Campanha de Lula planeja guinada verde na reforma tributária, com Cide ambiental na mesa

Proposta envolve incentivos que beneficiem setores em transição ecológica dentro de um novo regime geral de tributos

Área desmatada da floresta amazônica no Mato Grosso. Foto: Amanda Perobelli/Reuters
Área desmatada da floresta amazônica no Mato Grosso. Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Economistas ligados à campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trabalham em modelos para dar uma guinada verde na proposta reforma tributária que apresentarão caso o petista seja eleito presidente no domingo, com incentivos que beneficiem setores em transição ecológica dentro de um novo regime geral de tributos.

Embora o plano ainda não tenha um formato definido, a decisão política de implementá-lo já está tomada. Lula tem falado com alguma regularidade que, se voltar ao Planalto, quer dar uma ênfase nova à pauta ambiental e à economia sustentável, em linha com governos de centro e centro-esquerda no mundo, como o de Joe Biden (EUA) e Emmanuel Macron (França).

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O conceito que guia os debates dos economistas é incentivar, por via tributária, uma migração da economia para setores menos poluentes enquanto aqueles mais poluentes ou com mais riscos para saúde seriam mais penalizados.

“É uma discussão bastante técnica. O importante é que ao se desenhar a reforma se tenha em conta a transição ecológica”, disse à Reuters o economista Guilherme Mello, um dos que debate o tema no entorno do petista.

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O economista explica que a chamada tributação sustentável pode ter várias formas, que podem ser um tributação seletiva, com diferentes alíquotas para produtos ou setores ligados à transição ecológica, ou uma taxação maior para setores altamente poluentes.

A intenção é poder reduzir tributos para setores mais diretamente ligados à melhoria ambiental. Duas áreas são mais citadas: a de produtos ligados à biodiversidade, no que poderia ajudar o desenvolvimento da região amazônica, e o agronegócio, com recuperação de áreas degradadas e transformação para uma agropecuária de baixo carbono.

Mas isso não exclui outros setores como, por exemplo, o desenvolvimento e a produção de veículos elétricos – que, hoje, tem taxação superior a de veículos regulares no país.

Para poder reduzir a taxação nesses seguimentos, os economistas estudam algumas propostas, mas ressaltam que não há uma decisão ou mesmo um modelo pronto, cientes da dificuldade de acomodar interesses e lobbies em qualquer discussão tributária, com muito das decisões precisando do aval do Congresso.

Entre essas ideias na mesa da campanha de Lula, está, por exemplo, a da criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) Ambiental, que incidiria sobre atividades altamente poluidoras ou ambientalmente degradantes, como por exemplo a extração mineral.

Outra, poderia ser uma Cide sobre atividades que impactam a saúde, como refrigerantes, tabaco, agrotóxicos.

E uma terceira hipótese seria mexer no Imposto de Produtos Industrializados (IPI) com a ideia de zerá-lo, ou quase, e usá-lo como um imposto seletivo, que incidisse apenas em setores poluentes ou prejudiciais a saúde, ou ambos – o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, também tem prometido zerar o IPI, mas sem mencionar ênfases especiais no plano.

Os recursos que seriam captados nessas situações serviriam para bancar as reduções de impostos para os setores ambientalmente interessantes.

“Em linhas gerais esse é o mapa que se tem. Mas não há qualquer definição. São estudos que estamos fazendo. Tudo tem que estar nesse quebra-cabeça para tornar a tributação mais equitativa e também não aumentar a carga tributária no país”, explica o economista Eduardo Fagnani, que também tem se debruçado sobre essas ideias que vem sendo gestadas pelo PT.

Definições de setores beneficiados e sobretaxados, novas alíquotas, só podem ser feitas no bojo de uma reforma tributária ampla e que só deve ser desenhada de fato no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vencer as eleições.

“A gente tem acesso a alguns números e está fazendo algumas contas, mas nesse momento é difícil tomar uma decisão. Vamos apresentar depois da eleição as opções técnicas para decisão política. Nesse momento não tem espaço para esse tipo de debate. Estamos tentando fazer exercícios”, diz Fagnani.

Carro elétrico

Nesse momento, as discussões estão longe de Lula e mesmo do coordenador do programa de governo, Aloizio Mercadante, por estarem justamente no detalhe técnico e na construção de hipóteses.

“A reforma tributária, além da progressividade, tem que incorporar essa dimensão da transição ecológica”, disse Mercadante.

Os tributos verdes são parte da política que o partido quer implementar para incentivar a reindustrialização do país, uma das bandeiras de Lula, mas com empresas voltadas para uma economia mais verde. Mercadante cita a indústria automobilística brasileira como um dos exemplos para além do agronegócio e da indústria da biodiversidade.

“A transição não é um processo que se faz de um dia para o outro, mas tem que começar. Ou a indústria se moderniza em relação ao carro híbrido ou vai ficar para trás. O Brasil vai ter que modernizar a estrutura automotiva. Essa mudança vai vir, mas temos que estimular”, defende.

Segundo Guilherme Mello, pela sobreposição de incentivos e uma estrutura tributária confusa, hoje um carro elétrico ou híbrido paga mais impostos que um motor a combustão, mas, argumenta, não adianta fazer mudanças pontuais. É necessário uma reestruturação de todo o sistema tributário.

“A tributação não foi pensada para dialogar com o ambiental e não foi pensada para promover progressividade. Não adianta fazer mudança pontual. O que a gente está tentando discutir uma mudança na estrutura da tributação”, explicou.

As mudanças tributárias se juntam a outras medidas, como o crédito verde – linhas de financiamento mais barata para quem cumprir metas ambientais no agronegócio, que podem ser expandidas para outras áreas – e um foco do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na economia sustentável.

“O critério é ajudar a construir uma política de crédito que incentive essas atividades. Incluir mais um S no BNDES”, defende Mello. “Tem que ter uma avaliação do impacto ambiental, políticas que dialoguem com as transições que a gente quer promover.”

As mudanças estariam dentro de um bojo geral de reforma tributária que o PT pretende apresentar, em alguns casos inclusive aproveitando propostas que já estão no Congresso.

“Ela (proposta de reforma) parte da de uma ideia que tem ser feita de forma global. Não adianta tratar só de consumo. Precisa reduzir a tributação no consumo e na folha e compensar sobre renda e patrimônio. E aí entra também a questão ambiental”, disse o economista Eduardo Fagnani.

Por Lisandra Paraguassu, da Reuters

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