Inflação, juro alto e recessão testam a força das ‘big techs’
Como Alphabet, Amazon, Apple, Microsoft e Meta sentem o impacto de um cenário global difícil
O cenário macroeconômico global não poupou as cinco maiores empresas de tecnologia, no segundo trimestre. Escalada de juros, inflação, temor de recessão na economia americana e problemas de abastecimento global impactaram, em alguma medida, os números das “big five” – Alphabet, controladora do Google, Amazon, Apple, Microsoft e Meta, dona do Facebook.
Analistas financeiros entrevistados pelo Valor acreditam que além de terem mais capacidade de manobra em momentos econômicos desafiadores, por serem grandes, as “big five” mantêm-se resilientes pela relevância global de seus produtos e serviços.
Receba no seu e-mail a Calculadora de Aposentadoria 1-3-6-9® e descubra quanto você precisa juntar para se aposentar sem depender do INSS
“A oferta de computação em nuvem, por exemplo, continua acelerada porque é uma tendência e gera economia de custos por quem as contrata”, afirma Thiago Alves Kapulskis, Analista do setor de Tecnologia do Itaú BBA.
Wagner Chavez, sócio e analista de ações da SFA Investimentos, nota que a demanda de crescimento em nuvem, acima da casa dos 20% ao ano, é uma fortaleza para empresas como Google, Amazon, Microsoft e mesmo a Apple. Ele nota, entretanto, que “adiamento de projetos de migração para nuvem, por conta de incertezas econômicas, ainda podem afetar os resultados destas empresas no curto prazo”.
Considerando os balanços do segundo trimestre, Chavez aponta a Alphabet como a mais resiliente das “big techs”, mesmo diante dos altos e baixos do mercado de publicidade. “Além de ter 90% de participação em buscas, o Google tem um panorama de informações muito grande sobre os usuários, incluindo serviços como Mapas, Gmail, o sistema Android e o YouTube, por exemplo”, observa o sócio da SFA. “Com esse efeito de rede gigantesco e algoritmos de inteligência artificial para automatizar anúncios, o Google traz uma vantagem competitiva porque ajuda o anunciante a ter mais eficiência por dólar investido do que os concorrentes”, avalia.
Investimentos da Alphabet em inteligência artificial e computação em nuvem foram destacados por Sundar Pichai, diretor-presidente da companhia, como pontos fortes no trimestre, assim como as buscas. Ele destacou que a receita de US$ 40,7 bilhões do Google Search, no segundo trimestre cresceu 13,5% ante o mesmo período do ano passado. Na mesma base comparativa, a receita de computação em nuvem somou US$ 6,27 bilhões, um avanço de 35,6%.
Apesar da resiliência, o lucro líquido de US$ 16 bilhões registrado pela controladora do Google no segundo trimestre teve queda de 13,6% sobre o mesmo período do ano passado. Já a receita cresceu 13% para US$ 69,68 bilhões, em linha com as estimativas de analistas de mercado.
Assim como o Google e a Amazon, a Microsoft teve bom desempenho na computação em nuvem com alta de 20,3% na receita com integração de serviços de nuvem, que somou US$ 20,9 bilhões, entre abril e junho.
Já a queda na demanda de computadores pessoais colaborou para que o lucro líquido de US$ 16,74 bilhões, apresentado pela Microsoft no quatro trimestre fiscal, encerrado em 30 de junho, fosse inferior aos US$ 17,3 bilhões esperados pelos analistas. O avanço de 1,7% no resultado da empresa, na comparação anual, foi o menor em dois anos.
Os resultados de nuvem da AWS e de publicidade no shopping on-line (“marketplace”, no jargão do setor) seguraram o balanço da Amazon no segundo trimestre. A receita de US$ 19,7 bilhões em nuvem, no segundo trimestre, superou em 33% o resultado do mesmo período de 2021. No mesmo intervalo, a Amazon alcançou US$ 8,7 bilhões em receita com publicidade, alta de 18% sobre o mesmo período de 2021.
“A receita da Amazon superou a do YouTube Ads, que foi de US$ 7,3 bilhões no período”, compara Chavez. “Isso mostra que aprenderam a ser eficientes e rentabilizar o ‘marketplace’”.
Para os analistas, o prejuízo de US$ 2 bilhões da Amazon no segundo trimestre, após um lucro de US$ 7,8 bilhões, não ofusca o avanço de 7% na receita líquida no período encerrado em 30 de junho.
“A receita vinha sofrendo desaceleração após o efeito do auge da pandemia e se normalizando a partir de maio”, observa o analista do Itaú BBA. Para o terceiro trimestre, a Amazon projeta vendas líquidas entre US$ 125 bilhões e US$ 130 bilhões, que podem representar resultados de 13% a 17% superiores às vendas no terceiro trimestre de 2021.
Para os analistas, a gigante do e-commerce vem comprovando que o controle de custos que não são fixos, como logística e mão de obra, tem sido bem executado.
A Apple também trouxe uma surpresa positiva aos analistas, ao superar a receita projetada para as vendas do iPhone, no trimestre fiscal encerrado em 25 de junho.
As vendas do iPhone avançaram 3% no período somando US$ 40,7 bilhões, acima dos US$ 38,3 bilhões previstos pelos analistas, enquanto a receita de serviços da companhia cresceu 12% para US$ 19,6 bilhões, um pouco abaixo dos US$ 19,7 bilhões esperados pelo mercado. “A venda do iPhone foi a maior surpresa positiva do resultado”, disse Chavez, da SFA.
O lado negativo ficou com a queda nas receitas de outras linhas de produtos, incluindo tablets iPad, dispositivos vestíveis, como o relógio Apple Watch, e especialmente a linha de computadores Mac cujas vendas trimestrais, de US$ 7,4 bilhões, ficaram abaixo dos US$ 8,7 bilhões previstos pelo mercado.
“Isso mostra o sinal de exposição da Apple a uma situação econômica mais fraca”, avalia Chavez. “Com preços médios mais altos do que os da linha iPhone, os Macs acabam sentido mais rápido o impacto da desaceleração no consumo”, completa.
Nos próximos trimestres, Kapulskis, do Itaú BBA, diz que a expectativa é de desaceleração nas vendas de equipamentos por conta do aperto monetário promovido pelos bancos centrais do mundo todo, especialmente o Fed americano, “A expectativa é de que pessoas que costumam trocar de iPhone uma vez por ano, por exemplo, não troquem mais com essa frequência.”
O analista nota que a Apple tem o desafio de manter o valor da marca, trazendo melhorias constantes, mas que levam a aumentos de preços de materiais e de produtos. “Embora preços mais altos sejam ótimos para os investidores, eles não são suficientes para levar uma empresa de produtos ‘topo de linha’ a crescer de forma sustentável em dois dígitos”, observa.
Das cinco gigantes de tecnologia, a Meta, dona do Facebook, parece ter sido a mais afetada pelo momento econômico. A desaceleração de investimentos em publicidade digital afetou diretamente a controladora do Facebook, que registrou queda de 1% na receita de US$ 28,8 bilhões, no segundo trimestre, o primeiro recuo desde a criação do Facebook, em 2004. O lucro líquido de US$ 6,7 bilhões ficou 36% abaixo do resultado apresentado um ano antes.
Além de projetar uma receita inferior no terceiro trimestre, entre US$ 26 bilhões e US$ 28,5 bilhões, a Meta anunciou cortes de despesas e contratações “para levar em conta o ambiente operacional mais desafiador”, disse David Wehner, seu diretor financeiro. A projeção também é de queda na receita da Reality Labs, divisão de realidade virtual que inclui o metaverso, nos próximos três meses.
A dificuldade de enxergar se a Meta será uma empresa de redes sociais, de mídia e entretenimento ou de metaverso, em três a cinco anos, é um ponto crítico para avaliação de investidores na companhia de Mark Zuckerberg, diz Kapulskis. “Os cenários podem ser tão otimistas quanto um tremendo vencedor em um metaverso muito mais rápido do que o esperado em um mundo não-iOS/Android ou tão pessimista quanto uma divisão de negócios deteriorando severamente os anúncios personalizados, por questões regulatórias, e tornando-se uma mídia decadente”, disse o analista em relatório prévio à divulgação dos balanços.