Fiagros crescem, mas casos de inadimplência acendem luz amarela

Fundos compostos por papéis do agronegócio vão na contramão da onda de saques da indústria e captam R$ 1 bilhão no ano

Colheita de milho em Maringá, no Paraná. Foto: Rodolfo Buhrer/Reuters
Colheita de milho em Maringá, no Paraná. Foto: Rodolfo Buhrer/Reuters

Enquanto os fundos de crédito perdiam bilhões no início de 2023, os Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagros) registravam captação líquida positiva: em abril atingiram a emblemática marca de RS 1 bilhão no ano. O crescimento acelerado vem sendo registrado sobretudo entre pessoas físicas, por serem isentas de imposto de renda.

Para se ter uma ideia, o segmento saiu de 10 mil contas em 2021 para 360 mil agora, uma alta de 3.500%. No entanto, casos recentes de empresas em dificuldades, e até de “default”, acenderam a luz amarela no setor. Assim como o resto da economia brasileira, o setor enfrenta um ano difícil, diante de juros altos e queda dos preços das commodities.

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“O produtor rural se alavancou muito para expandir a produção. Agora os preços caíram, os juros subiram e vai ser difícil a conta fechar. A atenção com a gestão ativa e a assertividade vão ser muito importantes agora”, afirma Julia Bretz, sócia e analista de crédito na JGP, responsável pelas estratégias de agronegócio e ESG.

“É separar o joio do trigo. Os Fiagros são um produto de crédito, mas de um setor vencedor mesmo em um ambiente macroeconômico mais complexo”, diz Sergio Goldstein, sócio e responsável pela área de crédito estruturado da Itaú Asset.

Os Fiagros foram criados em junho de 2021, sem regras próprias – a Comissão de Valores Mobiliários autorizou a abertura espelhando o arcabouço já vigente dos fundos imobiliários (FIIs), de direitos creditórios (FIDCs) e de investimento em participações (FIPs). As gestoras rapidamente criaram seus produtos e, em apenas alguns meses no primeiro ano, o patrimônio atingiu R$ 1,7 bilhão, em 2022 foi a R$ 10,6 bilhões e neste ano já soma R$ 12,6 bilhões, até abril. Em número de fundos, saiu de 14 em 2021, para 46 no ano passado e 56 em 2023 (até abril).

Frente ao tamanho da indústria de fundos, ou até mesmo em relação à sua principal referência, os imobiliários, que somam patrimônio de R$ 254 bilhões, os Fiagros ainda são pequenos. Mas os gestores são unânimes ao afirmar que é mais um passo na trajetória em direção ao aumento do espaço do agronegócio no mercado de capitais, mais condizente com o peso do setor na economia, em torno de 25% do Produto Interno Bruto (PIB).

Dados do Banco Central mostram que a fatia das emissões no financiamento do agronegócio cresceu fortemente nos últimos anos. Em 2016, representavam 5% dos recursos obtidos, sendo que o restante era de empréstimos direcionados dos bancos. Em março de 2023, havia chegado a 18%.

Este ano, assim como todo o mercado de emissões privadas, que viu redução de 41% entre janeiro e abril, o setor teve perda de fôlego mas em ritmo menor, com queda de 37%. Os spreads dos certificados de recebíveis (CRA) indexados ao CDI também subiram de 30% a 40% menos que o resto da indústria de crédito, que chegou a aumentar mais de 1 ponto percentual, afirma Bretz, da JGP.

“A necessidade real de investimento do agronegócio a cada safra é de R$ 750 bilhões a R$ 800 bilhões, e o Plano Safra atende com R$ 300 bilhões”, afirma André Masetti, gestor de Fiagro da XP Asset. Os Fiagros vêm dar vazão a esse mercado.

“No ano passado, esses fundos absorveram 17% das emissões, que é a maneira adequada de investir nos CRAs, porque quando o investidor entra diretamente num papel ele assume o risco de uma empresa. Os fundos, por sua vez, têm gestão ativa e diversificada que reduz isso”, destaca Bretz.

A maioria dos Fiagros em oferta hoje no mercado é espelhada nos FIIs e é formada por Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRIs) da cadeia agroindustrial. Assim, o segmento absorve hoje cerca de 10% dos papéis emitidos pelo setor.

Segundo Bretz, da JGP, a expectativa é que chegue a 50%, mesmo patamar dos imobiliários. A gestora lembra, porém, que, diante dos casos de inadimplência no agronegócio, assim como no setor de crédito em geral, há Fiagros assumindo riscos maiores do que a média da indústria.

“Não investimos em produtor rural pessoa física, por exemplo, damos preferência a empresas mais consolidadas, com nível de governança alto, estrutura de capital saudável e que sejam auditadas, porque, em momentos de alta de juros e alavancagem alta num setor cíclico, os problemas aparecem. Se o fundo está exposto em uma região específica ou com um risco concentrado em um segmento da cadeia, começa a ficar preocupante”, adverte ela.

A JGP tem dois fundos, um listado (JGPX11), com R$ 80 milhões, e um “cetipado” (JGPT11), com R$ 190 milhões.

Entre os casos de “default” recentes estão o da Usina Açucareira Ester, cujos papéis compunham dois fiagros da XP (XP Crédito Agro – XPAG11 e XP Crédito Agrícola – XPCA11) e que pediu recuperação judicial no início deste mês, e o da Cooperativa Languiru, cujos papéis estavam em fundo da Valora (VGIA11) e que informou que faria em fevereiro plano de reestruturação de dívidas. As duas gestoras comunicaram a seus investidores que estavam acompanhando de perto os dois processos.

“São poucos casos mas o investidor precisa estar atento porque as carteiras de Fiagro são novas e esse risco é real. A cultura de governança está sendo inserida no setor. Mas o mundo do agro é muito mais promissor que o imobiliário, porque o ecossistema é maior”, afirma David Camacho, sócio-fundador e gestor da Devant, cujo fundo (DCRA11) tem R$ 65 milhões de patrimônio líquido e é negociado na B3.

Arturo Profili, sócio-fundador e gestor da Capitânia Investimentos, que tem sob gestão R$ 25 bilhões e é focada em papéis de crédito, diz que os juros altos drenaram o resultado das empresas. Agora, o início do ciclo de queda da Selic vai ajudar a deixar o caixa livre.

“Nos próximos anos teremos uma melhora de crédito dos tomadores”, comenta ele, que vê os Fiagros atingindo “tranquilamente” os R$ 50 bilhões em no máximo três anos.

“Este ano é desafiador, preços de commodities caíram, mas o resultado do setor é bom, sempre considerando a média de cinco anos. Por isso, financiamos as corporações do entorno e não o produtor, porque o resultado é mais estável”, avalia o gestor da Capitânia, que tem o fundo CPTR11, na B3, com R$ 500 milhões, e lançou em maio um negociado no mercado de balcão, com R$ 250 milhões.

Vale lembrar que em 2022, depois de crescer continuamente desde 2017, o setor teve queda de 1,7%, segundo o IBGE, um recuo puxado pela queda na produção diante de eventos climáticos.

Esta operação no mercado de balcão, no ambiente Cetip, foi desenvolvida no início de 2022 pela XP. Até então, os Fiagros eram negociados apenas no pregão da B3. Pelo sistema, a cota dos “cetipados”, como são chamados no jargão do mercado, é negociada diretamente entre os interessados, com a intermediação da XP.

A vantagem é eliminar a volatilidade a volatilidade aparente, mas os descontos para quem está saindo são mais altos.

Para o investidor pessoa física pode ser um alívio não ver na tela a cota de seu fundo subir e descer todo dia, já que o valor levado em conta é o patrimonial. A surpresa fica para a hora da negociação.

“Esse sistema impulsionou os investimentos. Só neste ano captamos R$ 788 milhões em Fiagros, sendo que no ‘cetipado’ R$ 650 milhões”, afirma Masetti, da XP, que frisa que a gestora tem em seus fundos R$ 1,85 bilhão do total de R$ 12,6 bilhões do segmento. “Quase 20% da indústria está em dois fundos nossos”, comemora.

Alvaro Rezende, sócio-diretor da Fator Ore, chama a atenção para o grande apelo dos Fiagros para o público de varejo que, além da isenção de IR, paga dividendos, em sua maioria mensais. A gestora tem um fundo listado na B3 (OIAG11) e um cetipado (Fator Innovation Fiagro Direitos Creditórios).

Bruno Santana, CEO e fundador da Kijani, fundada em 2021 e especializada em agronegócio, lembra que há uma adaptação do setor para atender ao mercado.

“Boa parte do agro trabalha com o prazo da safra. E os Fiagros distribuem rendimentos mensais. Como essa mágica acontece? Os emissores estão entendendo que o mercado pede um fluxo diferente”, explica o gestor, cujo Fiagro “cetipado” (KJNT11) tem 15 mil cotistas e “estratégia de pulverização, em geografia e setores”, por ser um setor “caracterizado por picos e vales”.

Goldstein, da Itaú Asset, também aponta o alto nível de diversificação de sua carteira como um diferencial importante. Terceiro maior do mercado, com R$ 980 milhões, o fundo da gestora (RURA11), listado na B3, tem 45 devedores, segundo ele, superior à média do mercado, que fica entre 15 e 20.

“É um setor que, por depender de condições climáticas e cotações internacionais, acaba sendo volátil”.

Ele destaca que, diferentemente do imobiliário, é um setor que tem alguma assimetria com a economia. “O setor imobiliário é juro na cabeça. A taxa sobe, o setor sofre. O agro tem um pouco disso, mas a independência é maior. Para o investidor que quer ficar um pouco mais assimétrico em relação aos outros produtos, o Fiagro está melhor que os imobiliários”, afirma.

Segundo Masetti, da XP, com a tendência de início do ciclo de queda da Selic, as gestoras passarão a dar mais crédito indexado ao IPCA: “É o que nós já estamos fazendo”, diz.

E, mesmo com todos os desafios apontados, Bretz afirma que, no mínimo, os Fiagros são importantes para diversificar o portfólio.

“Uma fatia de 25% do PIB é difícil de ignorar. É um setor que precisa de investimento e vem segurando a economia. Se o investidor não está alocando nesse segmento, está deixando uma grande parte na mesa.”

Por Liane Thedim, do Valor Econômico

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