XP reconhece erros e busca maior proximidade com o mercado

Guilherme Benchimol, fundador da XP, reconheceu que a empresa contratou em excesso, selecionou mal os candidatos, e que a política de trabalhar em casa não funcionou, tendo sido revertida

Guilherme Benchimol, fundador da XP
Guilherme Benchimol, fundador da XP

A administração da XP Inc. reconheceu erros e excessos durante a fase de “bull market” (de predisposição de investidores para ativos de risco), contratou demais e agora promete uma maior proximidade com os analistas e investidores. Durante uma conversa de duas horas com representantes do “sell side“, na sexta-feira, a primeira desde que listou suas ações na Nasdaq, no fim de 2019, o fundador Guilherme Benchimol mostrou como pensa a estratégia da instituição que enfrenta desafios de curto prazo. Ao lado dele estiveram o CEO, Thiago Maffra, o CEO do Banco XP, Jose Berenguer, o CFO, Bruno Constantino, e o diretor de relações com investidores, André Martins.

Apesar da recente venda das ações da XP e a sinalização de um primeiro trimestre ainda fraco, os analistas do BTG Pactual Eduardo Rosman, Thiago Paura e Ricardo Buchpiguel escrevem que deixaram a reunião um pouco menos preocupados. “Sim, os desafios estão aumentando e continuamos cauteloso com as ações, mas Benchimol abordou algumas de nossas principais preocupações como apenas um dono poderia – por isso vínhamos reforçando a necessidade de falar com ele”, afirmam em relatório. Eles mantiveram indicação “neutra” para as ações, mas reduziram o preço-alvo de US$ 16 para US$ 14 em 12 meses.

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Do encontro, eles destacam que Benchimol admitiu não ter interagido o suficiente com os analistas de ações e sinalizou mais reuniões no futuro – a última conversa tinha sido seis anos atrás, em 2017, na fase anterior à primeira tentativa de IPO, abortada quando o Itaú Unibanco entrou no capital da empresa. O fundador da XP também reconheceu que a empresa contratou em excesso durante a pandemia, diminuindo a capacidade da administração de selecionar os candidatos certos, e que a política de trabalhar em casa não produziu resultados satisfatórios, tendo sido revertida. Ele disse ainda que o modelo de “partnership” foi aprimorado para um melhor comprometimento do time com o negócio.

Maffra, por sua vez, explicou que as diretrizes fornecidas no IPO, de um crescimento composto de 35% para os anos seguintes, foram entregues mesmo num 2022 difícil, com alta de 37%. Foi uma evolução apoiada pela fase de mercado em alta, expansão do quadro de funcionários para a criação de novas verticais, aumento da base de assessores de investimentos no atendimento interno (B2C). A margem líquida, entre 18% e 22%, alcançou o topo da meta.

Maffra reconheceu que a XP poderia ter sido mais eficiente, algo que ficou claro no fim do ano passado. A avaliação dos analistas do BTG é que a companhia poderia ter feito ajustes mais céleres em 2022, um ano desafiador, com deterioração do ambiente macroeconômico, ruído político, e o alargamento da curva de juros. “De fato, a XP não ficou satisfeita com o crescimento estagnado no ano passado, impactando a remuneração de todos os funcionários. Os executivos fizeram um mea-culpa ao reconhecer que a XP poderia ter ajustado seu quadro de funcionários mais rapidamente.” Ainda assim, Maffra reforçou que a XP tem diversificado o seu fluxo de receitas, que anteriormente estava concentrado em ações, o que em tese fortalece a instituição em relação a crises passadas.

O guidance de lucro para 2023, entre R$ 3,8 bilhões e R$ 4,4 bilhões, é considerado batante otimista por analistas de mercado, especialmente considerando-se um primeiro trimestre fraco. A XP assumiu receitas estáveis do negócio principal no varejo, com novas verticais contribuindo com algo entre R$ 700 milhões e R$ 1 bilhão, além de um maior controle de custos, com a redução do quadro de funcionários, diminuição de despesas para algo entre R$ 5 bilhões e R$ 5,5 bilhões no ano. A mudança de mix para ativos de renda fixa afeta, contudo, a lucratividade, mas alguma recuperação deve ocorrer olhando para além do exercício.

Embora os três primeiros meses do ano tenham um fluxo menor de dinheiro novo, o lucro líquido deve ser “muito diferente” do que foi o do quarto trimestre de 2022, porque as despesas operacionais já estão próximas dos R$ 5 bilhões, após os ajustes realizados. A atividade de mercado de capitais tende a ser semelhante ao que se viu no fim do ano passado, concentrada em produtos de retorno mais alto, como as notas estruturadas, e taxas de juros estáveis contribuindo para uma melhor gestão entre ativos e passivos.

A XP ainda vê espaço para continuar ganhando participação de mercado. Apesar do ambiente adverso em 2022, observou um incremento de 70 pontos-básicos, para 11%, um ritmo mais lento do que nos últimos anos. Citou que os bancos ainda têm cerca de 80% e que a instituição tem investido na melhora da oferta de serviços, a exemplo dos bancários, para aumentar a parcela de recursos que os investidores têm com a XP.

Reforço dos assessores internos e ajuste na partnership

Se em 2019, a XP dependia quase totalmente dos assessores de investimentos externos (os antigos agentes autônomos), nos últimos anos a instituição tem diversificado seus canais, como o B2C, assessores internos e consultores de investimentos. Ao mesmo tempo, tem calibrado o seu modelo de “partnership”, migrando do modelo típico de corretagem para uma entidade financeira mais integrada, tornando os incentivos mais parecidos com os de um banco de investimentos.

Na fase pré-IPO, o modelo era fechado e os sócios recebiam fatias da XP Controle, depois mudou para o de Restricted Share Units (RSU), em que os sócios tinham um prazo de cinco anos após o período de aquisição para acessar as ações listadas, e, recentemente migrou para um arranjo que combina os dois formatos. Quem recebe RSU, passa a ter direito aos papéis negociados na bolsa.

Depois do encontro, os analistas do BTG fizeram projeções mais suaves para a queda do lucro no primeiro trimestre de 2023, mas ainda assumem um rebote nos próximos trimestres. Assim, avaliam que o desempenho não será suficiente para atingir o guidance, estimando um lucro de R$ 3,5 bilhões no ano.

A reunião serviu, contudo, para reforçar o compromisso da liderança atual, após rumores da saída de Maffra e de Berenger da instituição. Benchimol afirmou que Maffra é o homem certo para a posição. “Ainda nos preocupamos com todo o barulho por trás das demissões (e responsabilidades potenciais) e com o novo modelo de partnership. Mas pelo menos Benchimol mostrou compromisso e foco no assunto”, afirmam os analistas do BTG. “Combinada com uma tendência mais otimista do que o esperado para o primeiro trimestre, isso deve aliviar a pressão adicional sobre as ações da XP, após a recente onda de vendas.”

Recompra de ações

Na análise do UBS BB, as conclusões são bastante parecidas, com um tom geral positivo e o reconhecimento de que as receitas “core” devem continuar sob pressão pela fraqueza macroeconômica durante a primeira metade do ano. No médio e longo prazo, há uma leitura mais inspiradora com o retorno gradual da confiança dos investidores de varejo, melhora do mix de receitas na atividade principal e contínua expansão das novas linhas de negócios. “Além disso, o time não descartou outro programa de recompra de ações para 2023 para melhorar a alocação de capital à luz do atual guidance de resultados para este ano.”

Os analistas apontam que apesar da melhora da experiência de clientes que usam o serviço prestado pelo bancos incumbentes, há uma lacuna para os recém-chegados. Além disso, a avaliação é que as incertezas em curso na confiança dos investidores de varejo são um gargalo para a expansão líquida de caixa da empresa, uma dinâmica que deve mudar com o tempo. “A mensagem foi que o share of wallet atual em 50% mostra o potencial de aumentar gradualmente e transformar a XP como a principal conta bancária e de gestão de investimentos, considerando-se a base atual”, escreve o time do UBS BB. “Assim, esses aspectos podem impulsionar a expansão da participação de mercado ao longo dos anos seguintes.”

O UBS BB aponta que a “take rate” (as receitas sobre os ativos em custódia) deve continuar a ser afetada por um mix ruim, após cair 20 pontos-base no varejo em 2022, refletindo o efeito da alta de juros no negócio principal. Investidores migraram de fundos que cobram taxas de administração mais altas para os de menor risco e com custo menor. A administração não descartou novas reduções ao longo dos próximos trimestres, mas o risco de queda acentuada parece agora ser mais limitado.

Prioridades além dos juros

Os analistas do Credit Suisse destacaram que a administração expressou confiança de que seria capaz de atingir o limite inferior do guidance de lucro, vai se esforçar para superá-lo e que teria alavancagem operacional significativa se as taxas de juros caíssem, com a consequente melhora do sentimento do mercado.

Eles apontaram ainda que demissões e outros ajustes já foram realizados e os executivos afirmaram que a empresa está preparada para enfrentar outros desafios. “Da reunião, no entanto, perdemos a menção das principais prioridades estratégicas do XP à luz do ambiente em mudança, já que muito da visão de melhoria futura está ancorada basicamente na redução das taxas de juros e gerenciamento de custos, mas alheio a muitos outros importantes fatores”, escrevem Marcelo Telles e Daniel Vaz, que mantiveram indicação “underperform” (abaixo da média do mercado) para as ações.

Eles listam as mudanças no modelo de distribuição, impacto da concentração de assessores de investimentos, a dependência excessiva do negócio de ações, questões de idoneidade do cliente, alteração na regra de exclusividade com os assessores, e a permissão de sócios capitalistas nos escritórios como alguns pontos de atenção. Citam ainda conflito de interesses pela verticalização, aumento da concorrência dos bancos existentes e desalinhamento de interesse com os profissionais na venda de alguns dos novos produtos da XP.

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