Dinheiro traz felicidade?
Conheça Chrystina Barros, pesquisadora que prova que, para ser feliz é preciso, sim, ter dinheiro
“O dinheiro é fundamental para garantir a condição da dignidade humana.” Essa é a base da linha de pesquisa de Chrystina Barros. Profissional certificada em felicidade pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, a pesquisadora e doutoranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro acrescenta que nenhum caminho para a felicidade é possível sem o dinheiro.
“As pessoas acham que é feio falar de dinheiro. Realmente, dinheiro não compra saúde, não traz de volta à vida quem a gente ama. Mas o dinheiro dá acesso ao tratamento, e quando não pode curar, dá acesso inclusive à morte digna”, conta.
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Mas para chegarmos nesta tal felicidade por aqui é preciso percorrer um longo caminho.
Isso porque, no ranking da Felicidade da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil caiu 11 posições – de 38º para 49º do ano passado para cá.
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Mas, afinal de contas, o que é felicidade?
Para a ONU, a felicidade é a medida do progresso de um povo e, por isso, a busca pela felicidade deve nortear as políticas públicas.
Mas como ser feliz com fome? E com dívidas? É esse o questionamento e o acréscimo que Chrystina traz a estudos sobre a felicidade, como o de Harvard, em que foram elencados sete caminhos para a felicidade.
Os passos incluem exercícios físicos, contato com a espiritualidade e com o novo, dedicação ao outro, afastamento de negatividade e álcool moderado.
Para Chrystina, eles não funcionam sem adicionar o dinheiro à equação. “Como que eu vou dizer para alguém praticar meditação e esvaziar a cabeça se o estômago está vazio e as contas não estão pagas?”, questiona.
Felicidade e dinheiro
O bate-papo que a pesquisadora teve com a IF sobre felicidade você lê a seguir:
O que é a felicidade e de que forma ela se manifesta?
Essa é a pergunta do milhão. Felicidade é o saldo de que a vida vale a pena. Todos nós vamos encarar luto, dificuldades e alegrias, dia sim, dia não. Mas, ao longo da vida, temos a sensação de que a nossa vida vale a pena, temos bem-estar e realizações. Essa é a hora que nos conectamos e sentimos a felicidade.
Afinal de contas, a felicidade é uma sensação. Quando você está feliz, existe uma série de reações químicas no corpo que te trazem prazer e alegria. Você se sente bem e disposto, mas isso é muito particular. A felicidade é sentida e percebida pela pessoa, mas ela depende do coletivo.
Por exemplo, mesmo em um trabalho difícil, em que você está exausto, se você fez um bom trabalho e foi reconhecido por ele, é possível se sentir feliz.
Ou seja, apesar de todas as dificuldades envolvendo aquela tarefa, ela consegue te trazer a sensação de felicidade ao perceber que o cansaço valeu a pena. Mesmo assim, ela é muito individual.
Então, de que forma a felicidade é coletiva?
Essa é a grande provocação. Porque, para sermos felizes, vamos viver dias melhores e piores. E quanto mais relacionamentos bons a gente tiver, mais vamos conseguir nos apoiar, superar desafios e entender a situação do outro.
Por exemplo: se eu vejo alguém passando fome, eu posso até não estar com fome agora e não viver aquela sensação de fome, mas eu não consigo ser plenamente feliz porque eu sei que, se um dia eu estiver naquela situação, eu quero que alguém me ajude.
Existem estudos brilhantes que falam que o que traz a felicidade são os bons relacionamentos. E vivemos em sociedade se ajudando. Esse é o ponto.
Se você pegar o relatório da ONU de felicidade do ano passado, ele traz uma análise do sentimento de benevolência, que é ajudar o próximo que está numa situação difícil. Esse relatório diz que, durante a pandemia, as pessoas se sentiram mais frágeis e a benevolência aumentou. Isso é mais uma evidência do quanto que a gente vive em conjunto, e do quanto precisamos estar em conjunto e ser solidário. Ser gentil, dar um sorriso para alguém que não está bem, esse tipo de coisa ajuda o outro a ganhar energias para superar seus desafios.
Por que as pessoas almejam tanto a felicidade?
Tem duas coisas que precisamos analisar: primeiro, vivemos em uma sociedade “instagramável”. Então, é preciso muito cuidado ao almejar a felicidade. Porque isso, hoje, pode significar que você precisa ter o último lançamento de tal produto. Amanhã lança outro e você já não é feliz por não o ter.
Outro aspecto é que nascemos, vivemos e trabalhamos para poder curtir e ter esses momentos de prazer e bem-estar, mas é preciso saber analisar o que é uma vontade genuína e o que é desejo de seguir um padrão de venda e de consumo.
Uma coisa que eu acho bacana é que a felicidade pode até ser um conceito utópico, porque de repente o que me faz feliz hoje, o que faz minha vida valer a pena, pode mudar amanhã e ao longo do tempo. Mas tem um escritor que fala que “a utopia me faz caminhar”. Porque quanto mais eu me aproximo daquele sonho distante, mais vou caminhando, então estou sempre em movimento para alcançar a felicidade e essa sensação de plenitude e de realização.
Os sete passos para a felicidade, propostos pela pesquisa de Harvard, são úteis sem o acréscimo do dinheiro?
Harvard tem esse estudo e existem vários outros que dão receitas para felicidade. O grande destaque que se dá a isso é exatamente a conexão do que você vive. A pesquisa da universidade norte-americana propõe, por exemplo, o exercício físico e a prática meditativa, mas a minha complementação é que essas práticas podem até ser boas para mim e para você, porque temos um trabalho, podemos descansar a cabeça no travesseiro tranquilos porque pagamos as contas. Mas como que eu vou dizer para alguém praticar meditação, e mindfulness, esvaziar a cabeça se o estômago está vazio e as contas não estão pagas? Essa é a provocação que trago para a minha linha de pesquisa.
Então, qual a relação entre o dinheiro e a felicidade?
O dinheiro é fundamental para a garantia de condição de dignidade humana. A partir do momento que você tem dignidade humana, ou seja, tem habitação, tem acesso à educação, ao lazer e acesso à saúde, aí sim você pode dar todos os passos para a realização plena.
Mas você precisa ter a base da dignidade humana. As pessoas acham que é feio falar de dinheiro. Realmente, dinheiro não compra saúde, não traz de volta à vida quem a gente ama. Mas o dinheiro dá acesso ao tratamento, e quando não pode curar, dá acesso inclusive à morte digna. Então é muito importante primeiro ter dinheiro para depois seguir qualquer outro passo.
Com dinheiro, o caminho para a felicidade fica mais fácil?
O contexto tem que ser falado porque varia muito. Por exemplo: Elvis Presley, Kurt Cobain, Whitney Houston, Amy Winehouse, Elis Regina e tantos outros artistas que, apesar de milionários e de trabalharem com o que amam, morreram sabidamente infelizes. Então não é o dinheiro por si só que traz a felicidade. O dinheiro tanto em excesso, quanto em escassez é um problema.
O dinheiro pode trazer dificuldades para uma família que debate sobre uma herança, por exemplo, ou para uma família que tem que escolher quem vai comer hoje. Então, é preciso entender o contexto de cada pessoa e debater sobre o dinheiro.
Hoje, a grande preocupação é que o mundo está crescendo e os recursos estão acabando justamente por não cuidarmos da terra, e o movimento ESG vem trazendo essa discussão de que precisamos cuidar da água e do meio ambiente. Mas esquecemos de dar destaque para as pessoas. Falamos em saúde mental só depois que a pessoa adoeceu, mas como eu poderia ter cuidado dessa pessoa antes?
Como ser feliz com pouco dinheiro e muitas dívidas?
Quem é que vai ser feliz com uma ameaça de cortar a luz, sem dinheiro para comer e com dívida? Não tem como. Mas, se você estiver em uma dessas situações, é importante não perder a esperança e buscar ajuda. O que vemos, infelizmente, é a miséria se espalhando, mas não podemos perder a esperança e a honestidade.
Às vezes, em uma situação de miséria, no desespero, as pessoas encontram os caminhos de violência que reforçam e se tornam ciclos artificiais de felicidade. Mas não se desespere. Busque ajuda profissional. Se for preciso, vá a um feirão de dívidas, procure alguma associação que possa ajudar. E reitero a importância de falar sobre isso e de ajudar o próximo, não só dando comida para quem precisa, mas também atuando como cidadão.
Com as condições mínimas de vida, como encontrar a felicidade?
Se você já tem uma condição digna de vida, encontrar a felicidade é também descobrir qual a razão de você levantar todos os dias da cama. É encontrar a razão da sua vida. É importante falar também que existem as pessoas que vivem no extremo, e isso não é felicidade, tanto os que estão sempre alegres por tudo, quanto os que sempre estão tristes por tudo. Esses estados de euforia e depressão contínuas são patologias.
Então, se você tem suas condições de subsistência atendidas e não se sente feliz, o dinheiro pode ser um problema, afinal, qual está sendo o destino do seu dinheiro? O que está te incomodando? Esses questionamentos podem te mostrar que talvez você precise de ajuda profissional e psicológica.
Mas, de forma geral, encontrar a felicidade é saber o que te deixa feliz, o que faz você sentir que a vida vale a pena. Qual o seu legado? O que as pessoas irão lembrar de você quando se for? Encontrar essas coisas é um movimento muito interno, um processo que, a partir das condições mínimas de vida, independe do dinheiro. Há milionários, por exemplo, que pedem para taxar suas fortunas, justamente por não verem mais sentido no dinheiro, não encontram um propósito para utilizá-lo.
Por outro lado, é importante pontuar que gentileza não custa nada. Faz feliz quem recebe, e mais feliz ainda quem dá. Agradeça pelas pequenas coisas, pequenas gentilezas. Se você der bom dia a alguém e a pessoa não responder, não ligue. Talvez, para aquela pessoa, aquele não seja um bom dia.
Se você é uma pessoa que reclama muito, tenta tirar isso do seu dia, porque se eu dou uma “topada” e me atraso, pode ser que aquele atraso me livrou de alguma situação ruim. Não tem como saber. Claro que eu não vou agradecer se eu der um chute e perder a unha ou machucar o pé, mas tente ter um olhar mais otimista para as coisas. Ser solidário e gentil não custa nada, ajuda muito e faz bem para a gente e para o próximo.
Colaborou Daniel Navas