Investidor ensaia saída do Brasil em meio a dúvidas sobre rumo fiscal

Gestoras de fortunas e corretoras veem mais interesse por ativo externo no pós-eleição

Castro, da Tag Investimentos: aceleração na busca por internacionalização por famílias que não tinham exposição lá fora — Foto: Celso Doni/Valor
Castro, da Tag Investimentos: aceleração na busca por internacionalização por famílias que não tinham exposição lá fora — Foto: Celso Doni/Valor

O curto-circuito do mercado financeiro em meio a dúvidas sobre a política fiscal que vai prevalecer a partir de 2023 deixou tudo mais barato, de ações à renda fixa longa ou o próprio real. Mas há quem prefira levar parte dos recursos para as classes internacionais a aproveitar a temporada de liquidação local. Esse é um movimento que se intensificou após o resultado das eleições. Um ingrediente novo nesse fluxo é que o investidor tem procurado o porto seguro dos títulos públicos americanos, mesmo com o prêmio gordo desses papéis no Brasil.

Um termômetro disso é que, na corretora americana Avenue, o número de abertura de contas abertas por pessoas físicas cresceu três vezes acima da média pré-eleição e os volumes de remessas mais do que duplicaram, chegando em alguns dias a mais de cinco vezes a média de trimestres anteriores, diz Roberto Lee, sócio-fundador da plataforma – ele não abre o tamanho do fluxo efetivamente por causa da venda do negócio, selada para o Itaú Unibanco em julho, em fase de aprovação pelos reguladores.

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Lee afirma que esse é um movimento que esperava que durasse cinco, seis dias após o desfecho do pleito, mas ainda persiste. “É um fenômeno que não acontece só no Brasil, normalmente há represamento quando se aguarda o resultado [de eleição ou outro evento] e, quando tem a definição, o investidor decide se manda 20% ou 40%.”

O executivo entende que não se trata de fuga de capitais, mas uma maior consciência do brasileiro de que vale ter parte do portfólio em moeda forte.

O que chama a atenção, contudo, é que o destino desse dinheiro tem sido a renda fixa mais tradicional americana, os títulos do Tesouro de curto prazo, um ativo que é quase caixa e que passou a ter uma remuneração que não tinha no passado. “Isso mostra que é um recurso da camada de proteção do capital, das reservas de segurança”, afirma Lee. “Faz todo sentido, porque é um mercado mais amplo e que tem os títulos mais seguros.”

Nesse tipo de remessa, os volumes são maiores do que aqueles destinados à bolsa, acrescenta.

Nas últimas duas semanas, após o resultado das eleições, com a confirmação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de volta à presidência em 2023, houve uma aceleração da busca por internacionalização de parte da carteira, diz Thiago de Castro, sócio e CEO da gestora de patrimônio Tag Investimentos. “O sintoma disso é o investidor achar que, neste novo mandato, ele não vai seguir as bases do que foi o primeiro governo Lula lá atrás, de perceber um Lula mais raivoso, focado no social, como sempre foi, mas sem a responsabilidade fiscal que se viu no passado, mais parecido com o que foi o primeiro mandato da [ex-presidente] Dilma [Rousseff].”

A visão da casa já era que, vencesse Lula ou o presidente Jair Bolsonaro (PL), a solução para furar o teto de gastos estabelecido constitucionalmente seria a taxação de estruturas que afetam o topo da pirâmide, de fundos exclusivos familiares a heranças e dividendos. “Independentemente da tributação, porque vai ter imposto lá fora também, é uma preocupação em ter recursos em moeda forte fora do país”, prossegue Castro. Hoje a proporção de recursos no exterior é na média de 20% do patrimônio para quem já deu esse passo, parcela que tende a aumentar a seu ver.

Com cerca de R$ 11 bilhões sob assessoria na Tag, Castro diz que pelo menos 20 clientes que não tinham exposição no exterior provocaram essa conversa. “Foi bem reativo”, afirma, apesar de esperar dois anos difíceis para as economias desenvolvidas também, em meio ao ciclo de alta de juros e à desaceleração esperada para Estados Unidos, Europa e China.

Mas, diferentemente do Brasil, onde o investidor compara seus investimentos com o CDI mensalmente, lá fora cada vez mais o que se percebe, diz Castro, é a remessa de recursos com o objetivo de preservação de capital mesmo. “Ele olha como o [índice] S&P 500 se comportou nos últimos 20 anos, já tem maturidade para buscar retornos em mercados mais desenvolvidos deixando para trás eventuais prêmios que a renda fixa nos dá no Brasil a cada ciclo como o que estamos vivendo.”

Na B.Side, dois movimentos puderam ser observados, diz Antonio Costa, CEO da área de fortunas: a ampliação da fatia no exterior por famílias que já tinham estruturas fora do Brasil e um maior interesse de quem ainda não deu esse passo para a diversificação geográfica. “No pós-eleição teve um maior número de clientes nos consultando sobre que iniciativas tomar para isso, já que não é algo que se faz do dia para noite”, afirma. “Acho que é natural quando se muda o ‘status quo’ e não há definições sobre o programa de governo, o que vai ser a PEC da Transição e quem serão as pessoas que vão cuidar da economia.” O executivo não qualifica, contudo, tal movimento como de evasão maciça de divisas.

Como atende famílias com patrimônio a partir de R$ 10 milhões, ele ressalva que em geral esse cliente já é mais internacionalizado, costuma colocar na sua pizza de alocação um pedaço em classes no exterior, faz hedge de moeda, investe em bolsa ou em outros ativos. Na medida em que lá fora também há riscos não desprezíveis, com tensões geopolíticas, o ciclo de aperto das condições financeiras nos países desenvolvidos e o temor de recessão, são os títulos soberanos americanos que lideram a preferência dos investidores. “Apesar da alta do S&P 500 nos últimos dias, a volatilidade ainda pode machucar um pouco”, diz Costa.

As gestoras de fortunas Alloc e Portofino também identificaram aumento do interesse dos investidores por alternativas “offshore.”

Três semanas atrás, a orientação na Guide era para o investidor montar algumas proteções porque o mercado abriu essa oportunidade nos primeiros pregões após a eleição. E uma das formas de se fazer isso foi a alocação no IVB11, o fundo de índice (ETF) do S&P 500 negociado na B3, diz Fernando Siqueira, chefe de pesquisa da corretora. É uma maneira de capturar a valorização da bolsa americana lá fora e a depreciação do real ao mesmo tempo, sem ter que mandar dinheiro para o exterior.

Com a desvalorização recente dos ativos brasileiros, a sugestão já foi revista, porque os preços no mercado local voltaram a ficar atrativos e o câmbio mais desfavorável, mas há quem prefira manter a estratégia que replica o índice da bolsa americana. “Por mais que a nossa visão seja que, com a eleição de Lula a chance é de ele repetir o que foi entre 2003 e 2010 [nos seus dois mandatos anteriores], muita gente dúvida e prefere ficar fora”, afirma.

Não é uma demanda que tenha acelerado particularmente após a eleição, sustenta Siqueira, mas quem ficou frustrado com a derrota de Bolsonaro nas urnas tem mostrado esse viés.

Na bolsa local, o especialista diz já ver nomes bons muito descontados, a exemplo de WEG, Vale e Gerdau, além de casos mais ligados à economia doméstica como Arezzo, Multiplan e Totvs.

“Há empresas de qualidade, com margem alta, boas geradoras de caixa, que não estão endividadas, e que caíram 10%, 15%, são uma oportunidade de compra”, afirma Siqueira. “Outras vão sofrer muito para pagar [suas obrigações] com os juros mais altos.”

Para quem prefere estacionar no ETF de Ibovespa, com o índice pouco abaixo de 110 mil pontos, o especialista diz ser um ponto de entrada, mas que nesse caso é preciso alongar o horizonte de investimento. “Vai ser volátil porque não dá para saber o que o novo governo vai fazer e pode voltar a testar os limites do mercado.”

Por Adriana Cotias

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