Entenda a queda das bolsas americanas e europeias no 1º semestre

Em Wall Street, Nasdaq acumulou perda de 29,5% no primeiro semestre, enquanto o S&P 500 perdeu 20,5% e o Dow Jones retraiu 15,3%. O que esperar agora?

Confira o desempenho das Bolsas de NY — Foto: Valor
Confira o desempenho das Bolsas de NY — Foto: Valor

As principais bolsas americanas e europeias fecharam o primeiro semestre de 2022 no vermelho. As perdas acumuladas ocorreram em um cenário de gargalos de fornecimento, conflito entre Rússia e Ucrânia, inflação aquecida e altas mais agressivas das taxas de juros.

Ainda que o movimento entre os mercados acionários tenha o mesmo sentido, as perdas não foram iguais. Enquanto a referência de Nasdaq, por exemplo, caiu 29,51% no período, o FTSE 100, de Londres, perdeu 2,92%. Uma explicação simples para tal contraste estaria no fato de que a primeira é mais sensível à alta de juros, enquanto a segunda está mais exposta às variações das commodities (que foram bastante beneficiadas, principalmente o petróleo).

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Índices batendo recorde

Para entender o mergulho das bolsas é preciso voltar em janeiro deste ano e retomar alguns acontecimentos que ocorreram desde então. Nos primeiros dias do ano, havia ainda entre os investidores um forte otimismo que levava índices acionários americanos e europeus a seus níveis mais altos na história. Basta lembrar dos recordes de fechamento do S&P 500 e do Dow Jones em 3 de janeiro. Ou, dois dias depois, das bolsas de Paris e Frankfurt também registrando seus números mais altos. Mas justamente no dia em que bolsas europeias alcançaram seu patamar mais elevado também veio o primeiro sinal de que o ambiente iria mudar.

Mudança de tom do Fed

No dia 5 de janeiro, a minuta do encontro de dezembro do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), do Federal Reserve (Fed), apresentou um tom diferente. No documento, integrantes do comitê começaram a sinalizar que poderiam votar mais cedo pelo aumento da taxa de juros. “Dadas as perspectivas para a economia, mercado de trabalho e inflação, pode ser justificável elevar a taxa dos Fed Funds mais cedo ou mais rapidamente do que se esperava anteriormente”, dizia trecho da ata. Já havia a estimativa de alguns bancos, como o Bank of America, de que o Fed fosse elevar as taxas de juros em março, mas não era consenso. Isso porque ainda era necessário encerrar o programa de compra de títulos, que estava sofrendo uma redução gradual, o chamado “tapering”.

Guerra entre Rússia e Ucrânia

Mas a mudança do tom não veio tão repentina e despropositadamente. A inflação americana seguia acelerando e não apontava para um teto. O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) foi subindo e ganhando atenção ao alcançar patamares mais altos em décadas (e não só nos EUA). Resultado de gargalos causados pela pandemia e dos estímulos dos governos, a elevação de preços acabou ganhando mais um catalisador: a guerra na Ucrânia. No fim de fevereiro, a invasão russa ao seu vizinho teve como resposta do Ocidente uma série de sanções. Entre elas, o isolamento da economia da Rússia e um boicote aos seus produtos, incluindo o petróleo.

Petróleo nas alturas

Os preços da commodity já vinham subindo desde que a pandemia dava sinais de enfraquecimento e as economias reduziam as restrições e os lockdowns. A produção de petróleo se mantinha aquém da demanda, e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados (Opep+) evitavam aumentá-la, temendo uma nova onda de covid-19 – o que poderia derrubar novamente a busca pelos barris.

Cabe lembrar aqui que, na primeira sessão de janeiro de 2021 o preço do contrato Brent, a referência global, fechou em US$ 51 o barril. Um ano depois, o preço foi para US$ 79. Já uma semana após a invasão russa, o contrato fechava em US$ 127 o barril. No fim de março, relatos apontavam que os principais investidores do setor previam o contrato ultrapassando a barreira de US$ 200, ainda em 2022. Então, se antes a inflação recebia pressão por conta do relaxamento das políticas fiscal e monetária, que surgiram na pandemia e davam aquecimento às economias, agora o pivô do problema era o choque de oferta.

“Bear market” e alta de juros do Fed

Com esse pano de fundo, o desenho por aumentos das taxas de juros para controlar a inflação quente já tinha contornos bem definidos e, diante disso, o índice Nasdaq foi bastante penalizado. Em 7 de março, a referência acionária da bolsa eletrônica de Nova York entrava no chamado “bear market”, nível técnico que aponta um movimento de queda e é marcado pelo recuo de 20% em relação a um recorde recente.

Pouco mais de uma semana depois, em 16 de março, o Fed anunciou um aumento de 0,25 ponto percentual nas taxas de juros, na primeira alta desde 2018. O presidente do BC americano, Jerome Powell, afirmou que os efeitos da guerra na Ucrânia sobre os preços das commodities, sobretudo do petróleo, já estavam sendo sentidos. Em entrevista, Powell ressaltou que o alívio dos problemas na cadeia global de abastecimento, que era esperado para o primeiro trimestre de 2022, seria retardado por causa dos efeitos da guerra e das sanções econômicas contra a Rússia. No terceiro mês do ano, os preços do setor de energia nos Estados Unidos aceleraram e subiram 11%, na comparação mensal (dentro do CPI). Um mês antes, a alta tinha sido de 3,5%.

BCE ‘hawkish’ e Covid Zero

O boicote às commodities russas pressionou ainda mais os europeus, uma vez que a dependência (e proximidade) deles é maior. Daí o abandono gradual dos comentários da presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, de que o aumento das taxas de juros ficariam para o segundo semestre. Surgiam os primeiros sinais “hawkish” (mais favorável ao aperto monetário) de Lagarde.
Não bastasse isso, em março a China voltou a reforçar sua política de Covid Zero e aumentou as restrições no país para controlar novas ondas da doença. Isso criou novos gargalos de fornecimento e ajudou a alimentar o mau humor dos investidores.

Fed eleva o tom, duas vezes

Com o choque de oferta pela guerra e pelo bloqueio chinês e a inflação não dando sinais de abrandamento, restou uma saída para os bancos centrais: apertar ainda mais a política monetária. No início de maio, o Fed adotou um tom mais agressivo e elevou suas taxas a um ritmo de 0,5 ponto e ainda estabeleceu que iniciaria o o enxugamento de seu balanço patrimonial no início de junho (o chamado “Quantitative Tightening”, ou QT). Enquanto isso, na Europa o BCE encurtava o prazo para o fim de seu programa de compras de ativos. Com indicação de menor liquidez e mais altas nos juros, as bolsas seguiam penalizadas.

Pouco mais de um mês depois, em junho, a autoridade monetária americana voltou a elevar seu tom. O CPI do mês de maio tinha mantido sua aceleração e assustou os investidores. Ao lado disso, as expectativas do consumidor para a inflação de longo prazo crescia, enquanto sua confiança caía para o nível mais baixo da história, como mostrou a prévia do indicador de junho da Universidade de Michigan. A equação de números fortes resultou em uma alta de 0,75 ponto percentual no encontro do Fomc do mês de junho.

Europa busca fim dos juros negativos

No outro lado do Atlântico, o BCE estabelecia em sua reunião que no mês seguinte daria seu primeiro passo em rumo ao aumento dos juros, em ritmo de 0,25 ponto – na primeira elevação desde 2011. A Suíça, que também não mexia em suas taxas desde 2007, se antecipou e surpreendeu ao elevar os juros em 0,5 ponto para -0,25%, em busca da saída do território negativo.

Quem ganhou, quem perdeu

Diante de aperto monetário e inflação alta surgiram receios de estagflação e recessão. Com isso também veio o saldo das bolsas no fim do semestre: Em Wall Street, Nasdaq acumulou perda de 29,5% no primeiro semestre, enquanto o S&P 500 perdeu 20,5% e o Dow Jones retraiu 15,3%. Dos onze índices setoriais do S&P 500, apenas um registrou ganhos: o de energia, ao subir 29,2%. Empresas do segmento viram suas ações decolarem: Exxon Mobil acumulou ganhos de 39,96%, enquanto a Chevron subiu 23,3%.

Na lanterna, o setor de consumo discricionário perdeu 34,2%. Ações peso pesado do segmento foram bastante penalizadas: ambas Amazon e Tesla caíram 36,2%. Empresas deste grupo, mas pertencente ao setor de turismo, sofreram ainda mais: as ações da companhia de cruzeiro Royal Caribbean caíram 54,6%, enquanto a rede de cassino e hotéis Caesars Entertainment perdeu 59,0%.

Na Europa, a bolsa alemã acumulou perdas de 19,5%, enquanto a francesa caiu 17,2%. Destoando, em Londres, o índice acionário FTSE 100 recuou apenas 2,92%. Isso devido à composição da referência britânica, mais exposta a commodities, como o petróleo. As ações da British Petroleum (BP), por exemplo, subiram 17,49% no período, enquanto as da Shell cresceram 30,8%.

Por Arthur Cagliari e Daniel Gateno, do Valor Econômico, São Paulo.
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