Como Kamala Harris vê a política

Surgimento de Kamala Harris como provável candidata democrata desde que o presidente Biden abandonou a disputa no domingo volta as atenções para as visões políticas e o estilo de governo da vice-presidente

Kamala Harris, atual vice-presidente dos Estados Unidos e candidata democrata à Casa Branca Foto: Divulgação/Wikimedia Commons
Kamala Harris, atual vice-presidente dos Estados Unidos e candidata democrata à Casa Branca Foto: Divulgação/Wikimedia Commons

Antes de um almoço com a vice-presidente Kamala Harris na Casa Branca em março, o presidente-executivo do JP Morgan Chase, Jamie Dimon, não sabia o que esperar. Dimon não tinha certeza de sua agenda política em relação à economia e os negócios.

Suas interações anteriores com Kamala tinham sido limitadas, embora os dois tivessem tido um intercâmbio tenso quase uma década antes, quando ela era procuradora-geral da Califórnia durante a crise de inadimplência dos financiamentos imobiliários.

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Ele saiu do encontro na Casa Branca pensando que Kamala tinha sido razoável e aberta a melhorar a forma como o governo e as corporações podem trabalhar juntos, disseram fontes a par da discussão.

O surgimento de Kamala Harris como provável candidata democrata desde que o presidente Biden abandonou a disputa no domingo volta as atenções para as visões políticas e o estilo de governo da vice-presidente.

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Qual é o perfil político?

Dado o seu breve período no Senado e o fim precoce de sua candidatura presidencial, Dimon e outros afirmaram saber pouca coisa sobre suas posições, o que foi suficiente para os republicanos a classificarem como uma liberal radical nos últimos quatro anos.

Ela também teve dificuldades para formular uma mensagem de campanha consistente quando concorreu à presidência, abrindo espaço para os críticos argumentarem que suas posições eram baseadas em oportunismo político.

“Houve um pouco de confusão nas primárias democratas de 2020, mas eu acho que os três anos e meio de serviço na Casa Branca esclareceram isso”, disse Matt Bennett do centro de estudos Third Way, de tendência política centrista. “Ela tem sido a moderada pragmática que vimos quando ela estava na Califórnia e no Senado.”

Ênfase no direito ao aborto

Se ganhar a indicação do partido, é pouco provável que Kamala altere dramaticamente as posições políticas adotadas pela campanha Biden tão perto da eleição, afirmam alguns de seus aliados.

Ela já vinha percorrendo o país defendendo as políticas do governo, centrando sua mensagem no direito ao aborto – e as liberdades democráticas que seu partido diz que estariam ameaçadas se o candidato republicano Donald Trump conseguir outro mandato em novembro.

A campanha de Trump sinalizou que atacará Kamala não só por seu tempo como vice-presidente, como também por seu histórico na política californiana, inclusive como procuradora-geral.

“Kamala será ainda pior para o povo da nossa nação do que Joe Biden”, disseram os assessores de Trump Chris LaCivita e Susie Wiles em um comunicado no domingo. “Eles são responsáveis pelos históricos um do outro e não há distância entre os dois. Kamala precisa defender o governo fracassado de Biden e seu histórico liberal e fraco no combate ao crime na Califórnia.” Um representante de Kamala não respondeu a um pedido para comentários.

Mais experiência jurídica do que política

Ao contrário de Biden, o perfil nacional de Kamala foi construído com base em sua experiência jurídica – e não sobre grandes propostas políticas ou negociações legislativas. Ela chamou pela primeira vez a atenção dos ativistas democratas e grandes doadores por sua abordagem agressiva ao questionar os nomeados do governo Trump.

Também em contraste com o presidente, que ao longo de sua carreira política alinhou-se ao centro do Partido Democrata, as visões de Kamala não foram tão claramente definidas em termos ideológicos.

Kamala forma suas opiniões após deliberações detalhadas, segundo fontes que já trabalharam com ela ao longo dos anos, e reluta em apoiar sempre mudanças políticas imediatas e abrangentes.

“Ela realmente quer entender quais são os dados e as evidências para apoiar um possível curso de ação”, diz Jill Habig, que trabalhou para Kamala em diferentes funções, incluindo diretora de políticas em sua campanha para o Senado. “Ela realmente quer entender não apenas a ideia na teoria, mas como ela de fato vai funcionar na prática. Ela sempre diz: ‘Fale comigo, como isso vai chegar às ruas?’ Como isso vai realmente funcionar para as pessoas reais em suas vidas ocupadas?”

Ponte entre setores do partido Democrata

Durante as primárias de 2020, que se concentraram bastante em especificidades políticas, com os candidatos se alinhando claramente à ala moderada ou à progressista do partido, Kamala se apresentou como uma ponte entre os dois lados, com o apoio de ideias liberais, mas planos de menor alcance.

Em Wall Street, porém, ela ganhou a reputação de defensora pública progressista em parte por causa de como processou grandes bancos por suas atuações quando era procuradora-geral da Califórnia entre 2011 e 2017.

Ela processou bancos como o JP Morgan Chase, Bank of America e Citigroup, além de grandes agências de classificação de crédito como a Standard & Poor’s, e a maior parte dessas instituições resolveram os litígios e pagaram ao Estado centenas de milhões de dólares.

Deanne Millison, ex-assessora-chefe de economia da vice-presidente, diz que Kamala enfrentava as corporações quando necessário, mas também podia trabalhar com elas. “Ela sempre nos lembrava que os problemas que estamos tentando resolver são grandes demais para o governo resolver sozinho”, diz Millison. Ela menciona os financiamentos do setor privado que Kamala levantou nos esforços do governo para investir na América Central e enfrentar as causas da migração.

Divergências com Biden

Biden e Kamala tiveram algumas diferenças políticas no passado. A divergência baseou-se, em parte, nas diferentes experiências de vida dos dois democratas e na abordagem à elaboração de políticas.

Aqueles que trabalharam com ela dizem que a primeira-vice-presidente mulher, negra e filha de imigrantes da história dos EUA, enfatiza o impacto das decisões políticas através da visão das mulheres, crianças e minorias.

Ela foi uma grande apoiadora da política de direitos reprodutivos ao longo de sua carreira. Continuou sendo uma líder no governo na defesa do direito ao aborto, depois que a Suprema Corte derrubou a Lei Roe versus Wade em 2022, que havia estabelecido o direito constitucional ao aborto. Ela também defendeu políticas para abordar as mudanças climáticas, o acesso à habitação e a reforma da justiça criminal.

Biden, que se refere a si mesmo como “Joe Classe Média”, é conhecido por adaptar suas visões políticas à classe média e o trabalho organizado. Suas políticas, embora às vezes incrementais, têm se concentrado em reduzir alguns custos para os americanos, como os dos medicamentos prescritos e o cancelamento de parte das dívidas estudantis.

Como veterano da política externa, Biden teve que dar nos últimos anos uma ênfase no fortalecimento das democracias contra as autocracias, retratando Trump como uma ameaça à democracia.

O que Kamala pensa sobre grandes temas

As principais áreas de política em que há algumas diferenças entre Biden e Kamala são a saúde, o comércio, o clima e os impostos.

Como senadora, Kamala apoiou o Medicare for All, que mudaria o sistema de saúde de seguros privados e baseado no empregador para um programa administrado pelo governo. Mas em 2020, durante sua candidatura à Casa Branca, ela divulgou uma proposta mais moderada de ampliar o acesso ao Medicare, mantendo ao mesmo tempo o sistema de seguros privados intacto. E desde que se juntou à chapa presidencial de Biden, Kamala vem apoiando seu plano, que propõe desenvolver o sistema com base na Lei de Cuidados Acessíveis.

No comércio, Kamala se opôs a dois grandes acordos comerciais recentes que Biden apoiou, o Acordo EUA-México-Canadá (USMA) e a Parceria Transpacífico (TPP). Ela foi um dos apenas dez senadores que votaram contra o USMA, uma versão renegociada do Acordo de Livre Comércio da América do Norte firmado no governo Trump, argumentando que as disposições ambientais eram insuficientes. Ela também foi contra a TPP como candidata ao Senado, afirmando que ele não fazia o suficiente para proteger o meio ambiente e as regulamentações trabalhistas.

O histórico climático de Kamala tem sido sem dúvida a parte mais liberal de seu portfólio político. Ela apoiou o New Deal Verde e a proibição da exploração de petróleo por fratura hidráulica (“fracking”). Biden concorreu com a plataforma de proibir o fracking, mas apenas na produção de petróleo e gás em terras federais. Como presidente, Biden fez mais pelo enfrentamento às mudanças climáticas do que qualquer um de seus antecessores, gastando US$ 1 trilhão em créditos fiscais, subvenções e empréstimos para o desenvolvimento de energias limpas.

Como candidata presidencial, Kamala propôs a revogação total dos cortes de impostos de 2017 decretados por Trump e pelos republicanos do Congresso. Como candidato e como presidente, Biden apoiou a manutenção dos cortes de impostos para as pessoas que ganham menos de US$ 400 mil por ano, e o pagamento integral dessas prorrogações com a criação de novos impostos sobre grandes empresas e famílias de alta renda. Durante sua campanha, Kamala também defendeu o aumento dos impostos sobre propriedades.

Enquanto estava no Senado, ela propôs um crédito fiscal amplo para trabalhadores de baixa e média renda no valor de até US$ 3.000 por indivíduo e US$ 6.000 para casais. Essa ideia, avaliada em mais de US$ 2 trilhões em uma década, teria levado o código fiscal a ser muito mais progressista. Ela não entrou na agenda de Biden, embora tenha algumas similaridades com o crédito fiscal infantil que esteve em vigor em 2021.

Com informações do Valor Econômico

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