Liz Truss é escolhida como nova primeira-ministra do Reino Unido
Thatcheriana e camaleoa política, a chanceler terá como missão principal ressuscitar a enfraquecida economia britânica
Confirmando as pesquisas, o Partido Conservador britânico anunciou nesta segunda-feira que a chanceler Liz Truss será sua nova líder e, consequentemente, sucessora de Boris Johnson no comando do Reino Unido. A nova primeira-ministra será a terceira mulher a ocupar o cargo, seguindo o caminho desbravado pela “dama de ferro” Margaret Thatcher (1975-1990), sua ídola, e a também correligionária Theresa May (2016-2019).
Truss, de 47 anos, derrotou Rishi Sunak, ex-ministro das Finanças, por 81.326 a 60.399 votos. O trabalho que tem pela frente, contudo, não é nada invejável: herda um Reino Unido onde o custo de vida é estratosférico, a inflação está em seu maior patamar em quatro décadas e os impactos do Brexit provam-se catastróficos.
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A chanceler travou uma campanha brutal para conquistar o apoio dos cerca de 172 mil filiados do Partido Conservador, ou 0,3% dos 66 milhões de britânicos, nas últimas sete semanas — e cerca de 82,6% deles foram às urnas. Truss assumirá o poder na terça, quando viajará com Boris, forçado a renunciar em 7 de julho após uma série de escândalos, a Balmoral, na Escócia, para ser empossada pela rainha Elizabeth II. Em seguida, voltará a Londres para anunciar seu Gabinete.
Será a primeira vez em sete décadas que a passagem de bastão não ocorrerá no Palácio de Buckingham, em Londres, devido às férias da chefe de Estado de 96 anos e aos problemas de mobilidade que a afastam de suas tarefas públicas. O encontro com Elizabeth II seria algo inimaginável para a jovem Truss, que em seus tempos universitários defendia o fim da monarquia.
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Frequentou a prestigiosa Oxford, onde estudou Política, Filosofia e Economia e chefiou o braço estudantil dos liberais-democratas. Foi representando o grupo que disse, em uma conferência há 28 anos na cidade de Brighton, “não acreditar que há pessoas que nascem para mandar”.
Desde então, trocou a centro-esquerda pela direita, passou a afirmar que a família real é “essencial” para o Reino Unido e a descrever seu eu jovem como uma “controversialista profissional”. Para aliados, a nova líder está sempre disposta a ouvir e mudar de ideia. Já os críticos a acusam de privilegiar interesses a valores.
Ex-crítica do Brexit
Truss também trocou de posicionamento sobre o divórcio britânico da União Europeia (UE). No referendo de 2016, defendia a permanência no bloco, afirmando que seria benéfico para a economia do país. Hoje, é uma eurocética ferrenha.
Não apenas defende a ruptura com unhas e dentes, como trava imbróglios perenes com Bruxelas para mudar os termos do pacto de saída que ela mesma ajudou a negociar enquanto esteve na chefia do Comércio Exterior, até o ano passado. Como chanceler, quis forçar a UE a esquecer os termos combinados de modo a favorecer o Reino Unido, principalmente no que diz respeito ao impasse norte-irlandês.
A perspectiva, portanto, é que o relacionamento bilateral não melhore muito sob a direção da nova premier. Disse nos últimos dias que “o júri ainda não decidiu” se o presidente francês, Emmanuel Macron, é um “amigo ou inimigo”. A resposta vinda da outra margem do Canal da Mancha reflete o pessimismo.
“Se os franceses e britânicos não são capazes de dizer se são amigos ou inimigos, e esse termo não é neutro, nós vamos ter um problema”, disse Macron.
Apesar dos atritos políticos, a UE e seus aliados em Washington não correm risco aparente de perder o apoio britânico à Ucrânia e à Organização do Tratado do Atlântico Norte. Como chanceler, Truss não só envia armas ao governo de Volodymyr Zelensky, como foi uma das arquitetas da enxurrada de sanções ocidentais contra o regime de Vladimir Putin — medidas essas que têm impactos nefastos para a economia britânica.
Riscos econômicos
Junto com a fé inabalável no livre-comércio, promete implementar uma política fiscal que levanta as sobrancelhas de especialistas: promete cortar os impostos e aumentar os investimentos no Estado, o que deve aumentar a dívida pública em 60 bilhões de libras. O país, contudo, deve entrar em uma recessão ainda neste ano e sair só em 2024, prevê o Banco Central da Inglaterra.
A inflação está na casa dos dois dígitos, passando de 10%, e o banco americano Goldman Sachs estima que os índices de preços ao consumidor podem bater os 22% no ano que vem, aproximando-se do recorde no pós-guerra. Truss promete agir rápido para combater o aumento do custo de vida e apresentar um plano dentro de uma semana após sua posse para aliviar o preço das contas de luz.
Recusa-se, contudo, a dar mais detalhes sobre o que pretende fazer, mas o jornal Financial Times noticiou que cogita congelar o preço da energia ao menos para os mais vulneráveis. A imprensa estima que a iniciativa energética pode custar mais de 100 bilhões de libras.
O Partido Conservador põe a culpa do desastre econômico no cenário mundial, apontando para as consequências da Covid-19 e a disparada no preço dos alimentos e do combustível após a guerra na Ucrânia. Evitam olhar para o Brexit, apesar dos impactos não serem tão sutis.
A previsão, por exemplo, é que o Reino Unido tenha o segundo menor crescimento entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico no ano que vem. Será vice-lanterna da Rússia, impactada pelas sanções ocidentais. Números do próprio governo mostram que mais da metade dos negócios britânicos viram seus encargos regulatórios aumentarem após o divórcio. Nada disso, contudo, foi um problema para o eleitorado conservador de Truss.