O futebol e o mercado de capitais: o movimento do São Paulo na direção correta
Operação lançada pelo São Paulo terá 4 anos para ser paga, com amortizações mensais
Futebol e mercado de capitais são segmentos que possuem certa incompatibilidade natural. Seja no mundo de equities, seja no mundo de dívidas, a maior proximidade que vemos entre a Faria Lima e um campo de futebol é a presença de gestores e celebridades do mundo financeiro em fotos de redes sociais quando acompanham seus times do coração. Está na hora de começar a mudar isso. O São Paulo FC aprovou em reunião de conselho deliberativo a proposta de emissão de um FIDC (Fundo de Direitos Creditórios). O valor é de R$ 400 milhões, desses R$ 240 milhões virão do mercado.
Os responsáveis pela originação, estruturação e colocação serão a Outfield, Inc e a Galapagos Capital, nomes que vocês já viram patrocinando e participando do Relatório Convocados. Isso reforça a intenção em aportar conhecimento e soluções para a indústria do futebol.
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O que é FIDC do São Paulo FC?
De forma resumida, o FIDC é uma estrutura onde o São Paulo FC aporta um volume total de R$ 400 milhões em recebíveis de diversas fontes. Essencialmente, contratos de patrocínio e parte dos direitos de transmissão. E para que os investidores aportem R$ 240 milhões, que servirão para alongar o fluxo de pagamento das dívidas bancárias, com custos inferiores aos que o clube paga hoje.
A diferença entre os recebíveis aportados e o valor do “empréstimo” serve para dar segurança aos investidores. Assim, caso algum parceiro deixe de pagar, ou algum contrato vença e não tenha substituição, ainda haverá recursos para honrar os pagamentos.
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Sem entrar em detalhes, a operação terá 4 anos para ser paga, com amortizações mensais, o que reduz tanto o volume financeiro anual de desembolsos como os juros, que em 2023 representaram quase R$ 80 milhões.
FIDC do São Paulo FC limita aumento das dívidas
E não é só isso. Nas cláusulas contratuais do FIDC do São Paulo FC, o clube se obriga a manter certos índices econômico-financeiros, limitando o aumento de dívidas e gastos, os chamados covenants.
Esses covenants trazem segurança adicional aos investidores, pois casos sejam violados. Por exemplo, caso o clube gaste mais que o combinado – a dívida pode até vencer antecipadamente, de forma que aquilo que seria pago em 4 anos pode ser liquidado em poucos meses.
Alguém pode perguntar: “Onde está a pegadinha”?
Pois é, não há pegadinha. Operação mais que comum no mercado financeiro, com condições de controle e governança usuais, mas que no futebol sem credibilidade nem eram aventadas.
Porque a palavra “credibilidade” também era – e em muitos casos ainda é – completamente descolada da palavra “futebol”.
Regras do mercado financeiro para o São Paulo FC
Nenhum player do mercado financeiro quer conviver com clientes associados a atrasos, penhoras, renegociações eternas, irresponsabilidade financeira, e ainda operando sob um ambiente política e altamente incerto em relação ao futuro.
Vale para o futebol, mas também para outros segmentos e empresas que vivem à margem da transparência.
O pulo do gato dessa operação está no encontro entre partes que precisam se entender.
O clube de futebol que tem dívidas elevadas, com fluxo e custo incompatível, que atua de forma descontrolada em relação aos seus gastos, e que percebe que se continuar assim o precipício de avizinhará em alta velocidade.
Do lado do mercado de capitais é a oportunidade de desbravar um segmento pobremente bancarizado, que movimenta apenas nos clubes da Série A mais de R$ 8 bilhões em receitas, interage com diversos segmentos da economia – da indústria de vestuário à de alimentos, da televisão aos serviços bancários, totalmente conectada à atividade de consumo – e que precisa de um “banho de loja” para saltos ainda maiores.
Recorde de público
Em 2023 tivemos a maior média de público da história presente aos estádios de futebol no Brasil – 26.502 pagamentos, segundo o Globoesporte – superando um recorde de 1983 (!!!), com 22.953 pessoas. Fora a audiência na TV.
Está na hora de vermos este encontro se concretizar. Tenho repetido que sempre que o mercado de capitais passa a entender e operar novos setores, ele é uma fonte de formalização, qualificação, e governança, o que traz credibilidade.
Vimos isso acontecer no setor de Infraestrutura, e mais recentemente no Agro.
Quando participei na implementação da célula de Agro no Itaú BBA em 2017/18 este era um setor informal, de difícil compreensão, poucos queriam se aventurar a financiá-lo. Hoje é um dos setores mais relevantes na Faria Lima.
Negócios do futebol
O futebol oferece inúmeras oportunidades de negócios, de refinanciamentos como o do São Paulo FC, a antecipações de receitas – é uma indústria que tem problema crônico de fluxo de caixa, e utilizar as ferramentas certas é importante para minimizar impactos e riscos – passando por antecipar receita com negociação de atletas, até casos de special situations. Eram R$ 11 bi em dívidas no final de 2023.
Veja, não estou dizendo que os clubes precisam se endividar.
Pelo contrário. Eles precisam se equilibrar, se organizar, e por vezes, usar a melhor estratégia de captação de recursos para atingir os objetivos.
Se em algum momento os clubes só precisarem de dinheiro para investir e melhorar suas estruturas, muito melhor. Aliás, é o desejo que move a construção de um sistema de sustentabilidade financeira eficiente. Enquanto isso, é necessário encontrar alternativas para atingir este objetivo.
Operações como esta do São Paulo FC colocam pressão na direção do clube. Seguir os limites de endividamento e gastos forçará melhoria na gestão esportiva.
Ser mais eficiente, fazer melhor com menos, evitar contratações afoitas e midiáticas – alguém ouviu “James” por aí? – e profissionalização da área, além de melhoria nas categorias de base, que precisa gerar resultados dentro de campo e no caixa.
Desafios que servem a qualquer clube que pense no futuro.
Times mais competitivos
Competitividade não é gastar mais, mas gastar bem. Muitas vezes, isto significa mostrar aos atletas que o mês tem 30 dias.
Com dívidas e gastos desenfreados, esta não é uma realidade para diversos clubes no Brasil.
Precisamos quebrar paradigmas se quisermos seguir evoluindo.
A indústria do futebol não será jamais de baixo risco, pela própria característica de rebaixamento e receitas variáveis.
Mas ela precisa começar a se distanciar do risco caráter – um dos famosos “C”s do crédito – para que este C seja de Credibilidade.