Faça a devida gestão de riscos

Quando há algo em jogo, o risco de práticas desleais está sempre presente

- Ilustração: Marcelo Andreguetti
- Ilustração: Marcelo Andreguetti

Nos últimos dias, meu WhatsApp foi torpedeado por mensagens e perguntas sobre um assunto que ganhou as manchetes no mundo inteiro. Até quem não sabe o nome das peças está sabendo da polêmica que surgiu no mundo do xadrez, com as suspeitas de trapaça levantadas pelo atual campeão mundial, o norueguês Magnus Carlsen, contra o jovem grande mestre norte-americano Hans Niemann.

Como em toda polêmica, as opiniões são as mais variadas, e surgem haters, apoiadores e gente pra colocar lenha na fogueira de todos os lados; até o Elon Musk não perdeu a oportunidade para colocar o seu Twitter em ação.

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O xadrez é um jogo transparente, em que ambos os jogadores saem em igualdade de condições, e toda informação está sempre disponível para os jogadores. As regras são claras, o tabuleiro é o mesmo para ambos, e não é permitido ter qualquer auxílio externo. Cabe a cada um usar sua capacidade para superar o outro.

Mercados financeiros precisam ser regulados

Porém, diferentemente do xadrez, quando o tema é investimentos, existe uma natural assimetria de informações entre os participantes do mercado. Por exemplo, altos executivos de empresas com ações listadas na bolsa de valores podem possuir ou ter acesso a informações privilegiadas sobre as perspectivas do negócio, como estão indo as vendas, a perspectiva dos lucros no trimestre seguinte, ou quando um grande cliente muda de fornecedor. Da mesma forma, alguns membros do setor público (governo, autarquias, equipes econômicas) podem ter acesso privilegiado a informações sensíveis, como por exemplo, quando uma lei que impacta um setor da economia será levada ao Congresso, quando a taxa de juros deverá subir ou cair, ou como devem sair os números de inflação.

As penalidades para quem faz uso indevido dessas informações privilegiadas são bastante severas, e constitui crime contra o mercado financeiro. Mas nem sempre foi assim. A primeira bolsa de valores foi fundada em Amsterdã no início do século XVII, e a bolsa de Nova Iorque nasceu no final do século XVIII. Mas foi somente depois do Crash da bolsa de Nova Iorque de 1929 que, em 1936, foi criada a SEC – Securities and Exchange Commission, uma agência independente para regular os mercados e fazer cumprir a lei contra manipulação de mercado. Incrivelmente, a nossa CVM só foi criada muito tempo depois, em 1976.

Nesse mundo em que somos massacrados com fake news, a principal mensagem que você, leitor, deve tirar desse artigo é que nem tudo que reluz é ouro. Tenha a devida cautela e faça a devida gestão de riscos.”

E o que isso tudo tem a ver com o nosso bolso?

Todos nós partimos do pressuposto de que todos respeitam as regras, e é bom que seja assim. Mas mesmo com toda essa regulamentação, e com o risco de cadeia, os fatos comprovam que o risco de manipulação de mercado está sempre presente. Alguns casos de trapaça se tornaram emblemáticos, pela capacidade de enganar tanta gente.

Um deles foi o de Bernie Madoff, por muitos anos considerado um dos mais conceituados investidores de Wall Street. As pessoas faziam fila para tentar investir o dinheiro nos fundos administrados por Madoff, sem saber que estavam alimentando um esquema de Ponzi. A estimativa é de que as fraudes chegaram aos USD 65 bilhões de perdas para milhares de investidores no mundo todo, um dos maiores casos de fraude financeira da história. Madoff foi condenado a 150 anos de prisão em 2009, e faleceu em 2021 durante o cumprimento da pena.

Se num dos mercados mais regulados vira e mexe tem um caso de trapaça, o que dizer de mercados não regulados? Assim como no caso dos fundos administrados por Madoff, tudo parece perfeito até o dia que se descobre uma fraude. Mercados não regulados são o palco ideal para todo tipo de irregularidade.

Eu particularmente tenho muita reticência em relação a fortunas criadas do nada. Não são apenas as criptomoedas e tokens, mas também as plataformas e corretoras que negociam esses ativos. Sem uma clearing oficial, quem me garante que todo o fluxo divulgado é real e não um monte de robôs criando transações inexistentes, criando uma falsa percepção de liquidez para os investidores?

Neste ano a celebridade Kim Kardashian e o boxeador Floyd Mayweather viraram réus num caso de ‘pump and dump’ de criptomoedas, prática considerada manipulação de mercado. A acusação sustenta que eles promoviam a criptomoeda EthereumMax em suas redes sociais de forma enganosa, inflando artificialmente o preço da moeda que despencou quase 100% após Kardashian promover para seus quase 230 milhões de seguidores. Se os réus se beneficiaram ou não, e se são culpados ou não, só vamos saber depois da decisão do caso.

Nesse mundo em que somos massacrados com fake news, a principal mensagem que você, leitor, deve tirar desse artigo é que nem tudo que reluz é ouro. Tenha a devida cautela e faça a devida gestão de riscos.

Niemann trapaceou ou não?

Assim como nos casos de insider trading, a dificuldade está em produzir as provas. Numa partida entre grandes mestres, às vezes somente a indicação de que se trata de um momento importante da partida ou que há uma oportunidade é o suficiente. Carlsen foi enfático na acusação, vários outros grandes mestres que conhecem os protagonistas também manifestaram desconfiança, o próprio Niemann já confessou ter trapaceado no passado. Mas sem provas, temos apenas fumaça.

Se para a mulher de César não basta apenas ser honesta, é preciso parecer honesta, para os mercados e no xadrez não basta parecer honesto, precisa ser honesto!

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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