Piora na composição da inflação reduz chance de Selic cair mais cedo

Surpresa negativa com núcleos do IPCA de abril acendeu alerta no mercado, que vê menos probabilidade de corte em agosto

Pix, Bolsonaro e Lula: o fim da era Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central Foto: Pedro França/Agência Senado
Pix, Bolsonaro e Lula: o fim da era Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central Foto: Pedro França/Agência Senado

A surpresa negativa com o IPCA na sexta-feira corrobora as comunicações conservadoras emitidas recentemente por membros do Banco Central (BC), diante dos sinais de que o segundo estágio do processo desinflacionário tem sido mais difícil e de que a composição da inflação corrente ainda não permite uma indicação de que o ciclo de cortes de juros poderá começar em breve.

Na visão de economistas consultados pelo Valor, o dado recoloca a resiliência dos núcleos no centro do debate da política monetária e, mesmo que a leitura não seja suficiente para adiar as perspectivas para os cortes de juros, reduziu a probabilidade de que a Selic venha a cair mais cedo em 2023.

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Para além do número cheio do IPCA, que veio acima das expectativas, a composição da inflação voltou a chamar a atenção dos participantes do mercado e acendeu um sinal de alerta sobre o processo de desinflação no Brasil. A média dos cinco núcleos monitorados pelo Banco Central subiu para 0,51% em abril, de 0,37% em março, segundo cálculos da MCM Consultores.

“Desde o fim do ano passado, temos núcleos de inflação que recuaram para perto dos 5,5% e, mais recentemente, voltaram a ultrapassar o patamar dos 6%. Esse é o grande incômodo do BC, que vem colocando há algum tempo a questão da dificuldade dessa segunda fase de desinflação”, diz o economista-chefe da Bradesco Asset Management, Marcelo Toledo.

De acordo com ele, uma das condições necessárias para que o BC dê início à discussão sobre os cortes de juros é exatamente uma melhora dos núcleos. “Que, ao menos, eles voltem para uma trajetória de queda e que rompam o patamar dos 5%. Os dados não dão conforto que haverá uma quebra deste platô que o IPCA está se situando, ao redor dos 6%”, aponta.

Toledo diz que as projeções de que os cortes de juros devem começar em setembro foram mantidas, especialmente, por indicadores antecedentes — câmbio, commodities, índices de preços no atacado e inflação global —, que sugerem uma melhora da inflação adiante.

“Há indicadores antecedentes, globais e locais, que normalmente apontam para uma queda da inflação adiante. Por isso nossa previsão se manteve. Mas temos que reconhecer que a inflação corrente continua sem sinais para queda de juros. Há oposição entre uma inflação corrente desconfortável e sinais antecedentes melhores do que há alguns meses.”

Na mesma linha argumentada pelo diretor de política econômica do BC, Diogo Guillen, em entrevista a “O Globo” na semana passada, o economista-chefe da WHG, Fernando Fenolio, também vê a desinflação mais lenta que o esperado.

“A economia ainda está com algum grau de aquecimento e o discurso de que a atividade está mal não é observado nos dados. Não estamos falando só do agronegócio, estamos falando também de consumo. Muito é em função da política fiscal”, afirma.

Apesar dos números do IPCA, não houve revisão, segundo Fenolio, da estimativa de que o início do ciclo de afrouxamento monetário tenha início em setembro.

“Talvez o dado reforce que os cortes sejam mais prováveis depois do que antes. A probabilidade de cortes em agosto diminuiu. Mas mantivemos nossa projeção de cortes em setembro, iniciando em um ritmo bastante lento”, afirma.

O superintendente de pesquisa econômica do Santander, Mauricio Oreng, lembra que, na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC também destacou que a dinâmica da desinflação é dividida em dois estágios, sendo que o segundo costuma ter uma velocidade mais lenta.

“Preocupa o fato de que a queda da inflação subjacente, que era observada, parece ter estancado e em um patamar elevado. Isso mostra que o BC vai ter dificuldade e é algo que ele mesmo reconhece.”

Oreng diz que o mercado pode passar por uma revisão para baixo nas projeções do IPCA de 2023, mas uma preocupação com a inflação de serviços, com mercado de trabalho ainda aquecido e de uma economia que mostra resiliência, deve continuar. Segundo ele, há uma queda de braço entre condições financeiras apertadas e o tempo em que farão efeito, diante de uma demanda agregada resiliente.

“Isso dificulta o processo de convergência da inflação, em um contexto em que ainda existem impulsos fiscais ainda se materializando na economia e de um arcabouço fiscal que ainda precisa ser aprovado.”

Nesse sentido, o Santander mantém a visão de cortes de juros com início em novembro e Selic de 13% no fim do ano. “O BC vai ter que ser mais lento”, diz Oreng, embora não descarte que o ciclo de flexibilização dos juros pode ter início em setembro. Agosto, porém, tem baixa probabilidade de ser o palco do início dos cortes na Selic no cenário do Santander.

O ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall, sócio e fundador da Oriz Partners, nota que o Copom, na ata, indicou que será importante acompanhar a média dos núcleos de inflação, que, no IPCA de abril, mostrou evolução preocupante e mostrou ligeira aceleração. “E isso é, claramente, o foco do BC”, diz.

“Estamos em uma segunda etapa, que tem mais a ver com inflação de demanda, por conta do mercado de trabalho apertado e dos preços de serviços, que é mais difícil de ser vencida, especialmente em um ambiente de expectativas desancoradas”, afirma Kawall.

“Esse ponto da desancoragem — que foi propiciado pela sinalização equivocada da política econômica no âmbito fiscal, nos ataques ao BC e na incerteza em relação à meta de inflação — claramente está dificultando o trabalho do BC”, diz. Para Kawall, o momento mais importante da política monetária será no fim de junho, quando será definida a meta de inflação.

Na visão do economista, se houver uma confirmação da trajetória de metas convergindo para 3% a partir do ano que vem, pode haver “efeito positivo nas expectativas inflacionárias, trazido por elementos ligados ao preço de combustíveis, que está em queda, e em um contexto de apreciação do real”.

Assim, no podcast semanal da Oriz, ele defende que, quando chegaro terceiro trimestre, o foco também se dará sobre o IPCA de 2025. “Se as projeções do BC indicarem inflação próxima de 3% ou abaixo nesse contexto, pode começar a cortar juros antes do que prevemos, no início de 2024”, diz.

Por Gabriel Roca e Victor Rezende

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