Petrobras (PETR3; PETR4): Especialistas veem risco em nova volta ao exterior

Crítica principal é para possível retirada de recursos de setores rentáveis para investir na exploração de óleo e gás no mercado externo

Refinaria da Petrobras (PETR3; PETR4). Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
Refinaria da Petrobras (PETR3; PETR4). Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Explorar petróleo na costa da Guiana – possibilidade levantada pelo presidente da Petrobras (PETR3; PETR4), Jean Paul Prates, depois que a estatal teve negada licença para perfurar na Bacia de Foz do Amazonas – significaria a volta da companhia ao investimento mais pesado fora do Brasil. Mas especialistas consultados pelo Valor acreditam que manter o foco no país seria um melhor uso dos recursos disponíveis. Além disso, aportar investimentos no exterior poderia retirar verbas de outros setores rentáveis.

Há duas semanas, Prates disse que poderá atuar na Guiana ou no Suriname caso a empresa não obtenha em definitivo a licença ambiental para a Foz do Amazonas, na Margem Equatorial. Os planos da Petrobras para a região, que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte, visam repor o declínio da produção dos campos do pré-sal, previstos para o fim desta década.

Inscreva-se e receba agora mesmo nossa Planilha de Controle Financeiro gratuita

Com a inscrição você concorda com os Termos de Uso e Política de Privacidade e passa a receber nossas newsletters gratuitamente

Marcelo de Assis, diretor de pesquisa de exploração e produção da Wood Mackenzie, ressalta que é fundamental saber de onde sairia o dinheiro necessário para uma retomada dos investimentos fora do Brasil. Ele lembra que o atual Plano Estratégico 2023-2027 da Petrobras prevê quase US$ 3 bilhões em aportes na exploração da Margem Equatorial.

Caso as restrições do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à perfuração no local se mantenham e levem a estatal a desistir da região, a quantia poderia ser destinada no próximo Plano Estratégico a outras áreas, inclusive fora do Brasil.

Mas Assis destaca que, se a decisão de se internacionalizar necessitar de aporte de dinheiro novo e não previsto até agora, a empresa terá que buscar soluções, que podem passar pela redução de dividendos ou deslocamento de dinheiro originalmente destinado a outras atividades.

“Hoje a Petrobras tem ativos de exploração e produção apenas na Colômbia, Golfo do México e Bolívia. Não tem estrutura grande, não participa de ‘bids’ internacionais e a área teria que ser criada ou reorganizada. Vai ter que definir qual o papel da Petrobras”, diz Assis.

Outro ponto, acrescenta, que tem impacto em uma eventual internacionalização da companhia diz respeito à transição energética e de qual será a velocidade que a estatal vai imprimir nessa mudança para uma energia mais limpa.

Uma fonte afirma que não vê razão para a Petrobras dar uma guinada em direção à internacionalização da exploração e da produção. Segundo a fonte, o Brasil tem possibilidades de projetos “extraordinários” em diferentes bacias e os recursos devem ser explorados o quanto antes, justamente por causa da transição energética. “Tem que acelerar agora porque a janela de petróleo, pela transição energética, não dura muito tempo”, diz.

“Não vejo nenhuma razão de fazer diferente e ir para o exterior. Não faz o menor sentido estratégico”, acrescenta.

Outra fonte que conhece a empresa diz que não faz sentido disputar mercado com outras petroleiras em regiões como a Guiana quando há áreas inteiras inexploradas no Brasil, em que a empresa possui amplo conhecimento.

Para Alexandre Calmon, sócio das áreas de fusões & aquisições e societário do Campos Mello Advogados, a fala de Prates sobre olhar o mercado externo é mais próximo de um exercício de retórica do que propriamente um plano alternativo para buscar o mercado externo.

Calmon salienta que nos três processos de licenciamento para a Foz do Amazonas, o Ibama apresentou três razões diferentes para negar a licença. “Mas eu acredito que isso vai ser resolvido”, avalia.

Ele considera ser muito cedo para ter a conclusão sobre o caminho para o mercado externo, dado os investimentos que ainda devem ser feitos em diversas áreas, incluindo revitalização de poços. Talvez, caso se conclua que seja inviável explorar a Margem Equatorial, a internacionalização seja o caminho a ser seguido, mas essa avaliação seria realizada posteriormente.

Outro aspecto em questão, disse, é o ambiental.

Isso porque, segundo Calmon, em algumas áreas no pré-sal, a Petrobras consegue emitir menos carbono: em alguns campos, consegue-se extrair com emissão da ordem de 15 quilos de gás carbônico equivalente por barris (kgCO2 e/boe), sendo que há áreas em que se emite ainda menos.

“É melhor liberar para produzir na Margem Equatorial do que forçar a ida para outro local”, disse Calmon.

Assis ressalta que diversas estatais buscam estratégias de internacionalização. Ele cita Petronas (Malásia), Ecopetrol (Colômbia), Catar Energies (Catar) e Saudi Aramco (Arábia Saudita) como exemplos de empresas que atuam fora de seus países de origem. A Ecopetrol, inclusive, tem participação em blocos adquiridos no Brasil.

A Petrobras avançou em operações no exterior pela primeira vez na década de 1970, quando criou a Braspetro, com atividades na Colômbia, no Iraque e em Madagascar. Era motivada pela crise do petróleo, que obrigou a estatal a buscar alternativas para suprir a demanda nacional, pois 90% era atendida por importações).

A segunda tentativa, mais assertiva, foi no fim da década de 1990, a partir da descoberta de um campo gigante de gás natural na Bolívia e do acordo entre os dois países para a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol).

Em seguida, a empresa entrou na Argentina, com a aquisição da petroleira Perez Companc, maior petroleira independente da América Latina, e de ativos da Repsol-YPF. Foi a senha para diversificar as operações, com atuações em quase todos os países da América do Sul, além de nações europeias e africanas, puxada pelo fim do monopólio da exploração de petróleo no país, em 1998.

Jorge Camargo, ex-diretor da área internacional da Petrobras, lembra que no passado a internacionalização foi bem sucedida. Nos anos 1970, a brasileira descobriu o campo gigante de Majnoon, no Iraque, que até hoje produz no país do Oriente Médio.

Além disso, Camargo lembra que entre 1999 e 2003, quando esteve à frente da diretoria, a meta traçada para a companhia era de saltar a produção fora do país de 70 mil barris por dia para 300 mil barris por dia em cinco anos – entre 2000 e 2005.

O executivo frisa que foram definidas áreas de atuação, no Golfo do México, oeste da África, e América do Sul, e em 2003, quando deixou o cargo, a empresa produzia 240 mil barris diários no exterior.

Porém, a crise financeira da Petrobras a partir de 2015 e o impacto dos escândalos investigados pela Lava-Jato levaram a empresa a se desfazer de quase todos os ativos no exterior, como parte do plano de desinvestimento, para reduzir a dívida corporativa, que na época era de US$ 100 bilhões, a maior do mundo.

Atualmente, a produção no exterior é de 36 mil barris/dia, enquanto no Brasil soma 2,1 milhões de barris/dia, segundo dados do relatório de produção da empresa do primeiro trimestre.

Por Fábio Couto e Rafael Rosas, do Valor Econômico

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


VER MAIS NOTÍCIAS