Mercado Livre (MELI34) se prepara para brigar com os chineses; o que acontecerá com a ação?

Ações têm refletido a resiliência da empresa nos últimos anos, mas analistas têm visões distintas sobre quais serão os resultados do embate com plataformas estrangeiras

Cliente consulta site do Mercado Livre. Foto: Rafael Henrique/Reuters
Cliente consulta site do Mercado Livre. Foto: Rafael Henrique/Reuters

Em um evento com vendedores na semana passada, o Mercado Livre (MELI34) deu uma pista sutil. Mas seus diretores foram claros sobre como eles veem o comércio eletrônico no Brasil daqui para frente.

Primeiro, a companhia anunciou que sua participação no e-commerce brasileiro praticamente dobrou nos últimos dois anos. Assim, o market share da empresa subiu para cerca de 40%.

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Na sequência, o presidente do Mercado Livre (MELI34), Marcos Galperin, bradou: “Podemos concorrer e ganhar das maiores empresas do mundo”. Era um recado para as gigantes chinesas Shopee, Shein e AliExpress.

Como estão os concorrentes do Mercado Livre

O encontro de dois dias do Mercado Livre (MELI34) ainda não havia terminado quando a Via (VIIA3) revelou intenção de vender R$ 1 bilhão em ações. Isso porque o objetivo da companhia é melhorar sua frágil posição de capital.

Quase que simultaneamente, os sites noticiavam dificuldades enfrentadas pelos concorrentes do Mercado Livre.

O Magazine Luiza (MGLUE3) trava uma disputa judicial com ex-sócios do e-commerce de games e tecnologia KaBuM!, comprada há dois anos.

A Americanas (AMER3), além de expor as entranhas de seu negócio na CPI da Câmara, está em recuperação judicial desde janeiro. Isso porque a companhia detectou um buraco contábil de R$ 20 bilhões.

Um novo jogo de forças

Estes eventos ilustram algo interessante. Depois de cerca de três anos do boom do comércio eletrônico no Brasil, catalisado pela pandemia, as agendas dos principais nomes do setor tomaram rumos distintos.

O jogo de forças está mudando. Sai de cena uma realidade majoritariamente doméstica, com a exceção de Amazon (AMZO34), para um embate direto entre Mercado Livre e rivais internacionais.

Magazine Luiza, Via e Americanas perderam espaço no disputado tabuleiro do e-commerce nacional.

O que dizem os analistas sobre o Mercado Livre

Até aqui, a constância do Mercado Livre na entrega de resultados, especialmente em momentos adversos, se expressa na avaliação positiva por quem avalia a companhia.

Dos 22 analistas que acompanham a ação do grupo, 19 recomendam compra. Outros três sugerem manter, segundo o Wall Street Journal.

Um ponto comum entre eles é a posição comparativa privilegiada da companhia em relação aos rivais domésticos.

Mas as visões sobre como ela vai se sair daqui para frente são divergentes. Até porque, grupos com maior poder de fogo começam a povoar a arena competitiva do comércio eletrônico.

Bofa: risco da concorrência

“Percebemos o risco de escalada competitiva no Brasil. AliExpress oferecem promoções, há mudanças na Shein e a chegada da Temu e da Kwai”, informa o relatório do Bank of America, que tem recomendação neutra para a ação.

O Bofa ainda citou que a Amazon também está lançando seu Prime Card no Brasil. O cartão dá 5% de volta na plataforma para membros Prime e parcelamento de 15 meses sem juros.

Itaú BBA: agenda de consolidação

Já o Itaú BBA, que tem MELI como sua preferida do setor, frisa que a empresa tem falado bastante sobre investir no crescimento para sustentar a agenda de consolidação, o que poderá trazer margem mais baixa nos trimestres seguintes.

Morgan Stanley: crescimento de margens

E o Morgan Stanley, que manteve a recomendação ‘overweight’ (sobrevalorizada) para a ação, concorda que, a despeito do cenário competitivo, o Mercado Livre (MELI34) está bem posicionado. Os analistas informam que a companhia deve entregar crescimento das margens de lucro.

Relançamento do programa de fidelidade Meli+

Num indicativo da mudança de foco, o Mercado Livre anunciou no encontro com cerca de 15 mil vendedores o relançamento do programa de fidelidade, o Meli+.

Analistas perceberam um esforço da companhia para consolidar sua base no Brasil. O Mercado Livre tem mais da metade dos seus 109 milhões de usuários na América Latina.

O programa de fidelidade custa R$ 17,99 com filmes da Disney e maior alcance de fretes gratuitos. Ele chega semanas antes do início da temporada de compras, marcada por Dia das Crianças, Black Friday e Natal.

Em relatório, o Goldman Sachs citou estatísticas de mercados como os Estados Unidos e a China, que podem ter inspirado o Mercado Livre (MELI34).

Nos EUA, os membros do programa de fidelidade da Amazon, o Prime, gastam cerca de 2 vezes mais do que os não membros.

Na China, os usuários do programa premium do Alibaba gastam cerca de 9 vezes mais do que os não membros.

“Acreditamos que o Meli+ marca um passo importante na jornada do cliente do Mercado Livre (MELI34). Ele indica que um segmento relevante de usuários se tornou leal o suficiente para assumir um compromisso mais profundo”, afirmou o Goldman Sachs.

Via e Magalu

Para os concorrentes nacionais Magalu, Via e Americanas, isso significa pressão maior sobre suas próprias bases de clientes. Isso num momento em que tentam se equilibrar após uma sucessão de prejuízos.

Nos últimos três anos, o comércio eletrônico no Brasil não refletiu um aumento do consumo, mas a migração do varejo físico para o online. É o que afirmam os analistas do BTG Pactual em relatório.

Por algum tempo, isso foi suficiente para sustentar a expansão generalizada do setor, inclusive de players menores, como Infracommerce (IFMC3).

Porém, como o consumidor tenta se livrar de dívidas e recuperar o crédito, a disputa no comércio eletrônico vai ficar cada vez mais aguerrida.

Assim, a capacidade de investimento em logística para a entrega no mesmo dia e frete grátis, pegará Magalu, Via e Americanas enfraquecidas.

Enquanto isso, o poder de fogo de grifes globais deve aparecer cada vez mais, diz Caroline Sanchez, analista de varejo da Levante Corp.

“O cenário do setor vem caminhando para uma consolidação e a briga maior deve ficar entre os gigantes”, disse ela. “Já não é relevante a briga do Mercado Livre com Via e Magalu”.

O que aconteceu com as empresas de e-commerce?

Dessa maneira, o quadro mostra como a deterioração no cenário macroeconômico expôs diferenças nos modelos de negócios.

Segundo Rafael Oliveira, gestor de fundos de ações da Kinea Investimentos, um fator determinante para filtrar as vencedoras é a capacidade de reagir a mudanças de juros e inflação.

Isso porque num setor com margens apertadas e competitivo, é preciso ter escala, controle de estoque e caixa disponível.

No começo da pandemia, essa percepção foi comum a todas as grandes companhias do setor. Elas correram para se capitalizar e aproveitar as oportunidades de alavancagem operacional que o isolamento social proporcionou.

Escolhas malsucedidas

Mas decisões tomadas pelas companhias desde então, no entanto, ampliaram as distinções entre elas, expondo as desvantagens de ter uma rede própria grande, disse Oliveira.

Com uma ampla estrutura física, Magazine Luiza e Via aumentaram a base de clientes.

Por exemplo, o Magalu, que tinha 799 lojas em 2016, chegou a 1.481 em 2021.

Na mesma linha, a Via elevou a base física para 1.091 unidades no fim daquele ano. De 2019 a 2022, inaugurou 200 unidades.

Assim, a rede de lojas próprias, modelo conhecido no jargão do mercado como 1P, era uma aposta de ambas para funcionarem como um modelo integrado. Então, a ideia era unir vendas físicas e virtuais, especialmente para produtos mais caros, como móveis e eletrodomésticos.

Em vez disso, o caos na logística global resultante da pandemia prejudicou o fornecimento de produtos como eletrônicos.

Então, temendo não ter produtos, muitas varejistas online ampliaram estoques, pagando mais caro por isso.

No entanto, com a inflação impulsionada pelos programas governamentais de estímulo e a consequente alta de juros, as varejistas foram atingidas duplamente.

Dessa forma, a escalada da Selic de 2% para 13,75% a partir de março de 2021 impulsionou os custos financeiros das companhias.

Ao mesmo tempo, os juros e inflação simultaneamente altos erodiram a capacidade de compra das famílias.

Mercado Livre deve focar na própria estrutura

Enquanto isso, o Mercado Livre (MELI34) acelerou o 3P, modelo que faz a ponte entre compradores e vendedores, não tendo custo de estoque.

A partir da pandemia, percebendo os enormes gargalos logísticos para executar seu plano de encurtar as entregas, o grupo decidiu expandir a própria estrutura.

É nela que serão consumidos parte dos R$ 19 bilhões em investimentos previstos pela companhia para o Brasil neste ano.

Em três anos, a fatia das entregas feita por rede própria subiu de 23% para 95% do total. São 21,6 mil veículos, 8 aviões, 9 centros logísticos. O 10º centro, em Recife, será inaugurado em 2024.

Isso permitiu ao grupo elevar nos últimos dois anos o percentual de entregas feitas em até 24 horas, de cerca de 20% para 55%.

“O modelo do Mercado Livre se mostrou mais adequado para essa realidade”, disse Oliveira, da Kinea.

Compras agressivas

No entanto, as estruturas de negócio não foram a única diferença para explicar a diferença de desempenho entre as companhias, mas sua visão de futuro.

Com a visão de tornar-se o grande marketplace digital do país, o Magalu já havia ingressado mesmo antes da pandemia numa campanha acelerada de aquisições. Em 2019, comprou a Netshoes.

Com o frenesi oriundo do distanciamento social, a companhia levantou dinheiro com a venda de ações e pisou no acelerador.

Em 2020, foram nove aquisições. No ano seguinte, mais 11, incluindo a da KaBuM!, por R$ 3,5 bilhões.

A Via, dona das marcas Ponto Frio, Casas Bahia e extra.com, comprou no começo do ano passado a empresa de logística CNT, pagando em dinheiro. Um ano antes tinha comprado a fintech Celer.

Já o Mercado Livre (MELI34) preferiu desenvolver quase tudo em casa.

“Somos criadores de empresas, criamos nossas próprias soluções”, disse Galperin a jornalistas. “Nós sempre tivemos muita disciplina”, acrescentou.

Como o Magalu saiu do lucro para prejuízo

Como consequência dessas diferenças, o Magalu saiu de um lucro de R$ 922 milhões em 2019 para prejuízo de R$ 500 milhões no ano passado.

Só neste primeiro semestre, a perda líquida do grupo chegou a R$ 693 milhões.

Por sua vez, a Via, que havia lucrado R$ 1 bilhão em 2020, teve prejuízo de R$ 342 milhões no ano passado. Só no primeiro semestre deste ano, a perda líquida foi de R$ 789 milhões.

Porém, o Mercado Livre (MELI34) passou de um prejuízo em 2021 para lucros crescentes desde então. No último resultado, do segundo trimestre, o lucro mais do que dobrou ante mesmo período do ano passado, para US$ 262 milhões de dólares.

Esses desempenhos não passaram despercebidos pelos investidores.

O Magalu, que de 2015 a 2020 viu seu valor de mercado crescer incríveis 910 vezes, perdeu o brilho. Sua ação perdeu cerca de 90% do valor nos últimos dois anos.

A Via, que teve queda de magnitude similar nos últimos 24 meses, viu o movimento se intensificar nos últimos dias. Tanto que a empresa anunciou plano de captar R$ 1 bilhão com oferta de ações. Isso vai diluir acionistas que não injetarem mais capital na empresa.

O que deve acontecer com as varejistas

Dessa forma, para o médio prazo, a pauta dos maiores e-commerces nacionais é tornar a operação mais leve, eventualmente captar recursos e vender ativos.

No último ano e meio, o Magalu fechou quase 180 lojas físicas.

A Via revelou um plano para estabilizar sua operação, o que não deve terminar antes de 2025.

O plano inclui fechar 100 lojas, captar R$ 1 bilhão com oferta de ações, abandonar a venda própria de produtos de baixo valor e deixá-los para lojistas em seu shopping virtual.

A dona da Casas Bahia também avalia vender imóveis e subsidiárias. Com esse conjunto, espera ter um saldo de R$ 4 bilhões.

Para a Americanas, que já demitiu cerca de 8 mil empregados nos últimos oito meses e vem perdendo mercado, o objetivo é apenas tentar sobreviver à recuperação judicial.

Questionado se o Mercado Livre (MELI34) tem interesse em comprar rivais, Fernando Yunes, vice-presidente da companhia, foi direto: “Grandes empresas de varejo físico não estão no nosso radar”.

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