento de uma espécie de jogo para ajudar pessoas que tiveram o cartão de crédito negado a consegui-lo. Nesse game, os clientes receberiam orientações para limpar o nome, além de tarefas de educação financeira. Em 2021, a Credicard anunciou o lançamento de um jogo para os clientes conseguirem aumentar seus limites. Nele, a ideia é que os usuários cumpram “missões financeiras” como pagar as faturas no valor total e em dia; manter o nome limpo, sem atrasar pagamentos de qualquer tipo e alcançar uma determinada meta de gastos no plástico (para justificar o limite maior). Procurada pelo Valor Investe, a empresa optou por não participar da reportagem.

Para Claudia Yoshinaga, da FGV, o mais importante é que o cliente consiga entender o que faz mais sentido pra ele dentro daquele “jogo”, tanto do ponto de vista das tarefas quanto das recompensas. “Indo para o lado comportamental, é preciso ficar atento para não desenvolver o FOMO (sigla para ‘Fear Of Missing Out’, em tradução livre para o português, o medo de ficar de fora), de querer cumprir tudo proposto no jogo para ‘vencer’, mas sem usufruir daquilo”, afirma. Ela ainda sugere que os bancos e instituições financeiras foquem em tarefas que ajudem na organização. “Desafios para criar uma meta e cumprir um planejamento podem ser legais”, conclui.

Por Nathália Larghi, do Valor Investe 

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