Vendas da ‘nata’ do varejo brasileiro chegam a R$ 1,13 trilhão em 2023
Pelos dados, as 10 maiores cadeias do país detêm quase um quinto (18,8%) do varejo nacional
O Brasil é o país dos atacarejos e das farmácias, negócios menos afetados pelas últimas crises no setor, mas apesar dessa resiliência, o mercado brasileiro parece estar cada vez menos integrado ao varejo mundial.
Para efeito de comparação, na lista das 10 maiores varejistas brasileiras em 2023, apenas duas empresas eram controladas pelo capital estrangeiro — Carrefour (francês) e Cencosud (chileno). Em 2015, seis estavam nesse ranking, com redes ligadas a empresas francesas e americanas.
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Além disso, as varejistas líderes foram avançando sobre um naco maior de mercado na última década, mas quem acelerou mesmo o ritmo foram as redes regionais, especialmente de alimentos, focadas nos mercadinhos de bairro e nos atacados de baixo preço.
Os dados fazem parte do ranking “Cielo-SBVC 300 Maiores Empresas do Varejo Brasileiro”, apresentado ao mercado em evento na última semana, em São Paulo. O material levanta um histórico com dados a partir de 2015, quando começou a ser elaborado, e tem sido publicado com exclusividade pelo Valor desde então.
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As 300 companhias formam a “nata” do setor no país, com vendas brutas de R$ 1,13 trilhão no ano passado. Ao se considerar a base comparável dessas companhias — 216 redes com dados divulgados em 2022 e 2023 —, a expansão nominal nas vendas foi de 11,4%.
Em termos reais, representa um crescimento de 6,8%, o maior da história do levantamento, realizado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), em conjunto com a área técnica da Cielo.
No ano passado, em relação a 2015, considerando outras 250 redes com base de dados comparáveis nesse intervalo, as vendas brutas passaram de R$ 457 bilhões para cerca de R$ 1,1 trilhão.
Trata-se de uma expansão de 140%, contra uma inflação acumulada de 67%, e frente a um avanço bem menor, de 70%, do varejo em geral, segundo o indicador de atividades ICVA-Cielo.
Maiores empresas do varejo brasileiro
Pelos dados, as 10 maiores cadeias do país detêm quase um quinto (18,8%) do varejo nacional, sendo que, em 2015, essa taxa era de 15,7%. Ao mesmo tempo, as 100 maiores passaram de 33,4% para 41,3% do mercado, um avanço de quase oito pontos.
As dez maiores varejistas são, nesta ordem: Grupo Carrefour Brasil, Assaí, Magazine Luiza, Grupo Casas Bahia, Raia Drogasil, O Boticário, Grupo Mateus, GPA, Natura e Americanas (que caiu cinco posições no ranking).
“De 2015 para cá, tivemos dois anos catastróficos, da recessão no governo Dilma Rousseff, e depois, só anos bem mornos”, afirmou Alberto Serrentino, vice-presidente da SBVC e fundador da consultoria Varese Retail. “Então, essa alta real de 7% em 2023 é o melhor desempenho histórico, e acreditamos que 2024 vamos ter um ano de um crescimento ‘ok’, mas não a ponto de soltar rojão”, diz.
Isso porque Serrentino não vê um ambiente de otimismo no mercado hoje, apesar dos ganhos de renda e geração de emprego em 2024, por conta do patamar de juros ainda alto, estacionado num nível acima de 10% ao ano, que continua a pressionar o endividamento das famílias.
Eduardo Terra, presidente da SBVC, faz a ressalva de que o ritmo de fechamento de lojas e demissões, que disparou em 2020 (75 mil pontos foram encerrados naquele ano, segundo a Confederação Nacional do Comércio), não voltou ao nível do passado. “Apenas 88 das 300 varejistas reduziram o número de funcionários no ano passado e 31 diminuíram o número de lojas”, diz ele.
É preciso considerar, porém, que ainda se viu cortes de pessoal e encerramento de lojas de companhias em recuperação judicial em 2023 e 2024 (nessa lista entram rede Dia, Polishop, Artex e MMartan, Sidewalk e Novo Mundo), reflexo de alta alavancagem e dificuldade de renegociação de dívidas com bancos passada a pandemia.
O peso de Shopee e Shein
O estudo mostra ainda que o varejo alimentar, suportado basicamente pela expansão mais acelerada do atacarejo, representou 52,8% do faturamento bruto das 300 empresas em 2023.
Entre 2015 e 2023, o número de lojas de atacarejo multiplicou por seis, passando de 291 para 1.591. Já as farmácias e perfumarias responderam por 13,2%. Portanto, somados, ambos equivalem a dois terços (66%) do bolo total.
Para uma melhor comparação, em 2015, supermercados, hipermercados e atacarejos eram pouco mais de 60% do bolo, e as drogarias, menos de 9%.
No campo oposto, vestuário e eletrônicos e móveis perderam um terço do peso, caindo de 24% para cerca de 16% das vendas do setor, apesar da recuperação lenta do crédito após 2023.
Os percentuais incluem, inclusive, as novas entrantes, como as plataformas asiáticas de moda (Shein) e de produtos diversos (AliExpress e Shopee), que ganharam mercado das redes nacionais.
Para essas empresas, o estudo estimou dados de “GMV”, sigla em inglês de vendas brutas de mercadorias, um indicador que não pode ser confundido com receita, já que mede toda a venda que passa pela plataforma, incluindo de lojistas terceiros. Para a Shopee, foram projetados R$ 30 bilhões em GMV em 2023, e para a Shein, R$ 15 bilhões.
Varejo menos globalizado
Sobre a força desses negócios internacionais, o Brasil vai perdendo a sua referência como mercado destino de investimentos estrangeiros em lojas físicas na América Latina, como se verificava entre 2000 e 2015, quando redes como as americanas CVS (farmácias) e Forever 21 (moda) e a mexicana Grupo Elektra (eletrônicos) entraram no Brasil.
“Se olharmos as dez maiores redes quase uma década atrás, tínhamos Carrefour, Multivarejo, Walmart, Via Varejo, Cencosud e Cnova. Com a saída dos franceses do Casino do controle de seus negócios aqui, hoje sobraram só Carrefour e Cencosud”, diz Terra, que também é sócio da BTR Educação e Consultoria.
Crises financeiras de varejistas globais, como foi o caso do Casino, necessidade de sair de países não estratégicos, como ocorreu com o Walmart no Brasil, além da série de instabilidades políticas e econômicas, que afugentam investidores, tornaram o mercado local mais arriscado, reduzindo o potencial de retorno.
Pesa ainda o avanço de certos negócios regionais, espécie de fortalezas no interior dos Estados do país, que tornam a vida das empresas estrangeiras mais difícil. Estão nessa lista redes como a Savegnago Supermercado, Grupo Pereira, Lojas Cem, Farmácias São João, entre outras, diz Serrentino.
Sobre a metodologia do trabalho, os pesquisadores coletaram os números em balanços de empresas abertas, de empresas fechadas mas listadas em bolsa, além de demonstrativos em Diário Oficial, e enviaram formulários solicitando os dados.
Com informações do Valor Econômico