No futebol todos querem um dono bilionário
Mas será que é fácil assim conseguir um dono de clube de futebol?
Você já ouviu falar dos donos de clube de futebol? Pois é, alguns times possuem sim os seus “donos”, e vamos falar mais a respeito desse assunto daqui a pouco.
Mas antes, quero destacar aqui que há algumas semanas, eu fiz mais uma coluna sobre fair play financeiro e sua importância para regular o futebol fora de campo. Algumas pessoas não entenderam que o espírito do sistema é manter a estrutura operando saudável, de forma que os clubes não criem dívidas insustentáveis. E, quando o sistema estiver estável, evitar que crie uma espécie de “doping financeiro” no esporte.
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Aliás, a expressão “doping financeiro” foi citada a primeira vez por Arsene Wenger. Em 2005, ainda treinador do Arsenal, Wenger criticou os gastos desenfreados do Chelsea de Roman Abramovich, dizendo que um clube deveria competir baseado no dinheiro que é capaz de criar, na sua capacidade de gerar receitas com seus torcedores, com a exposição de sua marca
Como se ganha dinheiro no futebol
Este é um debate válido. E para entrarmos nele, então, é preciso voltar algumas casas e lembrar como se ganha dinheiro com clube de futebol.
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A primeira informação é: clube de futebol não é feito para dar lucro. Pelo menos em bases recorrentes. Lucro no futebol são títulos. Logo, a ideia de distribuir dividendos para os acionistas esbarra nessa lógica básica da indústria.
Então não dá para remunerar o acionista?
Dá, claro que dá. Falemos sobre modelo de negócio, que precisa ser de formação e revelação de talentos. A negociação de atletas, que gera uma receita não-recorrente, deve ser a base de distribuição de dividendos. Transformando a base e a área de análise de desempenho numa unidade de negócios, define-se meta de receitas e o que ultrapassar a meta tem parte distribuída aos acionistas.
Fora isso, a forma de se ganhar dinheiro com um clube é “comprando na baixa e vendendo na alta”. Compra-se em divisões menores, sobe até a divisão mais alta, e isso cria valor. Sair de uma receita de R$ 15 milhões para R$ 100 milhões muda o patamar de valor do ativo.
Donos de clube de futebol
Além do aspecto financeiro, o que faz alguém comprar um clube de futebol? Há vários fatores. Desde ser dono do clube do coração, como fazem Pedro Lourenço e a família Menin – e isso não tem nada a ver com retorno financeiro – ou relacionamento comercial, como é o caso do Wrexham de Ryan Reynolds e Rob McElhenney, que com suas influências tiraram o clube galês da 5ª para a 3ª divisão, transformando-o numa série da Disney +, e dobrando as receitas, especialmente as internacionais, que saíram de £ 654 mil para £ 2,9 milhões em 1 ano.
Há ainda quem invista em clubes de futebol para limpar sua imagem, praticando o que se chama de sportwashing. Investir em esporte traz uma boa imagem, e se for vencedor, ainda melhor.
Caso típico de PSG, Manchester City e mais recentemente o Newcastle, e que começou com Roman Abramovich, o alvo inicial de Arsene Wenger.
Fechada esta revisão sobre o tema investimentos em clubes de futebol, voltamos à ideia dos bilionários colocando dinheiro no esporte e porquê isso deve ser controlado. Eu comentei que dá um bom debate, mas não disse que era a favor.
Os endinheirados no esporte
A justificativa de quem defende a entrada descontrolada de dinheiro no futebol é que isso ajuda a manter a competitividade e possibilita clubes menores de se tornarem grandes e vencedores.
Imagine, por exemplo, que alguém resolvesse comprar o FC Lorient na França e torná-lo competitivo. O clube fez € 48 milhões em receitas em 22/23. Para se ter uma ideia, na Ligue 1 o clube que mais fatura é o PSG, com € 807 milhões.
Enquanto o PSG gasta € 621 milhões em salários, o Lorient gastou € 40 milhões. Logo, se quiser ser minimamente competitivo, o suposto novo dono do clube da Bretanha deveria aportar € 400 milhões anuais, ainda ficando € 200 milhões abaixo do PSG.
Imagine, então, que ele chegue a Champions League e a receita passe a € 120 milhões. Para seguir competitivo, o acionista precisa continuar aportando uns € 350 milhões anuais. Isso porque o FC Lorient não vai atingir receita que o permita se manter competitivo sem o dinheiro do acionista. Se chegar a € 200 milhões, incluindo negociação de atletas, precisará de uns € 300 milhões anuais. E isso vira um saco sem fundo.
Redução de despesas é possível
Em 10 anos o acionista bilionário do FC Lorient teria gasto cerca de € 3 bilhões. E nada garante que tenha conquistado muitos títulos. É razoável supor que antes disso o bilionário tenha caído na real e reduzido os gastos. Assim como é razoável imaginar que não haverá outros 16 bilionários dispostos a aportar valores similares por tanto tempo nos outros clubes da Ligue 1.
“Ah, mas a competição vai melhorar, atrairá mais dinheiro e o negócio crescerá, demandando menos aporte”. Sim. E se cresce para um, cresce para todos.
Se o PSG gasta € 621 milhões, gastará € 800 milhões mais pra frente. E numa liga mais rica, haverá inflação no mercado global. Afinal, para vender para bilionários perdulários o preço dos atletas fica mais caro.
O dinheiro dos donos de clubes de futebol pode acabar
Foi o que aconteceu com a expansão da Premier League. Mais dinheiro elevou o valor de todos os atletas na indústria, seja na negociação, seja na remuneração, e no impacto nas comissões dos agentes. No final, todos ingleses cresceram, mas a distância entre os que faturam mais e menos não mudou.
“Ah, mas não precisam todos, bastam dois ou três”.
De preferência que seja seu clube, certo? Entendi. O que você quer é um bilionário que invista no seu clube, que sozinho não atingirá metade das receitas dos maiores, que possuem mais torcida, estão em regiões mais ricas, que têm mais sócios e torcedores nas arquibancadas, capazes de pagar ingressos mais caros, de obter maior audiência na TV, o que aumenta o valor de suas propriedades comerciais. E no final, isso justifica que eles tenham mais receitas e, portanto, sejam mais competitivos.
Sabe por que isso não funciona? Porque exceto em casos pontuais, associados a estados, em algum momento o dinheiro acaba, ou acaba a vontade de investir.
E no lugar de aportar capital ou dinheiro como publicidade, o bilionário faz dívidas, que mais adiante quebrarão o clube. Exemplos? Bordeaux, St. Ettienne, Charlton, Bolton, Reading, Napoli, Fiorentina, Bury, Portsmouth, Derby County, Wigan.
Vide o caso do Atlético MG. Havia um projeto de crescimento, bancado pelos mecenas. Mas com apenas um ano de conquistas, o clube viu as dívidas crescerem, o desempenho esportivo não evoluiu e as receitas seguiram de lado.
Virou SAF. Estão colocando ordem nas dívidas, e já sabem que o crescimento orgânico leva tempo e tem limites.
Ou seja, todos querem ficar ricos do dia para a noite. Quando acontece com seu time, é lindo. Quando acontece com o adversário vem a pergunta “Cadê o fair play financeiro?”. No final, o inferno são os outros.