‘Não sabemos o que vem pela frente’ para a Selic, diz Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC

Ex-diretor do Banco Central, ele hoje é chairman da gestora Jive Investments

Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e atual chairman da Jive Investments - Foto: Divulgação
Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e atual chairman da Jive Investments - Foto: Divulgação

A ata da reunião de uma das reuniões do Copom mais animadas dos últimos tempos explicou o dissenso entre os técnicos do comitê de juros, afirma Luiz Fernando Figueiredo, chairman da Jive Investiments e ex-diretor do Banco Central (BC).

No entanto, o material não abranda o mal-estar do mercado com o racha da autarquia.

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Há dúvidas de qual a direção do BC para a Selic, tanto neste ano, quanto principalmente a partir do ano que vem, quando o presidente Roberto Campos Neto deixa a órgão.

“Nós não sabemos o que vem pela frente. Sai o Roberto Campos e sai mais um diretor. Como é que vai ficar? Vai ser uma versão mais flexível do arcabouço que a gente tem?”, questiona Figueiredo.

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Ele integrou o Copom e a direção do BC entre 1999 e 2003, período conturbado da economia, marcado por dúvidas sobre o fim da gestão de Fernando Henrique Cardoso e o início do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

Confira a entrevista dada para a Inteligência Financeira.

O que achou da ata do Copom? A explicação dada pelos diretores para o dissenso na reunião, com cinco diretores votando por um corte de 0,25 ponto porcentual e quatro diretores mantendo o guidance de 0,50 ponto porcentual o convenceu?

A razão colocada ali (na ata do BC) tem algum mérito. Eu tive quatro anos no BC e você tem realmente um certo conflito com o que diz, o que vê pela frente, com a situação que muda no meio do caminho, entre uma reunião e outra. Nós, inclusive, uma vez tivemos uma situação em que falamos: ‘O que a gente faz? A gente segue no guidance ou a gente faz o que acha que é correto, porque mudou o cenário?’ A gente acabou fazendo o que achávamos que era o correto, mudando o cenário.

Por isso que nunca fui muito favorável (sobre o BC) ficar guiando demais o mercado. Principalmente porque no Brasil as coisas mudam muito rápido. Então, tem que tomar muito cuidado. Tem que ter um cenário muito claro na sua direção.

Mas o que falar dessa decisão do Copom?

Eu acho que foi um erro muito grande desses diretores. Foi uma falta de percepção de quais são as prioridades. O fato de que todos aqueles diretores que vieram indicados do governo atual terem ido nessa direção, de corte de 0,50 ponto porcentual.

Por que? Sua avaliação é de que, naquele momento, o corte possível era o de 0,25 ponto porcentual?

O meu ponto nem é esse. Eu acho, inclusive, que poderia ter sido 0,50 (p.p.). Mas, uma vez que o presidente do Banco Central vem e diz que o cenário mudou, deixando muito claro que ele vai mudar o passo, se você não fizer, você tem um problema de credibilidade. Se ele não tivesse falado nada antes da reunião e continuasse o guidance, teria sido 50, que eu não acho que seria o problema.

Mas há críticas a Campos Neto por essas declarações, quando estava nos Estados, em reunião com o FMI. Há quem diga que ela tenha demonstrado uma preocupação desmedida com o passo do BC ao ver os dados de aquecimento da economia dos Estados Unidos.

Veja, é claro que no final a gente está falando aqui de um erro de comunicação. Mas o cenário de fato mudou. O Banco Central tem o seu estilo. Não dá para ficar elogiando ou criticando todas as decisões. Mas ele (o presidente Roberto Campos Neto) chegou a essa conclusão. Poderia ter a mesma situação de dissenso, só que mais embaralhada, para os diretores não terem sido aqueles que foram. Isso suscitaria menos discussão. Agora, esse dissenso foi uma mensagem. Que aumentou a incerteza, não há dúvida. Que a gente vai ter algum aumento de expectativas, eu não tenho a menor dúvida.

Em sua opinião, o BC saiu dessa ciclo de reunião do Copom pior do que entrou?

Sem a menor dúvida. Claro que a gente vai ter que ver as próximas decisões. Provavelmente a próxima vai ser unânime. Eu acho que a próxima é 25 (pontos base) e é unânime. Sendo assim, mitiga um pouco mais. Mas, essa dúvida vai ficar.

E como o mercado viu essa divisão atual de opiniões do BC?

Como uma coisa ruim. Por quê? Por que não dá pra dizer que o Banco Central atual é ultra hawkish. Eu classificaria muito mais como um Banco Central de bastante bom senso. Não é que não erra, todo mundo erra. Agora, nós não sabemos o que vem pela frente. Sai o Roberto Campos e sai mais um diretor. Como é que vai ficar? Vai ser uma versão mais flexível do arcabouço que a gente tem? Eu não acho que seja o que a gente quer, mas pode ser que essa versão (do BC) seja, por exemplo, menos focada nos 3% (de inflação ao ano). Pode ser que 3.5% para eles esteja bom, que está dentro da meta de inflação. Mas 3,5% não é o centro da meta.

Em sua visão, após a leitura da ata, o BC passou uma mensagem mais dura de combate a inflação?

Sim, a ata explica a razão pela divisão primeiro. E, segundo, deixa claro que há uma unanimidade relacionada ao cenário de inflação. Mas, sobre os juros, ele está deixando em aberto.

Qual é a sua expectativa para a trajetória da Selic?

O cenário é que o BC realize de uma a duas quedas de 0,25 p.p. A gente pensa muito menos como final de ciclo e mais como uma pausa. Para mais para a frente voltar a reduzir.

A partir da próxima gestão, após a saída de Roberto Campos Neto.

Sim, isso ai.

A tragédia climática do Rio Grande do Sul não aparece na ata do Copom. Você esperava por uma menção aos impactos econômicos do que está acontecendo do Sul do país neste documento?

Não, e é muito difícil falar alguma coisa hoje. Tudo é muito incerto. Agora, voltou a chover. Não sabemos quanto tempo essa crise vai demorar a se acalmar. Mas vai ter impacto em inflação, em juros e PIB.

E para o investidor, o que dá para falar sobre desempenhos dos ativos após o Copom?

Os ativos brasileiro de uma maneira geral estão na contramão do mundo. Para dar uma ideia, o nosso, o EWZ, da maioria das ações brasileiras em dólar, ele cai 8,5% este ano. Enquanto que a bolsa americana sobe 9,5%. O próprio câmbio depreciou bastante recentemente.

Por que isso?

Porque está ficando mais claro que o compromisso do governo com uma política fiscal que vai na direção da sustentabilidade reduziu. No início do ano, parecia que teria mais arrecadação, o governo resolveu gastar. Daí quando viu que isso se frustrou ele foi lá e mudou a meta. A percepção sobre a política fiscal piorou bem. Os números não pioraram tanto. Mas toda vez que a resposta é arrecadou mais, você gasta mais, arrecadou menos, você piora a meta, não é uma boa percepção.

E quando a gente fala em renda fixa, qual o tipo de ativo para navegar bem neste momento?

Eu gosto bastante dos títulos de inflação +, principalmente os isentos. Eu acho que é um bom momento, porque as taxas estão bastante altas. Você não precisa correr muito risco de crédito. Você pode comprar títulos de rating alto que pagam prêmios muito bons. Hoje é o momento para isso. E eu, com uma certa cautela, eu prolongaria a duration da minha carteira. Prolongaria para apreciar mais.

Títulos NTN-Bs de longo prazo?

Sim, títulos longos, de cinco, dez anos.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.

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