Enxugamento deixa CVM defasada, dizem ex-diretores
Restrição orçamentária é agravada no momento em que mercado segue em franco crescimento e inovação
O enxugamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) coloca a autarquia em posição de defasagem entre o que faz e o que deveria praticar para uma supervisão adequada do mercado de capitais, na visão de ex-diretores da autarquia que participaram ontem da Live do Valor. Em paralelo, o mercado segue em franco crescimento e constante inovação, com novos produtos, personagens e ilícitos.
A redução de mais de 50% do orçamento das despesas ligadas à manutenção das atividades da CVM teve repercussão nas últimas semanas. Até o momento, o regulador trabalha para recompor os valores. “Não se trata de um aperto, que é algo momentâneo. Na verdade o que temos é uma asfixia da CVM, que está há tanto tempo com orçamento defasado, sem recursos para aprimorar as atividades. A CVM corre o risco de perder a capacidade de realizar as suas atividades”, disse o advogado Pablo Renteria, fundador do Renteria Advogados.
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O regulador consegue “fazer mais com menos há algum tempo”, mas há um limite, afirmou Luiz Antonio de Sampaio Campos, sócio do BMA Advogados. Somente a cobrança das taxas de fiscalização é mais do que suficiente para cobrir as obrigações da autarquia, mas todo o dinheiro arrecado é destinado ao Tesouro Nacional. “Há uma lei que foi feita pensando nisso [independência financeira da CVM], o que não acontece. São dessas coisas que não dá para entender”, disse Campos.
Casos recentes de mobilização de investidores no caso Game Stop, no exterior, e a repercussão sobre uma decisão da CVM sobre a distribuição de proventos do fundo imobiliário Maxi Renda mostram uma tendência maior de ativismo. “Talvez essa seja uma boa notícia e parte da solução (…). Quem sabe justamente por conta do maior interesse sobre o que a CVM faz e sobre a regulação de mercado não pode ser uma força positiva de sensibilização do Congresso Nacional e do poder executivo para a importância de a CVM ter um orçamento adequado”, disse Renteria.
Em meio às inovações do mercado como a ascensão dos influenciadores digitais financeiros e discussões sobre regulação de criptoativos, as emissões tradicionais seguem com força. Em 2021, as ofertas públicas somaram mais de R$ 700 bilhões, valor recorde.
Atualmente está em curso uma ampla reforma da regra de ofertas, com mudanças das instruções 400 (com registro, voltada para investidores de varejo) e 476 (não possuem registro prévio e são limitadas a investidores profissionais). A expectativa da autarquia é dar mais flexibilidade aos participantes do mercado e celeridade aos processos, consolidando as instruções em uma única norma.
A amplitude das mudanças preocupa o sócio do BMA. “A ambição da reforma pode ser um desafio para a própria CVM, sobretudo se coincidir um momento de mercado forte”, disse Campos, defendendo um “regime de transição suave”. Renteria defendeu que, para além das regras de ofertas, sejam dadas orientações ao mercado antes de normas que passaram por grandes mudanças entrarem em vigor. “A CVM deveria circular orientações mapeando as dúvidas interpretativas para que, quando as novas regras entrassem em vigor, estivessem solucionadas”.