Guerra entre Israel e Hamas: como proteger seus investimentos de eventos imprevisíveis?

Eventos imprevisíveis podem mudar completamente o cenário econômico e afetar negativamente seus investimentos. Mas há instrumentos para proteger sua carteira

Conflito entre Israel e Palestina. Foto: HATEM MOUSSA/ASSOCIATED PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Conflito entre Israel e Palestina. Foto: HATEM MOUSSA/ASSOCIATED PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

No ano de 2003 o então Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, concedeu uma entrevista sobre as suas perspectivas para a invasão do Iraque, que aconteceria naquele mesmo ano. A entrevista ficou célebre pela classificação dos riscos que Rumsfeld atribuiu à operação militar. Para o secretário havia três situações possíveis:

(i) os fatores conhecidos (known knowns), as “coisas que sabemos.” Portanto, não são propriamente riscos, atuam mais como restrições ou limitações de atuação.

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(ii) Os riscos conhecidos (known unknowns), as “coisas que sabemos que não sabemos.” Assim, conseguimos mapear e nos preparar para as eventuais situações em que possam ocorrer. Para Rumsfeld o grande problema não estava nestas duas situações, mas sim na terceira.

(iii) os riscos desconhecidos (unknown unknowns), as “coisas que nem sabemos que não sabemos.” Trata-se de situações completamente fora do radar. Portanto, para as quais não havia qualquer planejamento ou preparação prévia e assim poderiam gerar prejuízos catastróficos.

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Apesar da entrevista ter sido considerado muito confusa pela imprensa dos Estados Unidos, a ideia de riscos desconhecidos (unknown unknowns) sendo os verdadeiros problemas na gestão de uma situação complexa, como uma guerra, foi incorporada a diversas áreas da gestão de contingências, como os riscos dos investimentos.

Nassim Taleb utiliza a imagem do cisne negro para esta situação de riscos desconhecidos. A alusão é que os ingleses ao chegarem na Austrália pela primeira vez se depararam com um evento completamente inesperado ao avistarem um cisne negro, já que todos os cisnes na Europa eram brancos.

Logo o evento de cisne negro é aquele completamente inesperado, e para Taleb, com grande impacto na economia ou sociedade. A imagem do cisne negro também é mais lúdica que a confusa expressão de Rumsfeld, os unkown unkowns.

Como o investidor deve lidar com os cisnes negros (unknown unknowns)?

Este é um grande desafio. A ideia mais intuitiva seja, talvez, melhorar nossas ferramentas de previsão do futuro. Para, desta forma, tentar prever os cisnes negros e transformá-los em riscos mapeados.

Contudo, por princípio, isto é impossível.

Não importa quão eficientes sejam nossas ferramentas de previsão, o futuro é incerto, opaco e desta forma sempre existirão eventos que não podem ser identificados antecipadamente.

Como prever os ataques terroristas de 11 de setembro? Ou a pandemia da Covid-19? Para ficar no evento mais recente, a guerra entre Israel e Hamas?

Mesmo as agências de inteligência dos Estados Unidos e de Israel, com todos os seus recursos, informantes, monitoramento em tempo real e total dedicação ao assunto, falharam na antecipação do evento. Não é possível prever tudo, portanto, sempre precisaremos contar com os cisnes negros.

Há diversas propostas para lidar (não prever) os cisnes negros, porém nesta coluna vamos abordar o Tail Hedge.

O que é Tail Hedge?

O termo Hedge se refere a uma estratégia que visa proteger investimentos contra riscos de flutuações no mercado. Já a expressão Tail, em português “cauda”, faz referência a uma distribuição de probabilidades na qual os eventos no centro da distribuição são bastante prováveis, enquanto os eventos na “cauda da distribuição” são bastante improváveis. Logo a ideia do Tail Hedge é proteger os investimentos dos eventos improváveis, algo semelhante aos cisnes negros.

Mark Spitznagel, autor de livros sobre o assunto e gestor do fundo Universa nos Estados Unidos (que possui Nassim Taleb como conselheiro) propõe a realização do Tail Hedge por meio de aquisição de pequenas quantidades de opções de venda (Put Options).

Estes instrumentos financeiros podem funcionar como um seguro em caso de queda acentuada no preço do ativo no qual estão vinculados.

Por exemplo, digamos que determinada ação está cotada hoje em R$ 20,00 e que a sua opção de venda custa R$ 1,00 com preço de exercício de R$ 17,00. A opção é válida por 1 mês. Assim, se ao final de um mês o preço da ação estiver acima de R$ 17,00 o investidor perde o valor de R$ 1,00. Este é o cenário mais provável e deve acontecer se não tivermos um evento de cauda.

Agora, digamos que ocorreu um evento muito negativo que fez o preço da ação se reduzir de R$ 20,00 para R$ 13,00. Neste caso o investidor receberá a diferença entre os R$ 13,00 e o preço de exercício de R$ 17,00. Assim com um investimento de R$ 1,00 receberá R$ 4,00 pela opção. No caso enquanto o preço da ação caiu de R$ 20,00 para R$ 13,00 (queda de 35%) a opção se valorizou 300%.

Para ilustrar a aplicação do Tail Hedge suponha a situação hipotética de um investidor possuir uma carteira com 59% de Tesouro Selic, 40% de ações do Banco do Brasil e 1% de uma opção de venda sobre ações do Banco do Brasil.

Então ocorre o evento que ficou conhecido como o “Joesley Day” em 2017, ou seja, a denúncia de corrupção feita por Joesley Batista, um dos principais acionista da JBS, contra o então presidente da república, Michel Temer. A denúncia foi divulgada à noite e no dia seguinte o mercado derreteu. Nesta hipotética carteira teria acontecido o seguinte:

Ativo na Carteira% na carteiraGanho / perda no Joesley DayEfeito total sobre a carteira
Tesouro Selic59%0%0%
Ações do Banco do Brasil (BBAS3)40%-20%-8%
Opções de venda sobre BB1%+700%+8%
Total100%0%
Fonte: autor/Rodolfo Olivo

Nesta carteira, após um evento tão imprevisível e impactante quanto à denúncia de corrupção, os ativos são impactados de forma diferente. O Tesouro Selic praticamente não sofre impactos, enquanto as ações do Banco do Brasil foram impactadas de forma extremamente negativa, chegando a cair 20% neste dia.

Uma vez que a carteira possui 40% do seu valor investido nestas ações, o impacto global para a carteira seria de uma perda de 8% (40% vezes -20%). Contudo o investidor estava protegido por meio de opções de venda que se valorizaram incríveis 700%, gerando um resultado que zerou as perdas das ações.

O poder multiplicador das opções de vendas, em eventos desfavoráveis, faz com que mesmo um pequeno investimento (1% da carteira) tenha um impacto muito benéfico, reduzindo o risco de cauda, ou seja, fazendo Tail Hedge.

Tail Hedge funciona?

Na teoria o Tail Hedge é ótimo, mas será que funciona na prática? Há controvérsias sobre isto. Os críticos argumentam que o custo de ficar adquirindo opções de venda indefinidamente é excessivamente alto, apenas para vê-las perderem todo o valor durante anos. Isto não compensa o ganho, ainda que alto, de um evento raro.

Para ilustrar, um investidor que adquire 1% de sua carteira em opções de vendas que vencem todo mês, teria um custo de carregamento de 12% ao ano, deixando o seguro extremamente caro. Um paralelo seria com os seguros de motocicletas, que algumas vezes podem atingir até 50% do valor do bem. Existe o seguro, mas ele geralmente é inviável, por ser excessivamente caro. Em dois anos sem a motocicleta ser roubada o custo do seguro ficaria maior que o valor do bem segurado.

Mark Spitznagel argumenta que é possível fazer Tail Hedge, mas não é algo trivial, exige planejamento, disciplina e adquirir as opções de vendas quando estão mais baratas, ou seja, em momentos justamente de mercados calmos e otimistas, quando parece que o investidor irá perder dinheiro com elas. Tem que saber fazer.

Apesar da controvérsia o Tail Hedge é um instrumento muito interessante para o investidor, mesmo pessoa física, conhecer e eventualmente considerar a possibilidade (ou não) de aplicá-lo a sua carteira. Este tipo de conhecimento deixa o investidor mais sofisticado, o que permite, estatisticamente, ganhar mais dinheiro com menos risco em longo prazo.

Evite ser um investidor mediano, tornar-se um investidor com mais conhecimento é inteligência financeira.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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