As lendas que o futebol conta
Elas divertem e instigam, mas escondem os reais problemas do esporte
A temporada 2025 do futebol está começando, e com ela voltam algumas lendas interessantes, que viram “causos” e entram no imaginário popular como verdades. São contadas por dirigentes que sabem que a maioria das pessoas não entende como a indústria do futebol funciona.
Se os “boleiros” já são famosos por suas resenhas, trazendo histórias curiosas da vida do futebol – algumas verdadeiras, outras exageradas, que remetem ao famoso “Eu aumento, mas não invento” de Nelson Rubens – de uns tempos para cá, os dirigentes também entraram nessa onda. Na coluna dessa semana vamos tratar de algumas dessas lendas do futebol.
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Lenda do futebol número 1: camisa com nome de jogador caro
A mais surrada, e que acredito que a maior parte dos torcedores já entendeu que são uma espécie de saci-pererê do futebol é a ideia de que ao contratar um jogador caro, as camisas que serão vendidas com seu nome serão suficientes para bancar os custos da contratação e dos salários.
Vamos então colocar uma “nota da comunidade”: é fake.
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A receita de venda de camisas não é integralmente dos clubes.
Além disso, da receita é preciso deduzir margem da loja, custos de produção, margem do produtor e os valores que os clubes eventualmente já receberam como adiantamento de royalties.
Se o clube ficar com 2% ou 3% do valor de cada camisa vendida é muito. Custando R$ 220 e vendendo 2 milhões de camisas – número acima da média – o clube teria direito a R$ 13 milhões. Como já recebe antecipadamente e parte em material, não sobra nada.
Lenda do futebol número 2: jogador “veio de graça”
Outra lenda do futebol comum é a aquele em que o dirigente espalha que o jogador “veio de graça”.
Como ele estava sem contrato, não foi preciso pagar pela liberação dos direitos esportivos e econômicos, então o jogador “veio de graça”.
Contratação boa, certo? Errado.
Na semana que passou o jornalista divulgou uma matéria mostrando os números da contratação de Memphis Depay pelo Corinthians.
Dentro os custos estão declaradas luvas – valores a pagar pela assinatura do contrato, uma espécie de bônus antecipado – de R$ 25 milhões.
“Ah, mas é barato para um jogador como ele!”, dirão os torcedores mais fiéis. Não é isso que está em discussão, e ele foi importante esportivamente em 2024.
O que está em discussão é o “veio de graça”. Não veio. E além das luvas ainda havia uma série de benefícios, que vão de passagens aéreas a carros brindados, de casa a apartamento para ao gente, que aumentavam essa conta para mais de uns R$ 5 milhões.
Nada é de graça no futebol
Nota da comunidade: não tem nada de graça no futebol.
Tem luvas, comissão do agente, benefícios além do salário. Mais uma fake news que adoram contar, e o torcedor de time quebrado adora acreditar.
Porque, neste caso específico, o clube conseguiu aprovação para pagar suas dívidas cíveis num Regime Centralidade de Execuções (RCE), onde coloca todos os credores numa fila e vai pagando aos poucos, com uma parcela pequenas das receitas livres, mas vai gastando os tubos e aumentando o risco de fazer novas dívidas.
Dinheiro é finito, tem que cobrir custos essenciais de manutenção e sobrevivência, custos financeiros de uma dívida elevada, e se os gastos aumentam de forma exponencial, vai faltar para cobrir tudo. E isso virará mais dívida.
Lenda do futebol número 3: patrocinador paga contratação
Daí temos a terceira lenda do futebol: o patrocinador paga a contratação.
Na mesma matéria vimos que o patrocinador do Corinthians direcionou R$ 57 milhões para a operação do Memphis. É um bom dinheiro. Muito dinheiro. Vindo de uma empresa de apostas.
Mas o contrato do atleta é com o clube, então o dinheiro entra no caixa para compor todas as contas, e se faltar dinheiro, a responsabilidade é do clube.
Agora, considerando os gastos mínimos estimados de R$ 82 milhões, no que seria a parte direta do clube restam R$ 25 milhões. Aquelas luvas que falamos lá em cima. E como a remuneração pode chegar a R$ 120 milhões, o clube pode gastar R$ 63 milhões no atleta.
E, claro, precisamos analisar de maneira mais profunda. O atleta chega e espera-se que traga benefícios esportivos. Em 2024 ele foi importante na recuperação do clube, chegando descansado no final da temporada local. Vamos lembrar que a atividade de um clube de futebol é…jogar futebol! Disputar competições, ser o mais competitivo possível.
Do ponto-de-vista esportivo, parece tudo certo. Uma pena que para o esportivo ir bem ele não pode destruir o financeiro, porque a conta ficará salgada no futuro.
Para não ficar apenas no Corinthians, o São Paulo anunciou a contratação de Oscar, voltando da China, e também com apoio do patrocinador, outra empresa de apostas. Segundo a imprensa, o atleta custará, apenas com salários, R$ 24 milhões por ano, e a patrocinadora contribuirá com cerca de R$ 12,8 milhões. Ou seja, caberá ao São Paulo quase R$ 12 milhões anuais de salários, fora as eventuais luvas, os encargos, os benefícios.
Relação entre atleta e patrocinador
Uma curiosidade que pode mudar essa história é a relação direta entre atleta e patrocinador.
Na apresentação de Oscar, então, houve uma ação em que seu nome na camisa continha uma letra estilizada com a fonte do patrocinador. Se a parcela que o patrocinador se compromete a pagar vir de um contrato direto entre as partes – atleta e marca – menos mal para o clube, que reduz sua responsabilidade.
Mas é um risco a mais para o atleta, que terá que contar com o pagamento de duas fontes, e não poderá recorrer aos benefícios legais da FIFA e da CNRD (Câmara Nacional de Resolução de Disputas) para eventuais questionamentos trabalhistas.
Valores nunca são pagos 100% por patrocinadores
Nota da comunidade: os valores nunca são integralmente pagos pelos patrocinadores, e, portanto, o risco é sempre do clube. Mesmo que haja uma exceção aqui ou ali, ainda costuma ser uma aventura que geralmente não acaba bem, pelo menos nas finanças.
3 lendas do futebol, 3 contos de fada
Três lendas do futebol, três histórias que te contam para justificar gastos desenfreados.
Para o torcedor que só quer gritar “gol” e “campeão” e não está nem aí para as finanças, é daqueles contos com final feliz. Para os mais atentos, são contos que as fadas preferem não contar.