Saiba o que as roupas dos candidatos da eleição 2022 querem dizer, segundo analistas

Segundo consultores, há uma busca por ‘ser mais povão que antes’

Foto: Bruno Kelly/Reuters e Mauro Pimentel/AFP
Foto: Bruno Kelly/Reuters e Mauro Pimentel/AFP

“Quanta elegância, quanta modéstia, quanta contenção de gastos, quanta compaixão com os mais pobres.” Ciro Gomes (PDT) usou o Twitter para comentar em junho, ainda na pré-campanha, uma foto em que Lula (PT) aparece trajado de blazer, chapéu e tricô saindo de um jatinho. Meses depois, ele formaria junto a outro rival nesta eleição, Jair Bolsonaro (PL), a única dupla de candidatos cujas fotos nas urnas irão exibir gravatas. Símbolo do poder econômico, um modelo de seda azul aparecerá na imagem do pedetista combinado a um dos paletós bem cortados de sua coleção.

Se a ideia de Ciro era apontar algum desajuste entre o discurso e a prática do petista – à frente nas pesquisas, especialmente entre famílias com renda até um salário mínimo -, um relógio suíço Piaget visto no pulso de Lula teve um efeito similar.

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A peça foi usada em março durante evento do PCdoB e, segundo o ex-presidente disse a aliados em reunião do Psol, teria sido um presente dos tempos de presidência. O fato, no entanto, causou celeuma e a foto foi extirpada das redes do partido. Não sem antes servir de munição para críticas de bolsonaristas.

Baseados na imagem de homem simples vendida por Bolsonaro, os apoiadores do atual presidente não apontaram, porém, que até a campanha de 2018 ele próprio exibia jogadores de polo costurados em abrigos da grife americana Ralph Lauren – aliás, uma marca de estilo do antigo aliado e ex-governador João Doria (PSDB).

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Essa guerra de tesouras e versões ganhou tintas novelescas no cenário polarizado do pleito, revelando o policiamento e a preocupação com a autoimagem.

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Especialistas ouvidos pela reportagem, alguns deles em condição de anonimato, afirmam que as escolhas de estilo hoje estão apoiadas no termômetro das pesquisas eleitorais. Procuradas, as assessorias de Lula, Bolsonaro e Ciro não responderam aos questionamentos da reportagem até o fechamento desta edição.

Comenta-se que na corrida pela simpatia do eleitor, os candidatos procuram ser “mais povão” que no passado. Significaria, por exemplo, adotar mais camisetas polo no contato corpo a corpo com os eleitores e deixar os itens de alfaiataria apenas para santinhos e debates televisionados. As peças casuais suplantaram o combo de paletó, calça social, camisa e gravata.

Postulante ao governo da Bahia, ACM Neto (União Brasil) teve os jacarés de seu armário Lacoste descosturados. O objetivo seria diminuir a rejeição entre as camadas mais pobres do estado. Por outro lado, Jerônimo Rodrigues (PT), segundo colocado na corrida, tem optado por camisas e tons frios, como o azul, historicamente vinculado aos partidos mais à direita do espectro político, porque precisaria do apoio desse segmento para diminuir a distância para ACM Neto. A reportagem não conseguiu contato com representantes das campanhas.

A tentativa de aproximação com o eleitor não se restringe à questão da renda per capita. No pleito em que 33,3% dos postulantes são mulheres, parte delas explora cores e sobreposições para defender a pauta da equidade.

Na sabatina do “Jornal Nacional”, no mês passado, Simone Tebet (MDB) combinou o blazer azul com camisa rosa choque. Erika Hilton (PSOL), uma das porta-vozes do movimento LGBTQIA+ em São Paulo, usa a cor em tom dessaturado na foto de sua candidatura a deputada federal.

O rosa ganhou projeção no meio político após a Marcha das Mulheres nos Estados Unidos, em 2017, quando milhares foram às ruas americanas com toucas dessa cor para protestar contra as falas misóginas do presidente recém-empossado, Donald Trump.

A assessoria da candidata não confirma se a escolha pelo rosa seria uma referência à pauta feminina, mas um porta-voz da campanha aponta que Tebet escolhe seus próprios conjuntos, sempre básicos e sóbrios.

Cores seriam elementos cruciais na nova composição imagética do xadrez brasileiro e ganham força, curiosamente, menos pelo viés partidário e mais pelo efeito na audiência. A mistura de cinza e branco virou padrão. Ela que forrou, por exemplo, os conjuntos de três dos cinco candidatos, de situação e oposição, no debate para o governo do Rio de Janeiro organizado no dia 22 por Valor, “O Globo” e CBN.

De acordo com a consultora de coloração pessoal Luciana Ulrich, o cinza transmite “uma ideia de modernidade e um olhar para o futuro, porque remete ao futurismo do prateado”. Dona da consultoria Studio Imaginne, ela explica que o branco “perdeu o sentido de nobreza no contexto político” para ganhar contornos de “limpeza moral”.

Mesmo o laranja elétrico do Partido Novo, que chegou ao cenário defendendo uma renovação dos quadros em Brasília, foi escanteado no armário dos postulantes para ser usado apenas em peças publicitárias. “É uma cor que transmite jovialidade, mas não credibilidade”, afirma Ulrich, citando noções da psicologia das cores.

O vermelho petista também está mais restrito, nesse caso, aos detalhes das poucas gravatas usadas por Lula em encontros formais como o da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em agosto, quando foi sabatinado por empresários. A peça tinha linhas vermelhas sobrepostas ao dourado, o tom da prosperidade econômica.

Quando fala às bases, o look se altera. No mesmo agosto, em discurso na cidade de Teresina, no Piauí, o branco de sua camisa era bordado com flores vermelhas. De acordo com fontes consultadas, elas remetem ao trecho do discurso em São Bernardo do Campo, um dia antes de sua prisão, em 2019, no qual Lula disse que “poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais poderão deter a chegada da primavera”. A fala hoje é usada em áudio nos comícios do petista, e o palco, tomado por flores.

Segundo o doutor em semiótica e estilista de moda masculina Mario Queiroz, o ex- presidente tentaria se aproximar do eleitorado jovem ao apostar em peças de jeans – estratégia que também é adotada por Ciro Gomes – e em roupas que emulam “líderes contemporâneos do cenário internacional”. Bolsonaro, por sua vez, adotaria um ideal de masculinidade normalizada em estratos conservadores, com mais sobreposições que transmitiriam a mensagem “de estar escondido em suas próprias ideias” e rechaço ao uso de tons coloridos.

A análise se estende às roupas do presidente em motociatas. Monocromático, ele opta por peças vinculadas ao teor militarista de seu discurso, como o preto e os que tingem folhagens nos uniformes do exército. Os costumes e as camisas são cortadas pelo alfaiate particular, o carioca Santino Gonçalves, que fez o conjunto da posse, em 2018, e criou o padrão de costurar duas linhas, verde e amarela, nas lapelas do cliente. A dupla cromática viraria a principal ferramenta de distinção do bolsonarismo.

Duas produtoras de estilo apontam que a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, pode ter feito o papel de equalizadora do discurso, ou “ajudadora”, para citar o adjetivo usado pelo marido. Se na posse ela exibiu decote e mechas loiras, agora suas roupas verdes, amarelas e azuis surgem quando Bolsonaro aparece em conjuntos sóbrios. Os vestidos de comprimento mídi, os cabelos escuros e a maquiagem leve falariam a mulheres de perfil conservador e manteriam perto a parcela de eleitores evangélicos

Consultora de imagem cujo currículo inclui nomes do PSDB, PSOL, MDB e PT, a brasiliense Marcia Rocha pondera que, apesar do decoro no figurino, o presidente estaria desajustado no uniforme. “Os punhos nunca estão aprumados e os botões das camisas [usadas nas ruas] sempre aparecem abertos em cima”, afirma Rocha.

Agora virou moda em Brasília chamar alfaiates para cortar costumes sob medida, embora os neófitos, diz ela, ainda prefiram gastar o auxílio paletó em marcas estrangeiras, como Burberry, Zegna e Calvin Klein. “Sempre questiono, ‘por que gastar dinheiro público com marcas se dá para empregar brasileiros?’. Um já me disse que bastava ir à Armani e estava tudo certo”, conta.

Marcas não figuram nas falas dos candidatos, mas é público que algumas fazem sucesso em Brasília. O estilista Ricardo Almeida relembra que, quando vestiu o ex- presidente do Partido Nacionalista Peruano Ollanta Humala, há mais de dez anos, não dizia “porque poderia pegar mal para ele usar uma marca de fora do país”. “Estou afastado [das consultorias]. Eles [os políticos] compram, mas não fecho mais com ninguém. Se você faz um, falam, se faz outro, falam também”, diz Almeida. Em 2002, ele vestiu Lula na campanha de seu primeiro mandato presidencial. Neste ano, Michelle Bolsonaro foi vista com conjuntos de alfaiataria do estilista.

A receita de estilo na política é complexa e parece oscilar, para usar as palavras de Ciro Gomes, entre a adoção de uma modéstia por compaixão aos mais pobres e uma elegância pouco dada à contenção de gastos. Os críticos desse desfile são os próprios eleitores.

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