Pensando no longo prazo
Quantos lances à frente devemos analisar?
A Itaú Asset Management publicou, em agosto, um relatório audacioso e inovador para os padrões brasileiros, com o sugestivo título “O Mercado de Capitais em 2037”. O objetivo foi justamente chamar a atenção dos leitores, com a provocação para a necessidade de se refletir sobre horizontes mais longos na construção dos portfólios de investimentos. O relatório traz nossas premissas, descreve nossos modelos e, como resultante, traz nossas expectativas de retornos de longo prazo para diversas classes de ativos nacionais e internacionais.
Com exceção de algumas indústrias que fazem projeções de longo prazo, como a de seguros e fundos de pensão, essa discussão nunca entrou no radar do investidor brasileiro. Pergunte para seus amigos o que eles acham que é um investimento de longo prazo e aposto que a maioria vai falar de um a dois anos. Considerando as peculiaridades de nosso país, não podemos culpar ninguém por pensar desse jeito. Afinal, aqui, até o passado é incerto.
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Sendo assim, faz sentido pensar num horizonte tão longo quando já é difícil saber o que nos espera no mês que vem? Essa pergunta me fez lembrar uma outra, que eu ouvia com muita frequência: quantos lances à frente um grande mestre de xadrez consegue analisar?
Calcular mentalmente muitos lances à frente não é um problema. Para qualquer jogador minimamente experiente, é algo natural. No entanto, quanto mais profunda a análise e quanto maior o número de variantes e alternativas possíveis, maior o grau de imprecisão. Na prática, eu procurava calcular, na média, sempre cerca de três a quatro lances e suas respectivas variantes e sub-variantes.
Não parece ser algo de outro mundo, e de fato não é. Jogadores jovens podem calcular com boa precisão sequências curtas como essa. Isso porque este cálculo está associado com a visão tática, mais quantitativa. O diferencial de um mestre está na sua visão estratégica de longo prazo, mais qualitativa.
Essa visão estratégica parte de uma correta avaliação da situação inicial, identificando os pontos fortes e fracos da posição, e consequentemente traçando um objetivo. Se a visão estratégica está correta, o trabalho do mestre é manter um grau satisfatório de precisão (tática) para conduzir a partida na direção certa.
O que nos leva de volta ao nosso relatório com estimativas de mercado para o longo prazo. Conforme destacamos na introdução do relatório, o leitor não deve ficar preso aos números em si. Dada a alta incerteza no longo prazo, ninguém espera que esses números batam na vírgula. São estimativas e, acima de tudo, buscam mostrar uma direção.
Nosso principal objetivo é trazer nossas premissas e suas interconexões para termos uma discussão rica sobre a alocação de ativos de longo prazo do ponto de vista do investidor brasileiro. Essa é uma prática já consolidada na indústria global, mas é uma novidade por aqui, e foi um grande desafio para nós. A começar pela função do caixa, que para o investidor brasileiro é uma classe de ativo relevante, ao passo que para o investidor de mercados desenvolvidos é normalmente visto como gestão de liquidez.
Aprendi muito com meus colegas Benjamin Mandel e Leonardo Baumert. Em especial vale destacar a discussão sobre o papel do dólar para o investidor brasileiro, e os modelos de retorno de ativos de renda fixa. Minha contribuição foi mais focada em mercados globais de renda variável, e compartilho aqui alguns dos pontos que mais me chamaram a atenção.
Visão mais clara
Na parte de ações internacionais, algumas coisas interessantes. A primeira é que ao decompormos os componentes de retorno de cada mercado, podemos ter uma visão mais clara das diferenças estruturais de cada região. Por exemplo, entre os países desenvolvidos, em moeda local, vemos uma perspectiva de retorno mais atrativa para a bolsa dos EUA (7.4% a.a.) em comparação com Europa ou Japão, em razão de expectativas de crescimento nominal da economia mais fortes.
Outro aprendizado interessante diz respeito a mercados emergentes. Em que pese o forte crescimento econômico chinês da última década, o investidor que comprou o MSCI EM teve um retorno bem modesto. Uma das justificativas, bem conhecida, está no período de dólar forte desde 2010, mas isso é apenas parte da história. O que pouca gente sabe é que houve um efeito dilutivo significativo com a inclusão das empresas chinesas no índice. De 2017 para cá, embora o crescimento dos lucros das empresas tenha sido da ordem de 10% ao ano, o lucro por ação agregada do índice cresceu apenas 2% ao ano.
Em relação ao Brasil, o desafio para analisar o mercado de ações brasileiro é muito grande. O Ibovespa é um índice muito concentrado com peso relevante de empresas do setor de commodities, e muito cíclico.
Nossa estimativa de retorno anual do Ibovespa é da ordem de 10.7% ao ano, o que não é ruim. Porém, comparando com outros mercados e classes de ativos, as coisas não são tão claras. Qual deveria ser o peso do Ibovespa no portfólio do investidor brasileiro, quando consideramos que nossa estimativa para o índice de títulos atrelados à inflação, o IMA-B, é de 8.3% ao ano, com carrego mais interessante?
Num horizonte de quinze anos, muita coisa pode (e vai!) acontecer de maneira diferente do que esperamos. Atribuir estimativas de retorno para este horizonte pode parecer um exercício desnecessário, mas não é. Para o investidor de longo prazo, é o ponto de partida para a construção de portfolios balanceados, e tem uma natureza muito mais estratégica do que inicialmente se poderia imaginar.