Movimentos no futebol europeu que deveriam iluminar o futebol brasileiro
Precisamos estar atentos ao que se passa no mundo, não para copiar, mas para nos livrar de amarras que reforçam os mesmos problemas
Uma das discussões em andamento no futebol brasileiro, que pode ser traduzida como mais uma grande novela, é a da criação da liga de clubes. Aliás, o que seria uma liga acabou se transformando em dois blocos separados politicamente por dirigentes. Isso porque eles preferem discordar a concordar, mesmo que este caminho seja o pior. Então, essa foi uma entre tantas justificativas para optarmos por investir no exterior e não no futebol brasileiro.
Dentro do contexto da liga, tivemos nesta semana algumas informações na Europa que deveriam nos mostrar caminhos e alertas para o futuro do futebol brasileiro.
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A primeira trata de negociação de direitos de transmissão. A Premier League iniciará nas próximas semanas a renovação dos direitos domésticos, e o cenário hoje é bem mais desafiador que de anos anteriores. E não é porque a liga perdeu interesse. A temporada 2023/24 começou com recordes de audiência.
Segundo a Sky Sports, detentora da maior parcela de jogos transmitidos no Reino Unido, a primeira rodada apresentou aumento de 40% em telespectadores. Isso em 2022 sobre 2023. Foram 8 milhões de pessoas na soma das cinco partidas transmitidas.
Um parêntese importante: na Inglaterra são transmitidos 200 jogos, de um total de 380. Por quê? Porque a federação inglesa estrutura o calendário para que os torcedores de equipes de divisões menores possam ir ao estádio acompanharem os times locais.
Em contrapartida, eles não ficam na TV assistindo às 10 partidas de cada rodada. É um incentivo às mais de 10 divisões que compõem a pirâmide do futebol inglês.
Voltando, do total de telespectadores na primeira rodada, 2,5 milhões tinham menos de 35 anos, e 2,9 milhões eram mulheres. Ou seja, o público é diverso e grande.
Então, qual é o desafio?
A Premier League espera aumentar seu atual contrato de cerca de € 1,9 bilhão por temporada em pelo menos 10%, segundo informações da imprensa internacional. Este é o desafio.
O torcedor britânico que queira assinar os três pacotes disponíveis (Sky Sport, BT Sports e Amazon) assiste aos 200 jogos anuais e gasta cerca de € 930 anuais.
No entanto, este valor representa 3% da renda média anual da população. Mas essa renda não teve aumento recentemente, e sofre com a inflação de 4,8% em 2021, 9,8% em 2022 e roda na casa dos 6,5% em 2023.
A renda perdeu 20% de valor desde 2020, enquanto o valor do pacote da Premier League permaneceu estável.
Além disso, as redes que atualmente compram os direitos sofrem com as movimentações de mercado. Sky Sport e BT Sports operam no sistema de TV Paga, que vem perdendo assinantes, e consequentemente, receitas.
Essas redes compram direitos para rentabilizá-los diretamente, através do pagamento do chamado pay-per-view. Mas também indiretamente, pois mantém esses assinantes na base geral.
A Amazon já deu sinais de que o esporte é parte da sua estratégia. Porém, sem grandes investimentos, apenas dentro do pacote Prime.
Segundo dados do sistema Company’s House inglês, no ano passado o segmento Prime faturou € 4 bilhões e obteve lucro de € 60 milhões, ou seja, margem de 1,5%.
Assim, parece claro que os principais players tendem a investir, e entre os novos players há poucos com dinheiro sobrando. O DAZN talvez seja o único com mais apetite, mas ainda assim está longe de ser uma superpotência financeira.
Os demais streaming refazem contas o tempo todo, buscando rentabilizar um negócio que fragmentou a tal ponto que os assinantes começam repensar os gastos.
A despeito desse cenário, é improvável que a Premier League sofra com redução de valores nos direitos domésticos. Mas certamente terá trabalho para lidar com o cenário que se apresenta.
Este é o mesmo desafio que a Serie A italiana enfrenta. Com 3 players discutindo a renovação (DAZN, Sky e Mediaset) e restringindo os valores disponíveis, o processo de arrasta há dois meses. E não há expectativas de solução rápida.
Direitos de transmissão no Brasil
Serve de alerta para o futebol brasileiro, entre aqueles que trabalham com a ideia de que os direitos de transmissão no Brasil crescerão rapidamente.
Isso porque o mercado local é muito específico, tem forte presenta de TV aberta, cujo player significativo é a Globo e que já entendeu onde e como quer atuar.
O sistema de pay-per-view nunca se mostrou robusto, porque a relação entre valor dos direitos, custos operacionais e preço de venda dos pacotes é difícil de fechar, especialmente por conta da pirataria.
Os players de streaming têm interesse, mas ninguém rasga dinheiro. A ideia tosca de que “em dólares o valor é baixo para eles” é apenas tosca, porque eles também fazem receitas em reais, e o resultado é sempre pequeno em termos nominais.
O risco permanece o da fragmentação que afasta o torcedor e tira o interesse do produto, ainda mais se tratarmos de dois blocos de negociação.
Mas não é só isso.
Nesta semana a UEFA e a ECA (European Clubs Association – associação que congrega os maiores clubes de futebol europeus) assinaram um acordo que vale até 2030 e que modifica a distribuição de dinheiro da UEFA para o sistema piramidal de clubes. Trata-se de uma reação à ideia falida da Superliga.
No acordo anterior a UEFA destinava 7,5% do dinheiro que arrecada para clubes que não participavam das competições continentais, e esse número aumentará para 10%, como forma de irrigar o sistema.
Além disso, para quem disputa as competições, a distribuição também mudou. E isso reduziu a parcela pelo desempenho histórico e relevância dos clubes, e aumentou os valores igualitários e por performance. Ficou assim:
Até 23/24 | A partir de 24/25 | |
Coeficiente Histórico | 45% | 35% |
Performance | 30% | 37,5% |
Igualitário | 25% | 27,5% |
A distribuição valerá a partir da próxima temporada, quando a Champions League terá novo formato de disputa. E vai na direção de trabalhar pelo futebol como um todo, reconhecendo que a base da pirâmide precisa ser valorizada. Isso porque é lá onde nasce a formação de atletas. Assim, melhor distribuição e menos privilégios ajuda no equilíbrio de forças.
Anteriormente, clubes com histórico de conquistas, presença de público nos estádios e audiência eram beneficiados por um coeficiente de distribuição, que agora perdeu 10 pontos percentuais.
O que vale no futebol brasileiro
Enquanto isso, no futebol brasileiro ainda vale a tese de que “farinha pouca, meu pirão primeiro”. É a ideia de que o adversário é inimigo, e não sócio na competição.
Quanto mais forte for a competição, maior é a capacidade de geração de dinheiro.
E, quanto mais capacitado administrativamente um clube do futebol brasileiro, maior a possibilidade de fazer receitas adicionais, com parceiros comerciais e sua torcida.
O futebol brasileiro precisa estar atento ao que se passa no mundo.
Não significa copiar, porque cada mercado é um mercado. Mas é fundamental nos livrarmos de amarras e ideias que apenas reforçam os mesmos problemas, no lugar de permitir que se encontrem soluções.