Na busca por corte de CO2, Petrobras perde corrida para seus pares

Mesmo triplicando aportes previstos, planos da estatal brasileira são tímidos em relação às gigantes do setor

Foto: Diego Vara/Reuters

Diante da pressão ambiental sobre as petroleiras no mundo, a Petrobras aumentou, de US$ 1 bilhão para US$ 2,8 bilhões, os investimentos em descarbonização no seu novo plano de negócios 2022-2026, em relação ao planejamento anterior. Levantamento do Valor, com base na estratégia de um grupo de multinacionais do setor (BP, Chevron, Eni, Equinor, ExxonMobil, Shell e TotalEnergies) mostra, no entanto, que o orçamento da estatal para o baixo carbono ainda é tímido ante os pares globais.

Arte: Reprodução Valor Econômico

Para se ter uma ideia do tamanho da disputa, a Shell planeja investir entre US$ 5 bilhões e US$ 6 bilhões por ano em renováveis e soluções energéticas. A TotalEnergies quer estar entre as cinco maiores geradoras de energia renovável do mundo em cinco anos. E a ExxonMobil prevê anualmente US$ 2,5 bilhões na redução de emissões das suas operações. (ver tabela acima)

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O posicionamento da Petrobras levanta o debate se a brasileira, ao se concentrar no pré-sal, corre o risco de perder a corrida pelo desenvolvimento de novos negócios que lhe permitam reduzir a dependência do petróleo no futuro. A estatal redobrou a aposta no pré-sal. Dos US$ 68 bilhões de investimentos esperados para 2022-2026, exploração e produção de óleo e gás absorverá 84%. As iniciativas de descarbonização representam 4% do orçamento plurianual.

Os “retardatários da descarbonização” podem começar a enfrentar restrições no acesso à dívida

O gerente-executivo de estratégia da petroleira, Rafael Chaves Santos, conta que a ideia da empresa é, ao longo de 2022, intensificar os estudos das alternativas que permitam à empresa definir – e apresentar ao mercado, possivelmente no próximo planejamento estratégico – um segundo motor de geração de caixa para o futuro.

“Nosso grande motor de geração de caixa, o petróleo e o gás, vai continuar ligado [nas próximas décadas]. Não vamos substituí-lo, vamos botar um motor paralelo que gere bastante caixa também”, disse. “Ainda não temos clareza [se haverá e qual será o segundo motor dos negócios da empresa]”, afirmou o executivo, que assume a diretoria de relacionamento institucional e sustentabilidade nesta semana.

A indústria de óleo e gás se movimenta na direção da economia de baixo carbono, pressionada de um lado por investidores, governos e a sociedade civil, diante do aquecimento global. Por outro lado, do ponto de vista estratégico, as petroleiras despertaram para um risco inerente à transição energética: a Agência Internacional de Energia (AIE) estima que o consumo mundial de petróleo atingirá seu pico nos anos 2030 e começará a declinar nas décadas seguintes. Isso significa mercado menor e uma competição maior entre produtores.

Multinacionais como BP, Equinor, Shell e TotalEnergies veem o Brasil como um celeiro de oportunidades em energias limpas e têm anunciado uma série de novos negócios no país, em solar, eólica e biocombustíveis. O posicionamento das estrangeiras contrasta com a saída da Petrobras de ativos de eólica e biodiesel e etanol.

Chaves explica a estratégia da Petrobras: diante dos sinais de que a demanda por óleo cairá, a empresa pretende acelerar a exploração e produção do pré-sal e de novas fronteiras, como a Margem Equatorial. A estratégia da petroleira é que, em 2050, a companhia seja reconhecida por produzir o “barril com menor pegada de carbono do mundo e com custo baixíssimo”. A estatal aposta, nesse sentido, nos baixos índices de emissões por barril do pré-sal. Não à toa, as multinacionais também marcam presença na região.

“Por mais que seja acelerada, a transição é gradual. O Brasil tem vários recursos na costa. É como um tesouro enterrado. Se não tirarmos do fundo não vale nada. Isso não quer dizer que não estamos preocupados com a transição energética”, comentou Chaves.

O investimento de US$ 2,8 bilhões reservado para descarbonização até 2026 se dará, basicamente, em quatro frentes: US$ 1,8 bilhão para a redução das emissões das próprias operações, nas plataformas e refinarias; outros US$ 555 milhões para o biorrefino, a depender da evolução regulatória sobre o diesel verde (produzido a partir do coprocessamento de óleos vegetais e o diesel); a criação de um fundo corporativo de descarbonização, de US$ 250 milhões; e US$ 130 milhões em pesquisa e desenvolvimento em renováveis, produtos com baixa pegada de carbono e captura e estocagem de CO2.

Chaves afirma que a empresa tem um leque amplo de oportunidades a serem avaliadas, na busca de seu “segundo motor de geração de caixa”. Ele conta que a petroleira já fez pesquisas em solar e eólica offshore, mas que elas não se mostraram rentáveis, até o momento.

O executivo defende que uma nova linha de negócios precisa dialogar com as competências da empresa – como o desenvolvimento de projetos de larga escala e de alto conteúdo tecnológico e inovação. “Mas a direção ainda não está clara, nem para a Petrobras, nem para as outras empresas”, disse.

Para o analista da Ativa, Ilan Arbetman, os esforços da Petrobras ainda são tímidos. Segundo ele, a companhia acertou ao focar, nos últimos anos, na recuperação financeira, mas isso não a isenta de pensar o futuro. Ficar para trás, na corrida pelo baixo carbono pode ter consequências negativas, dentre elas o risco de que, mesmo se consolidando como uma boa pagadora de dividendos, a Petrobras continue a ter seu valor de mercado descontado frente aos pares.

“Quanto mais ela demorar a programar o amanhã, no mínimo mais tempo vai levar para que o múltiplo da companhia transacione perto dos pares. Os fundamentos do mercado mudaram. Havia uma indústria de petróleo muito preocupada com dívida e dividendos, isso segue, mas na precificação, hoje, a agenda ESG [melhores práticas ambientais, sociais e de governança] é inerente”, afirmou.

Segundo a Wood Mackenzie, os “retardatários da descarbonização” podem começar a enfrentar mais restrições também no acesso à dívida, com custos de financiamento crescentes. Em outubro, ao defender a privatização da Petrobras, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a empresa “vai valer zero daqui a 30 anos”.

Rafael Chaves discorda da avaliação de que a companhia perderá valor, ao se concentrar no pré-sal. “Em 2050 ainda vai ter muito barril sendo consumido”, afirmou.

O executivo também não vê a Petrobras, hoje, como uma retardatária na transição energética e argumenta que a companhia é reconhecida por investidores pelos esforços na transparência sobre a agenda ESG, ao citar que a brasileira é a única grande petroleira do mundo a fazer parte do Índice Dow Jones de Sustentabilidade.

“Vencemos o principal desafio que era sanear a empresa… Nosso próximo passo é, com muita calma, fazermos os investimentos e procurarmos a diversificação rentável. Não precisamos sair correndo para ter uma resposta que o mundo ainda não tem. Não é um jogo no qual quem botar mais dinheiro em 2022 larga na frente e quem botar menos dinheiro larga atrás. Quem largar na direção errada vai se complicar”, afirmou.

Na visão do professor-associado do Programa de Planejamento Energético da COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Alexandre Szklo, as diferenças existentes nas estratégias das petroleiras refletem, em parte, além do grau de pressão da sociedade local, as condições de acesso das empresas às reservas de óleo.

“Boa parte das fronteiras exploratórias está nos países que contam com NOCs [estatais, como as asiáticas] e empresas de capital misto [como a Petrobras e russas], e não com as grandes petroleiras privadas europeias… Não dá para afirmar se a Petrobras tem menos [investimentos em descarbonização] porque se importa menos ou porque ela está dentro de fronteira exploratória importante, como o pré-sal. Empresas que têm dificuldades de repor reserva e estão sob pressão de acionistas estão em outro contexto”, opina.

Para o coordenador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), Rodrigo Leão, a Petrobras se difere das europeias também pelo horizonte do planejamento que que compartilha com o mercado. BP, Shell e TotalEnergies, por exemplo, publicam cenários de longo prazo, até 2050, e metas de diversificação que vão, em alguns casos, até 2030. Embora a brasileira trace metas de redução das emissões para 2030, a companhia trabalha com um plano quinquenal, sem detalhamento do cenário de mais longo prazo. “As empresas europeias, do ponto de vista estratégico, estão olhando mais detalhadamente para um caminho mais longo”, afirmou.

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