Pessoa física vai sentir efeito da desvalorização de debêntures da Light
Empresa de energia tem pouco mais de R$ 3 bilhões em dívidas que foram distribuídas também para o investidor individual
O investidor pessoa física que entrou em ofertas públicas de debêntures emitidas pela Light vai perceber o gosto amargo da desvalorização dos papéis no mercado secundário. Na semana passada, a companhia contratou a Laplace Finanças, assessoria especializada em reestruturação e que atuou na recuperação judicial da Oi – que por sinal pediu proteção contra credores após recém-encerrar um processo de mais de seis anos.
A empresa de energia tem pouco mais de R$ 3 bilhões em dívidas que foram distribuídas também para o investidor individual. No ano passado, liquidou, por exemplo, R$ 1,3 bilhão em títulos com vencimento em 2024, pagando CDI mais uma sobretaxa de 1,95% ao ano.
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De acordo com levantamento do economista Marcelo d’Agosto, coordenador do “Guia Valor de Fundos”, com dados da Anbima, essa série foi marcada com deságio de 61%. Numa outra oferta, de R$ 916,4 milhões, concluída em junho de 2021, a IPCA mais 4,7543%, o desconto era de 39%. No aviso de encerramento, constavam quase 8 mil pessoas físicas, dois fundos de investimentos e uma entidade de previdência privada.
Neste ano, a Anbima tornou mandatória a atualização de ativos de crédito vendidos diretamente para o público de varejo. Para o investidor qualificado, com mais de R$ 1 milhão em patrimônio financeiro, há a prerrogativa de continuar vendo o desempenho dos títulos conforme as taxas pactuadas na data da compra, sem as variações do secundário.
Fonte de uma gestora de crédito chama atenção para o fato de terem sido vendidos papéis com vencimento para depois do prazo de concessão, em 2026. Ela pontua que no grupo de acionistas está Carlos Alberto Sicupira, também sócio de referência da Americanas.
Segundo relatório da XP datado de janeiro, cerca de 57% da dívida do grupo vencerá entre 2022 e 2025. “Dessa forma, a companhia tem a necessidade de gerar fluxos de caixa positivos a fim de amortizar sua dívida”, destacava a análise assinada por Camilla Dole, Mayara Rodrigues e Natalia Moura, do time de pesquisa de renda fixa. A esse contexto, soma-se a alavancagem elevada e próxima aos limites dos “covenants”, que, por sua vez, exigem uma dívida líquida/Ebitda ajustada consolidada menor ou igual a uma faixa entre 3,5 vezes e 3,75 vezes – a métrica reportada pela companhia tinha sido de 3,7 vezes em setembro de 2022.
Com nova rodada de desvalorização das debêntures, os efeitos tendem a ser sentidos nos fundos que têm os papéis em carteira nos próximos dias, diz d’Agosto. Na Anbima, os papéis foram marcados entre 60% e 70% do valor de face. Uma fonte calcula que a companhia tenha cerca de R$ 3 bilhões encarteirados por gestoras diversas, além de outros R$ 500 milhões em fundos de recebíveis.
Para fundos de crédito que já tinham sido machucados com Americanas, esse é um novo golpe que vai abalar a rentabilidade das carteiras, diz Luciano Brochmann, sócio da 051 Capital, que faz gestão de fundos de fundos e tem mandatos com gestoras de crédito estruturado. “Vai ser um desafio para a captação dos portfólios líquidos, o investidor pode acabar preferindo letras financeiras e de crédito de bancos de primeira linha.”
Ulisses Nehmi, CEO da Sparta, olha para o caso da Light como totalmente diferente do que foi Americanas, cujos ativos foram rapidamente marcados para refletir a revelação de uma dívida da ordem de R$ 40 bilhões.
Para a empresa de energia, a avaliação do gestor é que virá um “reperfilamento” da dívida. “Claro que é dolorido, mas é uma empresa que tem uma base regulatória, um valor de referência, pode-se até discutir se tem problemas com os acionistas, mas o fato de ter uma discussão que é conhecida e é pública marca todo mundo”, diz. “Tem bastante gestor que tem o papel, pode gerar algum incômodo, mas não tem um problema estrutural aqui.” A Sparta teve perdas com Americanas – fechou janeiro com desvalorização de 0,65% no Top FIC-, mas não tem Light.
No relatório da XP, as analistas chamam a atenção para o fato de a renovação do contrato de concessão da Light SESA terminar em junho de 2026, algo relevante pela representatividade nas receitas da holding, de quase 91% no terceiro trimestre de 2022. “Tendo em vista o recente aditamento ao seu contrato de concessão, aprovado em novembro de 2021, a renovação da concessão é um cenário plausível. No entanto, os termos e as condições econômicas apresentam incertezas”, escrevem. Para renovar a concessão, a empresa precisa apresentar indicadores de qualidade e performance adequados aos limites estabelecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Os investidores estrangeiros também estão atentos ao desenrolar do caso, visto que o grupo emitiu US$ 600 milhões em bônus em junho de 2021, com vencimento em junho de 2026.
Segundo relatório do BNP Paribas, a reação no secundário pode ter sido exacerbada pelo episódio com Americanas. “A situação financeira da Light certamente parece complicada, dada a questão da renovação da concessão. Como tal, pensamos que buscar expertise externa é uma iniciativa sensata”, escrevem os analistas. Para eles, não parece que o não cumprimento de qualquer obrigação seja iminente. O próximo pagamento de juros é em 18 de junho. O relatório cita que as dívidas de curto prazo somavam R$ 2,4 bilhões. Ao fim de setembro, reportava caixa e equivalentes pouco acima de R$ 4 bilhões.
Por Adriana Cotias e Rita Azevedo