Cenário de juros altos dificulta vida de assessores de investimentos e plataformas
Muitos investidores estão preferindo manter o dinheiro alocado em ativos de renda fixa e dificultando a captação de muitos profissionais
O ambiente de juros altos complicou a vida de muitos assessores de investimento. Prova disso é que recentemente até Guilherme Benchimol, fundador da XP Investimentos, enviou um e-mail aos seus colaboradores e agentes autônomos cobrando resultados melhores. Na mensagem, o executivo reconhece o momento difícil, mas questiona “e quando foi fácil?”.
O acontecimento acendeu no mercado o debate sobre o momento dos assessores de investimentos e, consequentemente, das plataformas, que têm neles um de seus principais braços comerciais. Se por um lado conseguir captar clientes está mais complicado, por outro há quem afirme que esse mercado não está saturado e oferece muitas oportunidades. Agora, no entanto, cabe às corretoras e até aos bancos lançarem mão de estratégias para conseguir impulsionar esses profissionais.
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Com a Selic em 13,75% ao ano, como é o patamar atual, um investidor consegue, por conta própria, gerir sua carteira e ter ganhos satisfatórios sem fazer muito esforço. Ao deixar seu dinheiro parado em algum produto simples de renda fixa, como o Tesouro Selic, um fundo DI ou até mesmo em contas com rendimento automático, como PicPay, NuConta e Mercado Pago, um cliente consegue ganhos superiores à inflação. Assim, a ajuda oferecida pelos assessores de investimento acaba sendo dispensada por muitos investidores, o que pode justificar os resultados aquém do esperado citados por Benchimol no e-mail.
Na mensagem, o executivo afirma que a média mensal de aberturas de contas com investimentos superiores a R$ 300 mil está em 0,3 por assessor, o que totalizaria quatro aberturas desse tipo de conta por ano, número considerado por ele como “inaceitável”.
Simultaneamente ao momento mais complicado para a renda variável, há quem diga que a disputa acirrada entre XP Investimentos e BTG Pactual pelos escritórios de agentes autônomos fez com que profissionais pouco qualificados entrassem nesse mercado, o que pode explicar parte do mau desempenho vindos desse braço comercial.
“Quando o BTG começou a expandir seu braço comercial por meio dos agentes autônomos, ele começou a tomar escritórios importantes da XP. Ela, por sua vez, temendo perder parte do mercado, passou a se associar a muitos escritórios. E aí essa briga ficou muito acirrada e praticamente todas as plataformas, mas especialmente essas duas, começaram a oferecer contratos de exclusividades longos a muitos escritórios de agentes autônomos. A XP, inclusive, é até menos seletiva do que o BTG na hora de escolher, mas é tudo farinha do mesmo saco”, afirma um assessor de investimentos que não quis se identificar. Após anos associado à XP, ele optou por migrar para a plataforma da Ágora, corretora que pertence ao Bradesco.
Diego Ramiro é presidente do escritório Miura Invest e da Abai, associação que representa os assessores de investimentos (antes chamados de agentes autônomos). Ele concorda que o mercado teve um crescimento intenso nos últimos anos, especialmente devido ao cenário favorável. Afinal, a Selic entrou em uma trajetória no início de 2016 e chegou a sua mínima histórica em agosto de 2020, quando atingiu o patamar de 2% ao ano. Nesse cenário, a rentabilidade oferecida pela renda fixa era muito baixa e os investidores precisaram recorrer à renda variável. Com isso, muitos assessores conseguiram captar novos clientes e levantar aportes importantes.
“O mercado teve um boom. Muitas pessoas saíram de outras carreiras e foram para assessoria de investimentos. O Itaú ter comprado parte da XP, inclusive, chancelou isso, deu mais credibilidade. E outras plataformas se desenvolveram. O BTG entrou pesado nessa briga. Só que o cenário econômico era diferente. Com a Selic em 2% ao ano, a renda fixa não pagava nada e o investidor precisava de ajuda para ter ganhos maiores. Nessa época, muitas corretoras começaram a oferecer investimentos milionários para os escritórios de agentes autônomos, para conseguir ter mais fatia no mercado. E isso acontecia independentemente do perfil daqueles assessores ou escritórios. Mas aí agora, em um cenário conturbado, o resultado não está vindo. E não é a profissão que está errada ou é um problema da corretora A ou B. Todas estão sofrendo igual”, afirma Ramiro.
O ex-assessor da XP Investimentos que não quis se identificar afirma que uma vantagem do cenário atual é que os assessores conseguem entregar uma rentabilidade alta aos seus clientes com alocações em renda fixa. Por outro lado, diferente de Ramiro, ele acredita que o mercado está saturado e os profissionais acabaram entrando numa batalha de “rouba monte”, na qual um escritório acaba tirando o investidor atendido de outro, mesmo que ele já seja cliente da corretora. Portanto, nenhum “dinheiro novo” é trazido para a plataforma.
A XP, por sua vez, afirma ser bem rigorosa em seus critérios de seleção de assessores que vão se associar à plataforma. Bruno Ballista, principal executivo do segmento de B2B (nome dado ao atendimento de empresa para empresa, ou seja “business to business”) da corretora, diz que para um agente se associar, ele passa por processos como provas de conhecimentos do mercado financeiro e das funções desempenhadas e “testes de cultura” (para saber se ele tem um perfil parecido com o da companhia). Além disso, os futuros parceiros precisam mostrar um plano de negócios daquele escritório e, a partir daí, a XP avalia se a empresa está apta a representá-la ou não.
O executivo reconhece que o cenário é mais difícil agora. Ele afirma que em um ambiente de juros altos, muitos brasileiros tendem a assumir um perfil mais “rentista e conservador”. Ainda assim, por conta da alta concentração de investidores nos bancos tradicionais, ele acredita haver muito espaço para que os assessores trabalhem e tragam novos clientes para as plataformas.
Segundo Ballista, a própria XP continua tendo crescimento expressivo no número de escritórios e assessores. Ele não deixa claro, no entanto, se esse crescimento é maior ou menor do que o de anos anteriores. Ainda assim, o executivo afirma que os “profissionais dedicados continuam performando bem”.
“O mercado está longe de saturar. Para se ter uma ideia, na indústria americana há mais de 300 mil assessores. Aqui tem pouco mais de 16 mil. Lá fora, 96% dos investidores usam assessores, aqui é o inverso. E isso vai se fortalecer com o tempo aqui”, afirma. Ele destaca que, em uma indústria de empresas independentes, como é o caso dos escritórios, “os mais qualificados se sobressaem” e há uma “seleção natural”, na qual os clientes escolhem quem presta um serviço com mais “qualidade, zelo e diligência”.O executivo afirma que os próprios escritórios vêm procurando a XP, que tem como principal diferencial a “estrutura que é oferecida para o parceiro”, com uma plataforma tecnológica e uma marca forte.
Segundo o executivo, a XP não criou estratégias específicas para captar mais agentes ou ajudá-los nesse momento mais conturbado do mercado. Ele garante, no entanto, que a corretora tem uma divisão voltada para atender os assessores e oferece ações de suporte para esses profissionais, que vão desde treinamento e qualificação até cursos de reciclagem e programas de formação continuada.
“O fato de termos nascido como agentes autônomos faz com que a gente carregue esse DNA e saiba o que o parceiro precisa, porque já estivemos na pele deles”, afirma.
Procurado, o BTG Pactual, principal concorrente da XP nesse mercado, não quis comentar o assunto.
O lado bom
Apesar das dificuldades do cenário atual, há uma boa notícia para os assessores de investimentos. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aprovou no meio de fevereiro a nova regra para a classe, que entra em vigor a partir de junho. Alguns pleitos antigos desses profissionais foram atendidos, como o fim do regime de exclusividade com uma só corretora e a possibilidade de ter sócios capitalistas. Antes, a legislação previa que apenas assessores de investimentos fossem sócios dos escritórios.
Para Diego Ramiro, da Abai, as novas normas colocam “a faca e o queijo” nas mãos dos assessores ao darem mais poder a eles.
“As empresas ganham mais força e mais liberdade”, diz. “Agora, o mercado está em pé de igualdade. Um escritório pode escolher trabalhar com todas as plataformas se quiser. Pode usar a A por ter um nome mais forte, mas usar também a B que tem mais produtos e a C que fala com o público mais jovem. E, se o escritório quiser, pode continuar trabalhando com uma só caso a contrapartida seja boa”, diz.
Portanto, se por um lado o cenário macroeconômico está ruim, por outro, o legislativo está melhor. Caberá aos próprios assessores fazerem desse limão uma limonada.