Para especialistas, carta não livra trio de processos judiciais

Segundo advogados, só um conjunto de provas poderá proteger qualquer um deles das acusações que começam a ser aventadas

Carlos Alberto Sicupira (esquerda), Marcel Telles (centro) e Jorge Paulo Lemann, acionistas da Americanas (AMER3)  / Arquivo Valor
Carlos Alberto Sicupira (esquerda), Marcel Telles (centro) e Jorge Paulo Lemann, acionistas da Americanas (AMER3) / Arquivo Valor

A carta do trio de acionistas de referência da Americanas – Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira -, afirmando que desconhecem qualquer tipo de manobra contábil na companhia, é apenas um dos elementos que poderão servir como prova na investigação sobre o rombo na companhia. Segundo advogados especialistas em direito penal, sozinha a carta, divulgada neste domingo (22), não é suficiente para proteger qualquer um deles de acusações pesadas, que começam a ser aventadas.

O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo já instaurou procedimento para apurar indícios de informação privilegiada na venda de ações da Americanas. Na quarta-feira (11), fato relevante revelou inconsistências contábeis de cerca de R$ 20 bilhões. A pena para pessoas condenadas pelo Judiciário por “insider trading” chega a cinco anos de reclusão, mais multa de três vezes o valor da vantagem obtida (artigo 27-D da Lei nº 6.385, de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários).

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“Agora, serão buscados outros elementos para confirmar ou refutar a hipótese explícita na carta: algum indício que demonstre que eles detinham ou não conhecimento da situação contábil que levou a essa situação”, afirma Marcelo Vinicius Vieira, sócio do Reale Advogados Associados.

O especialista destaca, porém, que ainda que a carta seja considerada prova favorável ao trio, não é suficiente para afastar a responsabilidade por crime. Isso porque o direito penal também se aplica a quem se omite (artigo 13 parágrafo segundo do Código Penal). “Mas isso só acontece se o acusado deveria fazer algo, apesar de não ter feito”, diz Vieira.

Segundo apurou o Valor, enquanto controladores, o trio participou do conselho de administração. Sicupira tem assento ainda hoje, ao lado de Paulo Lemann, filho de Jorge Paulo. “Se ficar entendido que algum deles, como integrante do conselho de administração da Americanas, tinha o dever de fiscalizar diretores, papéis e livros da companhia, conforme prevê a Lei das S. A. (artigo 142 e inciso terceiro), teria havido omissão”, diz Vieira. “A responsabilização penal por omissão no conselho resultou na condenação, pela segunda instância do Judiciário, de administrador da Sadia, processo que depois prescreveu”, diz.

Antes mesmo da finalização do processo, o Ministério Público pode pedir o bloqueio de bens de Lemann, Telles e Sicupira. “Para garantir as reparações eventualmente devidas lá na frente”, afirma o advogado Lincoln Domingues, sócio do L Domingues Advogados (artigo 387 e inciso IV da Lei nº 11.719, de 2008).

Segundo Domingues, o argumento expresso na carta, pelo trio de acionistas da Americanas, de que eles estariam longe do dia a dia da companhia, para tentar se esquivar de responsabilidade pelas inconsistências contábeis na companhia, não é descartável. “Mas pode ser superado pela demonstração, decorrente das investigações, do que de fato acontecia na empresa”, afirma.

Para o especialista, se o MP constatar que existia ingerência por parte de acionistas no cotidiano da varejista, há chance de responsabilização criminal.

Professora de direito penal da FGV Direito SP, Raquel Scalcon lembra, contudo, que alguns crimes só acontecem quando há o chamado dolo – a intenção. “Ao alegar desconhecimento das inconsistências contábeis por meio da carta, os potenciais envolvidos estão negando dolo”, diz. “O problema é que a maioria dos crimes que estão sendo aventados (insider tradding, crimes econômicos) só admite punição criminal a título doloso”, acrescenta.

No caso de comprovada negligência, imperícia ou imprudência, segundo Scalcon, haveria culpa em vez de dolo. Na prática, diz ela, eventual responsabilização dos acionistas ficaria apenas nos planos civil – indenização pelos danos causados – e administrativo – punição pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Procurada, a Americanas não se pronunciou. A assessoria que ajudou o trio de acionistas na divulgação da carta informou que não havia advogados disponíveis para falar com o Valor.

Por Laura Ignacio

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