Corinthians: meia-volta ou o precipício é logo ali
O alerta vem sendo feito há algum tempo: ou se repensa o clube ou a situação vai passar do nível insustentável que já se encontra
De tempos em tempos temos clubes de futebol brasileiros que dominam as manchetes dos portais, jornais e de programas esportivos. Seja pelo desempenho, por investimentos ou dívidas. Depois de falarmos sobre investimentos e modelos de negócios de Botafogo e Cruzeiro, eis que vamos tratar nesta coluna das finanças do Corinthians, que divulgou recentemente os números do 1º semestre de 2024.
Antes de mais nada, merece elogios a tentativa de transparência. Apresentar números e estar à disposição para explicá-los é o que se espera de um negócio que fala com muitos milhões de interessados, que são seus torcedores.
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Mais do que falar para mim ou para alguém da imprensa, é necessário estar aberto ao diálogo com o torcedor e parceiros comerciais. Transparência e credibilidade acabam se transformando em receitas ao longo do tempo.
Entretanto, é preciso que o processo evolua.
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Por exemplo: a divulgação deve ser feita antes da apresentação, de forma que os interessados possam analisar o material e esclarecer dúvidas na conversa. Deixar tudo par ao mesmo momento é uma forma de conduzir a conversa, fazendo com que a transparência torne-se um tanto opaca.
Vamos então aos números do Corinthians, e o que é possível entender deles.
Analisando a receita do Corinthians
Os números de junho deste anos apontam evoluções no Corinthians em relação ao mesmo período de 2023.
As receitas brutas cresceram 13%, amparadas no forte crescimento de receitas comerciais (+70%) e rapasse de direitos de atletas (+36%). Compensaram a redução dos direitos de transmissão, que não contemplam Libertadores em 2024.
A distribuição segue muito parecida com o que vimos ao final de 2023, mas conforme o Corinthians evolui na Copa do Brasil e na Sulamericana, é possível que os direitos de transmissão cresçam com as premiações.
Que é um dos objetivos do “all in” em contratações recentes: aumenta gasto com pessoal, tenta a conquista, aumenta a receita.
Dinheiro vai para jogadores
Só um detalhe: a maior parte dessa receita adicional por conquistas acaba nas mãos dos jogadores, o que torna essa estratégia equivocada e ilusória do ponto-de-vista financeiro, restando o aspecto política de entregar um título para a torcida.
Quando ele vem.
O outro objetivo do atual “all in” é evitar o rebaixamento para a Série B, que teria impacto relevante nas receitas de 2024 e 2025.
Tudo isso a conferir.
Os custos e as despesas do Corinthians
Positivamente, os custos e as despesas do Corinthians permaneceram praticamente estáveis quando comparados a 2023. Os gastos salariais tiverem pequeno acréscimo, junto com as despesas administrativas, mas os demais custos ficaram abaixo do ano anterior.
Uma conta interessante de ser feita é a relação entre custo com pessoal e as receitas. No caso do Corinthians, em junho de 2023 essa relação foi de 59%, enquanto em junho deste ano caiu para 52%.
Notícia positiva: receitas cresceram, custos com pessoal permanecer estáveis, e a relação é boa.
O que mostra que analisar este item num modelo de fair play financeiro é completamente equivocado. Serve para o sistema europeu, com clubes quase que exclusivamente voltados ao futebol, mas não para o Brasil. Por isso a tropicalização é necessária.
Geração de caixa do Corinthians
Aqui temos a diferença entre receitas e custos/despesas. É o que sobra para o clube honrar empréstimos e investir, além de pagar seus custos financeiros.
Veja que o Corinthians tem boa sobra em termos operacionais totais, mas sobras módicas ou deficits quando excluímos negociações de atletas. E sabemos que as negociações não são recebidas à vista, o que faz com que a sobra efetiva seja próxima a zero, ou negativa.
Quando passamos do contábil para a análise financeira através do fluxo de caixa, restam muitas dúvidas sobre os números de junho de 2024, porque não há informações importantes, como as notas explicativas e o balancete da arena. Torna a análise incompleta.
Ainda assim, dá para verificar algumas movimentações:
- O clube investiu algo como R$ 140 milhões, pois há um crescimento desse montante na dívida com “fornecedores”, onde o clube costuma incluir contratações;
- Recebeu cerca de R$ 75 milhões de negociações de atletas de anos anteriores;
- Registrou R$ 138 milhões em despesas financeiras, incluindo simulação referente à arena.
Pouca sobra de dinheiro
O fato é que, quando analisamos a variação do caixa e das dívidas vemos que não sobrou dinheiro.
Muito pelo contrário. O caixa permaneceu estável em cerca de R$ 10 milhões, enquanto as dívidas tiveram salto relevante, conforme vemos abaixo:
O crescimento observado foi de 12%, ou R$ 222 milhões.
Aliás, há uma divergência em relação à dívida de dezembro de 2023 quando vemos o que foi apresentado agora e o que foi divulgado anteriormente pelo clube.
Como meus cálculos estão próximos aos apresentados anteriormente, mantenho a conta, que é o critério que utilizo há 15 anos do Relatório Convocados / Galapagos Capital.
E de onde veio este aumento? Acompanhe:
Temos 3 grandes ofensores, que são o (i) aumento nas contas a pagar a Fornecedores, Clubes e Agentes, fruto das contratações do ano, aumento de (ii) encargos e salários e (iii) aumento de impostos parcelados. Valem alguns comentários em relação a essas movimentações.
Contratações
Valor a pagar por contratações é dívida. Por mais que os clubes digam que há valores a receber no ativo – no caso do Corinthians, suponho (porque não há informação) que fosse algo como R$ 50 milhões – esse dinheiro entra para cobrir o dia a dia das contas.
E é simples de entender: se o caixa não mudou, e as dívidas cresceram, significa que tudo que entrou no caixa saiu para pagar despesas correntes.
Salários
Sobre os salários e encargos, se o valor apurado no demonstrativo de resultados é parecido em junho de 2023 e junho de 2024, então não há motivo para aumento do valor a pagar no passivo.
O que indica que o recolhimento pode estar sendo feito num prazo superior ao ideal. Fazendo o cálculo de giro desse passivo, encontramos que o prazo médio de pagamento dos salários e encargos está em 244 dias.
Impostos
Para fechar o tema, note que os Impostos Parcelados no passivo circulante já são de R$ 103,8 milhões. Ou seja, de tanto atrasar e renegociar, o montante acumulado já demanda do clube um valor que tende a ser 25% da folha salarial anual.
Como essas dívidas não podem atrasar, ou o clube perde os benefícios da renegociação, acabam consumindo boa parte da geração de caixa.
Despesas financeiras
E ainda tem as despesas financeiras, que nos primeiros 6 meses chegaram a R$ 138 milhões aproximadamente – não temos os valores efetivos da arena – e mesmo quem nem tudo seja caixa no período, boa parte é ou será em breve.
Daí, é bola de neve:
- A geração contábil leva algum tempo a virar dinheiro no caixa;
- As dívidas obrigatórias consomem parte relevante da geração de caixa;
- O dinheiro das negociações de atletas entram para cobrir buracos estruturais;
- Falta dinheiro para honrar outras dívidas, e quando são pagas, é porque alguma outra coisa deixou de ser paga.
Corinthians: hora de repensar o clube
Ou seja, a gestão só enxuga gelo, repetindo o comportamento que trouxe o clube até este momento. E falo apenas dos números, sem entrar em outros temas tão áridos quanto.
No final, o esforço em tornar o clube competitivo agora é momentâneo e reflete tão somente o desejo político de tentar conquistar um título, ou livrar o clube do rebaixamento.
O rastro de destruição real desse comportamento é objetivo e está nos números.
O alerta vem sendo feito há algum tempo: ou coloca um freio e repensa o clube, ou a situação vai passar do nível insustentável que já se encontra.
Os clubes precisam estar saudáveis para que a indústria funcione bem. Ou temos, no máximo, uma ação entre adversários.