Mesmo com desafios, novo governo Trump também abre oportunidades ao Brasil
País deve ficar de fora das primeiras levas das novas tributações e pode até mesmo se beneficiar do novo cenário
O primeiro dia do novo mandato do presidente americano Donald Trump deu a letra de como serão os próximos quatro anos nos Estados Unidos: uma administração mais voltada para as questões internas e impondo barreiras tarifárias às demais nações.
Ainda que o Brasil possa ser afetado com a mudança de gestão, especialistas ouvidos pelo Valor avaliam que o país pode ficar de fora das primeiras levas das novas tributações e pode até mesmo se beneficiar do novo cenário.
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O momento ainda é de incerteza, já que Trump ainda não assinou nenhuma ordem presidencial definindo as sobretaxas que o republicano promete desde a campanha à Casa Branca. Nesta segunda-feira, o ato do presidente americano para a área comercial externa direciona apenas as agências federais para estudar as relações dos EUA com a China e com os vizinhos do continente americano.
“Em princípio, [Trump] torna o cenário internacional mais hostil, mais imprevisível. Mas, ao mesmo tempo, abre oportunidades também”, pontua Oliver Stuenkel, professor da FGV e pesquisador-visitante da Kennedy School da Universidade Harvard.
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Trump e o Brasil
Na visão do especialista, o novo governo Trump terá uma atuação americana mais transacional, menos comprometida com o sistema multilateral e com o combate às mudanças climáticas — o que pode sim, diz Stuenkel, complicar o Brasil. Contudo, o professor aponta que há espaço para o país se sobressair.
“O Brasil está muito bem posicionado para resistir a essas posturas mais agressivas do Trump. Também não está na primeira linha de fogo, ou seja, está um pouco longe do radar dele, o que é algo positivo. O Brasil tem laços fortes com a Europa e com a China, além de ter potencial de ampliar as relações com seus vizinhos, com a Índia e com o Oriente Médio”, afirma.
A avaliação da diretora do Brazil Institute no Woodrow Wilson Center em Washington, Bruna Santos, vai ao encontro do professor da FGV. A especialista em relações internacionais avalia que na política internacional o Brasil é visto como um “parceiro importante em algumas agendas”.
Entretanto, Santos acredita que é necessário que o Brasil tenha mais “clareza na definição dos contornos”. Para a diretora, para manter sua posição, o país deve identificar prioridades estratégicas, manter um posicionamento coerente, reconhecer capacidades e limites reais, equilibrar interesses domésticos e internacionais, e comunicar-se de maneira transparente com parceiros globais.
Segundo o cientista político Hussein Kalout, ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência brasileira, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem dado indicativos de que seguirá o caminho para manter um posicionamento estratégico diplomático, inclusive com os Estados Unidos.
“O Brasil tem três caminhos a adotar na relação com a administração Trump 2.0: o pragmatismo, o distanciamento ou o antagonismo. Isso depende muito de como o Trump irá traçar a sua estratégia para o Brasil. O governo brasileiro tem dado demonstrações de boa vontade e inclinações claras pelo pragmatismo. Contudo, isso precisa ser correspondido”, afirma Kalout.
O ex-secretário continua: “Há uma relação profunda de interdependência econômico-comercial e interesses estratégicos mútuos. O Brasil não é inimigo e tampouco é adversário dos EUA nas relações internacionais.”
O presidente da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham), Abrão Neto, reforça o argumento de Kalout ao destacar que o comércio bilateral é “muito favorável” tanto para os brasileiros como para os americanos. “Nós tivemos, em 2024, o recorde das vendas brasileiras de bens industriais para os Estados Unidos, mais de US$ 31 bilhões, o que consolidou o país como o principal mercado de exportações brasileiras de bens industriais”, diz.
Diálogo entre os países
Sobre as promessas do presidente Trump de revisar a política comercial americana, Neto ressalta que, embora o tema seja uma prioridade para empresas que mantêm comércio com os EUA, ainda é cedo para avaliar o impacto de possíveis tarifas.
“Para se fazer uma avaliação dos principais setores que poderiam ser afetados, é importante aguardar a definição do formato e do conteúdo dessas medidas”, diz. Ele observa que os EUA é um dos parceiros comerciais com os quais o Brasil tem a maior diversificação setorial, desde o setor siderúrgico, máquinas e aeronaves até celulose, café, carne e suco de laranja.
Apesar das incertezas, Neto é otimista sobre a possibilidade de um diálogo construtivo entre os dois países. “Nossa avaliação e expectativa é que se tenha um espaço para discussões entre os dois governos, buscando uma solução negociada. Há diversos mecanismos bilaterais consolidados entre Brasil e Estados Unidos para se discutir questões comerciais”, diz.
Feliciano Guimarães, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, avalia que os principais alvos de Trump no momento são China, México e Canadá, com quem os Estados Unidos têm os maiores déficits.
Segundo o especialista, o presidente americano tem vários instrumentos à mão para aplicar tarifas, desde a lei de comércio de 1974 e as mudanças feitas nela depois, até mecanismos de emergência econômica — sendo um deles o tamanho do déficit comercial com outros países.
“Se o déficit for muito alto, Trump pode aplicar o instrumento, e o déficit que os americanos têm com a China, com o México e com o Canadá é muito alto”, afirma.
Já o Brasil, diz o professor da USP, é um dos poucos países do mundo com os quais os americanos têm um superávit. “Foi um pequeno superávit comercial esse ano, mas ainda assim é um superávit. Isso diminui o incentivo para o governo americano aplicar tarifas contra setores específicos brasileiros, mas os mais sensíveis são os de aço e de motores”.
Com informações do Valor Econômico