Projeções de inflação pioram e pressionam Banco Central

Desancoragem se aprofunda e mercado vê juros mais altos e por período prolongado

- Ilustração: Marcelo Andreguetti/IF
- Ilustração: Marcelo Andreguetti/IF

O desafio inflacionário, que já se mostrava grande, ganhou contornos ainda mais árduos. O processo de desancoragem das expectativas de inflação de médio prazo não tem dado trégua, o que se nota não apenas nas projeções dos economistas de mercado, mas também na inflação embutida nos ativos financeiros. Algumas casas já veem o IPCA em 10% neste ano. A consequência desse movimento é visível no mercado de juros, que tem sido pressionado ao refletir um cenário de taxas ainda mais altas e por um longo período.

A forte oscilação nas taxas das NTN-Bs, títulos públicos atrelados ao IPCA, ilustra a piora na percepção de risco inflacionário à frente. A inflação precificada pela NTN-B com vencimento em agosto já se aproxima de 9% – na sexta-feira, chegou a 8,73%. E, mesmo em prazos mais longos, a desancoragem das expectativas tem aumentado. A inflação precificada pela NTN-B com vencimento em agosto de 2050, que começou o ano em 5,19%, chegou, no fim da semana passada, a 6,39%.

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“O mercado tem operado a defasagem da gasolina nos últimos dias. As pessoas começam a fazer conta sobre o impacto do reajuste nos preços dos combustíveis e os efeitos secundários. A partir daí, elas começam a embutir prêmio de inflação na curva [nos vencimentos dos contratos de juros]”, aponta Pedro Nunes, gestor de renda fixa da ACE Capital, ao justificar o forte movimento de alta das expectativas inflacionárias no mercado. Ontem, a Petrobras anunciou um reajuste de 8,8% no preço do diesel nas refinarias, mas manteve os preços da gasolina inalterados.

Além da alta dos preços dos combustíveis no mercado internacional, Maurício Patini, gestor de juros Brasil da Absolute Investimentos, observa que os dados de inflação corrente no primeiro trimestre também ajudam a explicar a alta das estimativas de mercado, já que vieram acima do esperado “não somente para o número cheio, mas também para o qualitativo mais inercial”.

De acordo com Patini, esse cenário gera revisões à frente devido à alta correlação com grande parte dos preços administrados “e mostra que o trabalho do Banco Central ficou mais difícil, dado que o nível de espraiamento da inflação está mais generalizado”.

Não por acaso, os juros futuros têm sido muito pressionados nos últimos dias, na medida em que o mercado começa a ver com mais clareza um cenário de Selic ainda mais alta e por um período prolongado. “As pessoas têm um final de ciclo na cabeça, mas a nossa leitura é a de que, com a inflação subindo, é difícil o BC indicar que vai parar. É um risco muito grande. Achamos que uma alta de 0,50 ponto na próxima reunião é piso”, afirma Nunes, da ACE Capital.

Para ele, um provável reajuste nos preços da gasolina e a inflação externa ainda bastante pressionada mostram um trabalho difícil à frente para o BC. “Acho muito arriscado para ele, como ‘policy maker’, não deixar a inflação controlada e ter de subir os juros de novo mais à frente. Ele não pode correr esse risco. Por isso achamos que o BC pode acabar subindo um pouco mais os juros”, afirma Nunes.

A preocupação em torno de um cenário inflacionário ainda mais desafiador também se materializa nas projeções de economistas de mercado. Na semana passada, o J.P. Morgan elevou sua projeção para o IPCA de 2022 de 8% para 9,1%; o Safra aumentou sua estimativa de 7,3% para 8,1%; o Itaú Unibanco passou a ver o IPCA em 8,5%, e não mais em 7,5%; o Banco do Brasil elevou sua projeção de 7,8% para 8,5%; e o BNP Paribas passou a esperar que a inflação encerre o ano em 10%, e não mais em 8,5%.

Parte da piora recente das expectativas reflete choques de oferta agrícolas; a proximidade do verão americano, que deve elevar a demanda por diesel; e a possibilidade de sanções europeias ao petróleo russo. “É bem provável vivermos um período de escassez de oferta grande [de combustíveis] nos próximos dois, três meses”, afirma Carlos Thadeu Freitas Gomes Filho, economista sênior da Asset 1. A preocupação se traduz em um IPCA projetado em 9,5% para 2022, com chances de chegar 10% com um eventual reajuste da gasolina, e em 5% para 2023.

Na revisão de cenário macroeconômico da BTG Pactual Asset Management, a economista Stefanie Birman revela que a casa agora trabalha com uma inflação de 9,7% neste ano e de 6% em 2023. “O que observamos foi uma alta mais ampla das expectativas”, diz. Birman aponta, ainda, que, em relação ao IPCA no curto prazo, a BTG Asset espera que, no intervalo entre março e maio, o IPCA fique 1 ponto percentual acima da projeção do BC revelada no Relatório de Inflação de março. Lá, a autoridade monetária estimou que o IPCA entre março e maio ficaria em 2,1%.

Para Paulo Val, economista-chefe da Occam, a perspectiva de uma inflação global mais alta e resiliente é cada vez mais presente na composição dos cenários. “Sem dúvida, será um desafio para o nosso BC. Na década passada e na anterior, a inflação global foi um vetor de desinflação para nós, e isso é uma coisa importante que mudou”, afirma. A Occam projeta 8,4% para o IPCA deste ano e 4,6% para o próximo, mas ambos os números têm viés de alta.

Val diz esperar mais uma alta de 0,50 ponto na Selic em junho, o que levaria a taxa a 13,25%, e, depois, o BC esperaria passar o processo eleitoral para avaliar qual será a nova política fiscal. “Se forem políticas de consolidação, que realmente controlem o gasto de forma mais clara e a sociedade perceba dessa forma, acho que alivia um pouco a política monetária.”

Olhando para um horizonte mais longo, Val diz que pesa o fato de a inflação estar acima da meta desde o fim de 2020 e acima do teto desde o começo de 2021. “Já é um período prolongado.”

A política fiscal pode ser grande interrogação no cenário prospectivo. “Tem essa incerteza sobre qual será o arcabouço fiscal a partir do ano que vem, independentemente de quem ganhar as eleições. Isso é um vetor inflacionário”, afirma. A isso e aos desafios externos, soma-se o fato de que os emergentes têm um problema mais crônico de inflação. “Todo esse ambiente de incerteza em torno do cenário inflacionário gera uma demanda por mais prêmio, mesmo em horizontes mais longos”, diz Val.

A Apex Capital espera alta de 8,2% no IPCA deste ano, mas há “claramente” um risco de alta nessa projeção, diz o economista-chefe da gestora, Alexandre Bassoli. “O problema inflacionário, não só no Brasil, mas no mundo, tem se mostrado mais grave e persistente do que o mercado supunha. Então, a direção das revisões tem sido para cima”, afirma.

Bassoli reforça que é importante olhar para a situação brasileira no contexto de um aumento inflacionário global, na esteira dos problemas nas cadeias de suprimentos, da guerra na Ucrânia e das restrições de mobilidade na China. Além disso, a recuperação da economia brasileira, com surpresas positivas nos dados de atividade, também é citada pelo economista.

“Essa combinação de aumento da mobilidade pela melhora das condições sanitárias, de preços de commodities em patamares elevados nos últimos trimestres e de políticas fiscais e parafiscais expansionistas tem contribuído para um cenário melhor da atividade”, diz Bassoli, ao projetar crescimento de 1,5% neste ano. “Evidentemente, isso tem repercussão sobre a inflação, especialmente a de serviços. Anualizada, ela está rodando um pouco acima de 8%, sendo que fechou o ano passado em 4,8%.”

Bassoli nota, ainda, que o índice de difusão (percentual de itens do IPCA com alta de preços no mês) atingiu 76% em abril, maior nível em quase 20 anos. “Em abril do ano passado, estava em 58%. É um aumento muito significativo”, diz. Isso, para o economista, é uma questão preocupante do ponto de vista de política monetária, já que uma gama maior de preços subindo indica um processo inflacionário que tende a ser mais enraizado. A Apex projeta o IPCA em 5% em 2023.

Gomes Filho, da Asset 1, também projeta o IPCA em 5% no fim do próximo ano, ao entender que ainda há um movimento inercial do choque de oferta cujos efeitos vão chegar a 2023. “O que o BC precisa fazer agora é mostrar ao mercado que, em seu modelo, com Selic constante, a inflação irá para a meta”, afirma. O economista nota que o mercado de juros coloca nos preços cortes consideráveis na Selic já no curto prazo.

“O mercado tem que entender que o juro precisará ficar alto por um período suficientemente longo. Isso ajudaria a gerar uma convergência das expectativas de inflação”, diz o economista. Para ele, o BC, ao mostrar que está atento às expectativas inflacionárias, deve seguir pelo caminho de juros mais altos por mais tempo.

Em seu cenário-base, a Asset 1 projeta a Selic em 13,25% no fim do ciclo, com viés de alta e vê a taxa em 10,5% em dezembro de 2023.

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