Por que a Faria Lima ainda não incorporou mudanças climáticas nos investimentos?
Enchentes no Sul acendem alerta no mercado financeiro, mas retorno de investimentos contra mudanças climáticas ainda preocupa
As enchentes no Rio Grande do Sul acenderam um alerta no mercado financeiro de que eventos extremos, como inundações, El Niño e outros precisam ser antecipados nas análises de investimento, dizem gestores e economistas ouvidos pela Inteligência Financeira.
Recentemente, alguns nomes do mercado analisaram como o clima precisa estar mais presente nas análises de risco. À Inteligência Financeira, Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG, afirmou que “falta ao setor privado incorporar eventos climáticos e o que eles causam”.
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Mercado ainda não mede riscos de mudanças climáticas
No evento da Converge Capital Conference, da Brazil Climate Week, investidores se reuniram para debater oportunidades na área de ESG (Governança Social e Ambiental, em inglês). Firmas como Julius Baer, Constellation, BTG e mais, com bilhões sob custódia, sentaram para discutir o impacto climático em carteiras de milhões de investidores.
O consenso entre especialistas é de que o mercado financeiro ainda não incluiu o risco do clima na roda. Seja na concessão de seguros, crédito, diversificação de carteira e, na ponta final, valor dos ativos onde aporta.
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Nesse sentido, as enchentes do Rio Grande do Sul acenderam um alerta, dizem.
Mansueto Almeida, do BTG, defende que a recorrência dos eventos causados por mudanças climáticas será cada vez maior.
“Eventos como por exemplo uma quebra de safra. É uma coisa que se tornou quase que recorrente. Então, precisamos melhorar a previsão desses modelos climáticos e colocar inclusive nos modelos de crédito do sistema financeiro”, afirmou.
Para Tiago Gomes, gestor de portfólio da Fama.re Capital, o mercado “ainda não faz a distinção entre eventos climáticos”.
“Existem eventos estruturais ou cíclicos. Essa distinção é importante porque podemos saber qual terá uma frequência maior no futuro”, diz.
De acordo com Gomes, esse cálculo é “chave” para medir o real valor de empresas. “Queimadas na Califórnia se tornaram mais frequentes, por exemplo. Assim, as seguradoras estão começando a se preparar, pois isso afeta a sinistralidade e, na ponta, os resultados financeiros.”
A Fama.re montou o fundo com empresas da bolsa de valores que procuram “descarbonizar” a cadeia de produção. E já atraiu uma companhia de agronegócio listada na B3.
Em terra de IPCA+, investimentos ‘verdes’ perdem atratividade
Por enquanto, a falta de tração de uma agenda ambiental dentro do mercado financeiro no Brasil tem dois motivos, apontam os especialistas.
O primeiro é o prazo de conclusão de investimentos relacionados a mudanças climáticas. A percepção é de que teses ligadas ao ESG demoram mais para “amadurecer” e compensar a taxa de risco do capital.
“Clima é algo percebido como de longíssimo prazo”, destaca Gomes. “Esse tipo de prazo assusta em um país de volatilidade alta”, ele cita, ao elencar barreiras diminuem atratividade do ESG.
Já Daniel Brandão, diretor de Soluções Baseadas na Natureza da Vox Capital, aponta que a oferta para atrair capital existe. O segundo problema é o custo.
“Essa oferta vem com condições de padrão de mercado que, em certa medida, podem tornar parte do investimento inacessível para certos empreendimentos”, afirma.
Se antes o mercado carecia de um cronograma, ou pipeline, de combate às mudanças climáticas, mas com dinheiro de sobra, o jogo hoje mudou: o que falta é o custo atrativo. É a avaliação do gestor.
“Antes tínhamos dinheiro, mas não um pipeline. Agora temos dinheiro e pipeline, mas faltam condições. E por isso quero dizer um custo de capital mais eficientes, que permita maior liquidez, fugindo da classe de ativo”, prossegue.
É o “polo oposto do D+5 ou do IPCA+”, diz Brandão. “O ciclo de maturação desses investimentos geralmente é o tempo da natureza. Um sistema agroflorestal, por exemplo, inicia operação em quatro anos, em dez, ele amadurece.”
Papel do investidor pessoa física nas mudanças climáticas
O papel do investidor pessoa física no combate às mudanças climáticas é de entender se há risco em empresas em áreas que sofrem mais com consequências de mudanças climáticas como quebras de safra ou enchentes.
Quem investe em fundos, na prática, “tem que entender a cabeça do gestor na alocação, se ele está olhando para esses riscos climáticos”, diz Marina Cançado, fundadora da Converge Capital.
Ela cita por exemplo fundos imobiliários com exposição à Porto Alegre. “A pessoa física vai investir em fundo imobiliário, por exemplo. Se ele tem 20% dos ativos em Porto Alegre, e aqueles imóveis foram de alguma forma alvo da situação climática, ela perdeu o valor daqueles ativos.”
Marina explica, assim, que a diversificação geográfica tende a ser cada vez mais importante daqui para frente.
Por outro lado, Brandão aponta que o investidor institucional e mais qualificado deve levantar o debate. “Esses players poderiam fazer uma pressão mais consistente sobre o que eles manejam”.
Conforme especialistas, para entender cada vez mais sobre o risco de uma ação ou fundo no futuro, o investidor pessoa física vai precisar estudar mais o clima. Mas ele pode cobrar de analistas e gestores com dúvidas e perguntar se as mudanças e suas consequências estão alinhadas nos modelos da Faria Lima.