Guerra traz pressão extra para indústria que precisa de chips
Rússia e Ucrânia são fornecedores globais de paládio e gás neônio, usados na fabricação dos itens
Em desequilíbrio desde o início da pandemia, os estoques de semicondutores da indústria brasileira devem ficar ainda mais pressionados com a guerra entre Rússia e Ucrânia. Mais de 60% das fabricantes de produtos eletroeletrônicos apontavam dificuldades em comprar semicondutores em janeiro.
Rússia e Ucrânia são grandes produtores globais de paládio e gás neônio (respectivamente), que são insumos essenciais na produção dos chips. O paládio é um metal especialmente usado em sensores e componentes de memória. Já o neônio em grau semicondutor é purificado pela indústria ucraniana e é fundamental para os lasers usados na fabricação dos chips.
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“A guerra é um componente novo que nos deixa muito preocupados, porque o produto que vínhamos tendo problema são os semicondutores, já que os fornecedores da Ásia já não estavam dando conta de atender à demanda por esses itens”, diz Humberto Barbato, presidente da Abinee, associação brasileira da indústria elétrica e eletrônica.
Agora, destaca, os confrontos criam um gargalo na etapa anterior, nos fornecedores desses fabricantes de semicondutores. “Estoques disponíveis das matérias-primas nas fábricas de semicondutores existem, mas não são infinitos. Pelas conversas que tivemos com os fabricantes de semicondutores, o que se espera é que o impacto seja limitado no curto prazo. Mas quanto mais durar a guerra, maior o risco de haver falta”, diz Barbato.
Fabricantes de computadores e dispositivos móveis afirmam que ainda é cedo para avaliar algum impacto da guerra para o fornecimento de componentes ao país. “Mais do que a escassez de matéria-prima, há uma pressão inflacionária sobre os componentes”, afirma Norberto Maraschin, vice-presidente de negócios de consumo e mobilidade na Positivo Tecnologia. Ele se refere ao salto dos preços de componentes eletroeletrônicos e custos de frete com o fechamento de fábricas na Ásia, desde o início da pandemia.
Embora o abastecimento esteja restrito, Maraschin diz que o cenário já não é mais de escassez e mostra sinais de melhora. “O valor do aluguel do contêiner para importação de componentes, que saltou de US$ 2 mil para mais de US$ 15 mil durante a pandemia, vem caindo gradativamente.”
Assim como a Positivo, a fabricante de notebooks Avell adaptou-se ao ritmo do mercado de semicondutores, adiantando pedidos de dois para seis meses, diz Emerson Salomão fundador e CEO da fabricante catarinense. “A situação está melhor do que no ano passado”, afirma o executivo que tem visto uma redução nos prazos de entrega dos fornecedores da Ásia.
A duração do conflito entre Rússia e Ucrânia deve definir os impactos sobre o setor e o prazo para a regularização da cadeia de suprimentos. “Se não tivesse a guerra, estávamos prevendo uma normalização no segundo semestre”, diz Salomão.
Na última sondagem da Abinee, feita em janeiro com 80 empresas associadas, 67% das entrevistadas que utilizam esses componentes na produção relataram dificuldades para compra dos itens. O que mostrava uma melhora em relação à sondagem anterior (dezembro), em que 73% relatavam dificuldades. Por isso, 53% das empresas acreditavam que a normalidade no abastecimento de semicondutores ocorreria até o fim de 2022 – 22% acreditavam que seria neste semestre e outras 34% projetavam normalidade só em 2023. Ainda sobre o tema, 13% das entrevistadas informaram que seus fornecedores não passaram nenhuma previsão. Ainda não houve levantamento após a invasão do território ucraniano.
O risco de oferta mais limitada se soma à oscilação do câmbio, já que cerca de 90% dos semicondutores são importados. Em janeiro, esses itens somaram US$ 506 milhões em importações feitas pela indústria nacional.
O mercado teme impactos em preços como ocorreu quando a Rússia invadiu a Crimeia, em 2014, e o preço do neônio disparou 600%, apontou uma reportagem do “Financial Times” da semana passada.
Embora existam opções às reservas dos países em conflito, a pressa em encontrar fornecedores que não estão na Europa Oriental está causando escassez e aumento de preços, não apenas do neônio, mas de outros gases industriais, como xenônio e criptônio – 40% da oferta global de criptônio vem da Ucrânia.
“Estamos em apuros. Não temos gases raros para vender”, disse o executivo Tsuneo Date, que administra a fornecedora de gás pressurisado japonesa Daito Medical Gas, ao “FT”.
Segundo ele, o preço do gás, que é usado na produção de semicondutores, subiu cinco vezes até o fim de janeiro, de US$ 1,73 a US$ 2,59 por litro para quase US$ 8,64, o litro agora.
Fabricantes de semicondutores ouvidos pela Reuters logo no início da invasão da Ucrânica pela Rússia afirmaram que monitoravam a situação, mas tinham condições de continuar operando. A fabricante de chips de memória sul-coreana SK Hynix afirmou que tinha grande volume de matéria-prima estocada e a GlobalFoundries, que tem sede nos Estados Unidos, disse ter flexibilidade de buscar fornecedores de outros países.
A fabricante americana de microprocessadores Intel informou não prever impactos significativos em sua cadeia de suprimentos por conta da guerra na Ucrânia. “Nossa estratégia de ter uma cadeia de suprimentos global diversificada minimiza possíveis riscos de paralisações locais”, afirmou a empresa em comunicado.